LIVRO REFLEXÕES SOBRE OS SENTIMENTOS - CARUSO SAMEL

21-05-2012 14:32

 


 

 

CARUSO SAMEL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

reflexÕes

sobre os

sentimentos

 

4ª edição

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Centro Redentor

Rio de Janeiro

2005


 

© Centro Redentor, 2003

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Samel, Caruso

 

        Reflexões sobre os sentimentos, 4a. ed. – Rio de Janeiro: Centro Redentor, 2005

 

 

        Espiritualismo: Filosofia

 

ISBN 85-89130-03-7

 

                                                                              CDD 133.9

                                                                              CDU 141.35

 

 

 

 

Endereço do autor:

e-mail: csamel@uol.com.br

 

 

 

 

Endereço para correspondência

 

Centro Redentor

Rua Jorge Rudge, 119 – Vila Isabel

20550-220 Rio de Janeiro – RJ – BRASIL

 

 

 

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Internet

 

www.racionalismo-cristao.org.br

 

 


SUMÁRIO

 

APRESENTAÇÃO.. 6

INTRODUÇÃO.. 7

PARTE I 9

SENTIMENTOS POSITIVOS. 9

A alegria. 9

O altruísmo. 10

A amizade. 12

O amor 14

A atitude. 20

A bondade. 22

A confiança. 23

A coragem.. 25

A criatividade. 26

A curiosidade. 28

A dignidade. 30

O entusiasmo. 31

A felicidade. 33

A franqueza. 37

A gratidão. 39

A harmonia. 39

A honestidade. 41

O idealismo. 43

O otimismo. 44

A ousadia. 45

A paciência. 47

A persuasão. 48

A prontidão. 49

A renúncia. 51

A saudade. 53

A serenidade. 54

A simplicidade. 55

A ternura. 56

A tolerância. 58

O triunfo. 60

O valor 61

PARTE II 64

SENTIMENTOS NEGATIVOS. 64

A ansiedade. 64

A autocompaixão. 66

A avidez. 67

O ciúme. 69

A compulsão. 71

O desespero. 72

O egoísmo. 73

A emulação. 74

A frivolidade. 75

A hipocrisia. 77

A indiferença. 79

A infidelidade. 81

A inveja. 83

A maledicência. 84

O medo. 86

O medo da morte. 88

A mentira. 89

O ódio. 91

A perversidade. 92

A raiva. 94

O ressentimento. 96

O sensualismo. 98

O tédio. 99

A timidez. 100

A tristeza. 102

A vaidade. 103

A vulgaridade. 104

PARTE III 107

SENTIMENTOS AMBIVALENTES. 107

A ambição. 107

O amor-próprio. 108

O desejo. 109

O orgulho. 111

O sofrimento. 112

PARTE IV.. 115

ATRIBUTOS ESPIRITUAIS. 115

A concentração. 115

A consciência. 116

O livre-arbítrio. 118

O pensamento. 120

A vontade. 123

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 124

 


APRESENTAÇÃO

 

Caruso Samel nasceu em Miracema, Estado do Rio de Janeiro, Brasil, em 1929, em berço racionalista cristão. Proveniente de família humilde, diplomou-se em Engenharia Química pela então Escola Nacional de Química da Universidade do Brasil, tendo-se especializado em refinação de petróleo e petroquímica, áreas em que trabalhou na primeira fase de sua carreira. Foi, também, professor em cursos de formação universitária, em vários momentos de sua bem sucedida carreira profissional. Ainda na fase técnica de sua carreira, criou e implantou o primeiro Curso de Petroquímica no Brasil, em 1969. Exerceu cargos de diretoria em importantes empresas brasileiras de planejamento e projetos. É também bacharel em Direito.

        Diretor-Tesoureiro do Centro Redentor Filial de Butantã, na cidade de São Paulo, SP, Brasil, em abril de 2000 passou a colaborar no jornal A Razão, desenvolvendo temas sob o título geral de “Regras de bem viver”.

