O ARREPENDIMENTO
O arrependimento é um sentimento positivo que resulta da conscientização que operamos em nosso ser ao reconhecermos as nossas falhas, faltas e erros. Este reconhecimento é quase sempre muito doloroso, mas não há nada na vida que o espírito não possa suportar, sendo, portanto um preparo para planejarmos um ato reparador, que regenera e purifica o espírito. Por isso mesmo, o arrependimento não deve ser encarado como uma autopunição.
O mais importante é tomarmos consciência de nossos erros e não errar mais, não cometer o mesmo erro duas ou mais vezes seguidas. Isso porque errar, estando consciente de que se está praticando o mesmo erro, resulta em falta mais grave ainda, inadmissível para a evolução da criatura. Então, precisamos melhorar nossas atitudes e posturas. Para isso, tem que haver sinceridade no arrependimento. Em cada caso, a criatura precisa ser verdadeira consigo mesma, sabendo que é preciso reparar as faltas para poder se livrar do arrependimento que delas se originou.
Precisamos entender e compreender que, enquanto o arrependimento sincero é reparador e transformador, a culpa inculcada em nossa consciência é negativa; por isso, manter este sentimento sem nada fazer, sem refletir quanto à ação corretiva a tomar, pode trazer conseqüências imediatas irreparáveis à criatura. O que estamos querendo dizer é que a culpa, por si só, representa apenas um alerta ou um grito em nossa consciência. É preciso que transformemos este alerta em ação reparadora através do arrependimento sincero, o qual virá fortalecer e renovar a nossa vontade para reconhecer e evitar aquele erro ou erros semelhantes e associados no futuro.
Através da reparação de um erro, qualquer que ele seja, estamos nos preparando para nos reconhecermos verdadeiramente falíveis, estamos reconhecendo que somos imperfeitos, mas também, e isso é mais importante, estamos prontos, preparados e condicionados para sairmos da condição onde estamos (errados) para uma condição íntima melhor e reparadora, e isso nos trás um grande alívio. Se houver uma acomodação ao erro, estaremos fugindo do sentimento de culpa, sem o reforço da nossa consciência. Só o arrependimento sincero promove a verdadeira reparação. O arrependimento é, portanto, o primeiro e decisivo passo dado para a nossa reforma íntima, saneando e reforçando a nossa vontade.
Vemos, portanto, que para tratarmos do sentimento do arrependimento temos que examinar como age o sentimento de culpa, já que aquele é conseqüência deste. Existem mecanismos e técnicas para reconhecermos o sentimento de culpa. Mas, a principal condição é reconhecermos que, quando a responsabilidade da criatura não é por ela levada a sério, muitos atos se praticam lesando o seu semelhante de uma forma ou de outra. Isso nos leva a um maior ou menor sentimento de culpa, que varia de acordo com o nosso grau de espiritualidade. Por isso é que recomendamos às criaturas fazerem uma auto-análise diariamente ao de se deitar, interrogando a sua consciência, passando em revista as suas atitudes, atos e procedimentos havidos durante o dia. Assim, poderá passar a limpo suas ações, reconhecendo seus erros e corrigindo-os o quanto antes ou no dia seguinte, se possível.
Outra diferença que precisamos esclarecer é a que existe ente o arrependimento e o remorso. O arrependimento é sempre um desencargo da consciência que ocorre sempre que reconhecemos o mal que provocamos em nossos semelhantes. Já o remorso é a postura do arrependimento mal compreendido. É a reação ao arrependimento sincero, trazendo repercussões negativas sobre a nossa auto-estima. Verifica-se, assim, que o remorso é um mal maior, sempre deletério e leva ao desgosto e ao aparecimento de depressões. O remorso fica recalcado e não leva à renovação de nosso íntimo, tarefa que fica para o arrependimento sincero que em teologia é conhecido como contrição (“ato de arrepender-se perante o Ser Supremo...”). Enfim, contrição e compunção (“pesar por haver cometido “pecado” ou má ação...”) são palavras de cunho religioso usadas no lugar de arrependimento e todas têm o mesmo significado que é o de um profundo pesar pelas más ações que a criatura tenha praticado e delas resiste em arrepender-se. De outro lado, lexicamente, remorso é, segundo o Novo Aurélio da Língua Portuguesa, “inquietação da consciência por culpa ou crime cometido, remordimento, bicho-da-consciência”.
Outro aspecto que não poderíamos deixar passar em branco é sobre a palavra “pecado” – transgressão de caráter religioso por falta, erro ou vício e culpa propriamente dita. Assim, transformar culpa em “pecado” é um recurso das religiões para manter sobre as criaturas o domínio pelo medo e pela repressão, esta com o objetivo de manter os fieis desgostosos e revoltados consigo mesmos. Nós preferimos continuar adotando o termo culpa, aliás, já consagrado vulgarmente e também pela jurisprudência e pela psicologia., que tem o sentido da responsabilidade para educar o espírito a não fazer o mal, a não reincidir no erro. A culpa sinceramente reconhecida tem que ser uma atitude de alegria e não de depressão, de compreensão e não de lamentação, de esperança e não de desespero, de renovação íntima do ser e não de condenação. Enquanto que o “pecado”, (“armatia”, palavra oriunda do grego que tem o significado de “afastar-se da meta”) condena, a culpa tem o dom de redimir o ser.
Há, ainda, necessidade de comentar o erro cometido por ignorância. Quem o comete pode ser considerado culpado? Socialmente falando, quem desrespeita a lei comete erro, ainda que a desconhecesse, pois, diz a própria lei que “a ninguém é facultado ignorar a lei”. Individualmente falando, é preciso antes ter em mente a noção do certo e do errado e isto é racional, diz respeito ao espírito, sendo, portanto, lógico. Trata-se aqui do erro eventual, por ignorância, restringindo o crescimento moral da criatura. É claro que esta precisa evoluir material e espiritualmente e, embora não possa ser considerada culpada em certas circunstâncias (segundo a lei: os menores, os silvícolas, os doentes mentais), deve a criatura esforçar-se para considerar tais erros como formas apenas toleradas de aprendizado, desde que o erro só moleste a si mesma, não atingindo o seu semelhante.
Finalmente, certas religiões falam do “pecado original” como o grande erro, responsável pelo sofrimento da humanidade e propalam que todo o erro original perpetuado por todas as criaturas até o aparecimento de Jesus recaiu sobre ele. Onde está o princípio da justiça universal? Para que esta exista, as penas que alguém venha sofrer têm que ser por seus próprios erros. Estes e as culpas deles resultantes são intransferíveis e cada um tem que pagar pelo que faz ou fez de errado. Assim como o mal praticado por alguém retorna ao ponto de partida, o bem tem-no quem o merece. Esta é a justiça universal que alcança a todos como lei maior e inexorável – a lei de causa e efeito. Ela determina que tudo o que fazemos ao próximo retorna a nós, num mecanismo de perfeita justiça. Essa lei natural é, ao mesmo tempo, benfazeja, majestosamente justa e punitiva. Benfazeja para os benfeitores e punitiva para os malfeitores. Daí, a mensagem de Jesus: “Amai-vos uns aos outros”.