        Como autodidata em Filosofia e Humanidades, tendo dedicado longos anos ao estudo e reflexão das obras racionalistas cristãs, e, por isso, palestrante e conferencista de grande densidade na apresentação de temas relacionados com a espiritualização das criaturas, o Autor apresenta sua visão sobre os sentimentos, empregando métodos próprios de investigação dos fenômenos afetivos, e cria algo novo em filosofia comportamental, ao mostrar a importância de o ser humano manter uma atitude de bem-querer em suas relações.

 

O Editor


INTRODUÇÃO

 

“Todo nosso conhecimento tem princípio nos sentimentos.”

Leonardo Da Vinci

 

Para tratar dos sentimentos, expressão da sensibilidade e da afetividade humana, foi idealizado o presente livro. Nele procuramos dar uma ampla abrangência ao estudo de um dos estados da consciência que mais tem a ver com a sensibilidade humana, isto é, com os fenômenos afetivos, também conhecidos como sentimentos, emoções e paixões. Procuramos exprimir com palavras, de modo convincente, os sentimentos humanos, nos seus diversos matizes, apresentados em mais de setenta temas.

Não vamos entrar em divagações filosóficas ou comparar conceitos defendidos por muitos autores e diferentes escolas filosóficas ao longo da História. Nem tampouco vamos nos fixar em conceitos religiosos pregados por seitas e religiões de todo o mundo. Mas, isso não nos impede de fazer citações apropriadas de grandes autores e mestres de todas as épocas para enriquecer nossas próprias idéias.

Ao longo dos tempos muitos autores estudaram os sentimentos e prepararam várias classificações, mas nenhuma delas nos satisfaz completamente, por serem incompletas ou por não se ajustarem aos aspectos mais modernos da filosofia e da psicologia. Dessa forma, este livro não se apegará a qualquer classificação ou escola filosófica. O título sugere um tratamento mais amplo do que específico, sem perder em profundidade. De regra, mergulhamos fundo na essência dos sentimentos, procurando identificar suas causas e efeitos, mas preservamos a leveza de cada tema tratado de forma livre e intuitiva.

Quando se procura compreender o processo de formação das causas conscientes e inconscientes geradoras dos sentimentos, das emoções e das paixões e os seus efeitos no dia-a-dia das pessoas, enfrentamos dificuldades. Não se trata de avaliar e medir coisas e suas formas para as quais se dispõe de metodologia e instrumentos apropriados, como medir a distância entre dois pontos ou pesar um determinado produto, mas de “experimentar” e “avaliar” sensações que são sentidas de forma e graus diferentes por nós, individualmente.

Ao contrário, aqui procuramos empregar métodos de investigação diferentes, tais como a analogia e a associação de estados internos da mente com o meio ambiente, o relacionamento das pessoas entre si, o conteúdo moral e psíquico dos indivíduos, a natureza e a manifestação de seus pensamentos, enfim, temos que “ver” e “experimentar” com a ótica da Razão e da Moral, procurando, de forma mais sensível e concreta, captar atitudes e atos voluntários e involuntários presentes na vida de cada criatura.

Termos que penetrar fundo nas mentes, avaliar e interpretar sentimentos, emoções e paixões, sem nos envolvermos de forma particular com a nossa própria experiência de vida, é tarefa quase sobrenatural. A isso nos propusemos neste despretensioso livro, acreditando poder colaborar para o deleite, o progresso e a evolução de nossos leitores, procurando oferecer-lhes, em cada parágrafo, um ponto de apoio para reflexão e meditação sobre os temas tratados.

Os sentimentos, no seu sentido mais amplo, constituem o conjunto das qualidades morais do indivíduo. Embora o autor não pretenda adotar um esquema rígido de classificação dos sentimentos, podemos agrupá-los em simples e complexos. Os simples são diretos e independentes, tais como, a alegria, o ódio, a dor. Já os complexos são de natureza mais emotiva e são comumente conhecidos como emoções, tais como a esperança, o ciúme, a saudade. As emoções resultam de reações mentais das criaturas em resposta a uma situação inesperada provocada por outras pessoas, modificando o estado afetivo de uma forma penosa ou agradável, conforme a emoção estimulada. Quando os sentimentos ou as emoções são levados a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão, estaremos lidando com as paixões, como no caso do amor, na sua concepção meramente materialista. Nesta obra, trataremos tanto dos sentimentos positivos como dos negativos, realçando os seus efeitos na conduta e nas atitudes das pessoas. Estas constituem uma forma de ação consciente, inconsciente e emocional, resultante ou não de uma provocação. O leitor encontrará um tema especial sob o título “A Atitude”. Além disso, dada a sua importância na vida espiritual dos seres, foram incluídos os principais temas voltados aos atributos espirituais.

Como pode ser observado, o título Reflexões sobre os sentimentos sugere um conjunto de temas que levarão o leitor à reflexão criadora. Lembramos que a palavra emoções é usada aqui de forma genérica e abrangente. Algumas emoções, dada a sua importância, serão apresentadas independentemente de seus contrários, como amor e ódio, mas outras, devido às sutilezas de entrelaçamento, serão tratadas conjuntamente num mesmo contexto, como esperança e desesperança.

No desenvolvimento deste livro, foram tomados como fundamentais os princípios cristãos e espiritualistas mais essenciais, já que a criatura, desde o seu nascimento até a morte, possui todos os recursos espirituais e mentais de que precisa para o seu desenvolvimento e evolução. Alguns desses recursos são:

 

        1) A faculdade do pensamento, que é tudo na vida da criatura.

        2) A faculdade da vontade, para pôr o pensamento e o livre-arbítrio em ação.

        3) A faculdade do livre-arbítrio, que é a liberdade de pensar e agir livremente.

        4) A faculdade do raciocínio, que analisa o que é moralmente certo ou errado.

        5) A consciência, que censura, critica e aprova ou não as ações empreendidas.

        6) A reunião do pensamento com a vontade para criar e recriar o que desejar.

        7) A percepção criadora para poder compreender a vida em sua real totalidade.

        8) A intuição para perceber que a vida não termina com a morte do corpo físico.

        9) A autodisciplina para ser comedido e bem cumprir os princípios cristãos.

 

Assim, o autor acredita que os fundamentos desses princípios poderão servir de ponto de apoio para todos aqueles que se dedicarem a pensar e refletir sobre os temas dos sentimentos, das emoções e das paixões aqui apresentados.

Este livro pode ser lido de diferentes maneiras, do começo para o fim ou escolhendo o tema que se desejar, aleatoriamente. O importante é criar uma relação individual com cada tema e seu conteúdo e, dele, tirar as idéias para construir suas próprias reflexões. Os frutos que cada um dos leitores colherá da reflexão e meditação suscitadas em cada um dos temas tratados compensarão, de longe, os esforços do autor, cuja única motivação é poder abrir novos horizontes para uma melhor compreensão de si mesmo e de seus semelhantes pelos caminhos da Vida.

Possa este livro despertar em cada um dos leitores o hábito salutar do raciocínio e da meditação e o autor sentirá que seu esforço não foi em vão.


PARTE I

SENTIMENTOS POSITIVOS

 

A alegria

        O homem, quando nasce, recebe toda a bagagem espiritual e genética de que precisa para organizar e desfrutar a sua vida com alegria e relativa felicidade. Tanto mais é assim quanto mais corretamente agirmos, usando o nosso livre-arbítrio para o bem.

        Mas, o que é ser feliz?

        Ser feliz é sobrepujar as incertezas da vida e, no dizer de José da Silva Martins, em seu livro Sabedoria e felicidade: “ultrapassar as inquietudes e angústias, transformando-as em felicidade” [MARTINS, 1990, p. 303].

        As lamentações e lamúrias a que muitas pessoas se dedicam são fontes contrárias à felicidade; já a alegria de viver nos leva à felicidade. Marco Aurélio disse: “Não devo lamentar-me, eu que jamais lamentei quem quer que fosse” [MARTINS, 1990, p. 306]. Portanto, para sermos felizes é preciso pugnarmos e elevarmo-nos pelo cumprimento de nossos deveres. Assim procedendo, veremos que o império da alegria nos purificará e se tornará nosso reino.

        Fazendo o bem, nossa felicidade aumenta e, com ela, nossa liberdade; ao contrário, nas correntes do mal, nossas ações tornar-se-ão limitadas e, com elas, nossa liberdade restará diminuída. Assim, a felicidade precisa ser exercitada todos os dias, a cada momento, pensando no presente e no futuro e esquecendo o passado, se este foi triste.

        É preciso não se deixar enganar, pensando que a felicidade se revela apenas nos arroubos da alegria; os verdadeiros sábios parecem disfarçar sua felicidade em austera serenidade, da qual emana uma irreversível felicidade, que toca a todos que com eles convivem ou se aproximam.

        É de Rabelais esta frase: “Ri, ri, porque o riso é próprio do homem” [MARTINS, 1990, p. 307]. Aliás, é sabido que o homem é o único animal que ri e nisto está parte de sua superioridade no mundo animal.

        Para conservar a felicidade é preciso que evitemos a ociosidade, que é a mãe de todos os males. Para isso, nosso tempo deve ser dedicado às ações e tarefas concretas e que nos dêem prazer. Veja estas linhas de Ella Wilbur Wilcox: “Adorai a vida que tendes. Buscai algo que valha a pena fazer enquanto fordes trabalhando para melhorar vossas condições e aspirar à felicidade que almejais. Rejubilai-vos com alguma coisa todos os dias, porque o cérebro ganha hábitos e não podeis ensiná-lo de repente a ser feliz se lhe permitirdes ser infeliz” [MARTINS, 1990, p. 307].

        É um erro pensar que a felicidade só é possível com o isolamento, na meditação ou que se necessita de um guru para alcançá-la. Muito ao contrário, a felicidade não viceja no isolamento; é preciso haver o contato benéfico e harmonioso com todos que nos rodeiam, para que ela se torne possível, real.

        A felicidade não se procura, não se busca, ela advém naturalmente da prática do Bem, com fundamento no amor universal, com o desejo ardente de trabalhar não só para si, mas também, para toda a família humana, para nossos irmãos, nesta jornada terrena. É isso o que nos ensinou Aristóteles: “A felicidade consiste em fazer o Bem” [MARTINS, 1990, p. 308]. Em outras palavras: há uma relação de causa e efeito recíproca entre o trabalho do corpo e do espírito com a saúde: corpo são e mente sã são necessários para nos proporcionar alegria e contentamento, sentimentos estes que acompanham a felicidade. Portanto, para sermos felizes o lema é saber tornar os outros melhores e mais felizes que nós próprios.

        Mas, a melhor forma que temos para alcançar felicidade está na bondade que praticamos para com os nossos semelhantes. Ela retorna, realimentando esse processo. Outra forma de ser feliz é cumprir rigorosamente com os nossos deveres. A consciência do dever cumprido consagra em nossa alma uma doce alegria, que reflete diretamente em nosso semblante, contagiando, positivamente, as pessoas com quem convivemos.

        Krishnamurti nos dá uma lição: “Nunca permita sentir-se triste ou deprimido. A depressão é negativa, porque ela contamina outras pessoas, torna suas vidas mais difíceis, o que você não tem o direito de fazer. Portanto, se a tristeza o atingir, livre-se dela imediatamente” [MARTINS, 1990, p. 309]. Encarar a vida negativamente é debater-se sem cessar nas trevas da noite, deprimindo o corpo, esvaindo a saúde e gerando toda espécie de doença.

        O segredo é viver em harmonia com tudo o que existe, com amor e abnegação, dedicando-se ao serviço da humanidade e à felicidade de nossos semelhantes; com certeza a alegria e a felicidade serão os nossos baluartes.

        José da Silva Martins escreveu: “A felicidade e a verdade são plantas da vida moral mais do que da vida intelectual. Uma verdade só existe a partir do momento em que ela modifica, purifica e enobrece qualquer coisa em nossa alma” [MARTINS, 1990, p. 311].

        Aquele que melhor conhece a si mesmo é o mais feliz dos homens e sabe mais profundamente que a felicidade não é inseparável dos sofrimentos e das angústias que o ser humano tem que enfrentar na marcha de sua evolução aqui na Terra. A criatura que é forte e determinada sabe ser infatigável, humana e corajosa. Sabe onde quer chegar e é sempre vencedora no cumprimento de seus deveres. Por isso, goza de relativa felicidade. Esta felicidade não é igual para todos. Cada um tem que adquiri-la por si mesmo e senti-la a seu modo, de acordo com o grau de sua espiritualidade.

        Finalmente, encontramos pessoas que entendem que a felicidade só pode ser alcançada no sacrifício. A resignação e o sacrifício são sentimentos belos, quando empregados para salvar vidas humanas diante de fatos inevitáveis, tais como incêndios, desastres e catástrofes, mas, fora disso, não passam de estupidez humana. Isso ocorre porque certas criaturas acham mais fácil morrer moral e até fisicamente para os outros do que viver para si mesmas. É bom observar, no entanto, que a resignação pode se tornar um refúgio de covardia.

        A felicidade pode tornar-se um hábito pela nossa vontade posta a serviço do bem pelo amor ao bem.

        Enfim, a felicidade é a chave de ouro da vida!

 

O altruísmo

        O altruísmo é um sentimento positivo e nobre em que a criatura direciona as suas energias ou, pelo menos, dedica parte delas em benefício de seus semelhantes, sem nada pedir em troca ou em retribuição. O altruísta pensa no próximo como se fosse ele mesmo e procura ajudá-lo a resolver os seus problemas. O altruísta é um ser prestativo, solidário por excelência. Está sempre disposto a ajudar seus semelhantes, em momentos difíceis para estes, cooperando direta ou indiretamente para o seu bem-estar. Os altruístas são capazes de enfrentar problemas que muitos julgam insolúveis, tomando a iniciativa em muitos movimentos, campanhas ou cruzadas de solidariedade humana.

        Existem pessoas altruístas em todas as camadas sociais, em todos os países do mundo. O verdadeiro altruísta não tem preconceito de raça, de religião ou de partido político. Sua estrutura psíquica está preparada para aceitar as desigualdades sociais, mas principalmente para lutar e vencer todos os obstáculos que acentuam essas desigualdades. Independentemente de sua posição social, o altruísta é generoso, nobre, leal e valente e gosta de dar, de distribuir, com os mais necessitados, parte do que ganha com seu trabalho. Quando o que ganha é pouco para o seu próprio sustento e o de sua família, então, dedica parte de seu tempo e trabalho, o melhor de seus esforços e até de seu lazer para ajudar o próximo em suas dificuldades. Nesses casos, são pessoas simples e humildes, prestativas por excelência, que praticam essas boas ações nos momentos mais difíceis por que passam seus parentes ou seus vizinhos e amigos mais próximos. São chamadas de pessoas de bom coração, verdadeiros missionários anônimos da dor, sempre procurando mitigá-la.

        As criaturas de bom coração estão sempre dispostas a se empenharem em campanhas de ajuda humanitária e normalmente fazem parte da chamada defesa civil, núcleos de pessoas bem intencionadas, organizados para atender e socorrer necessitados em dificuldades nas grandes catástrofes da natureza como inundações, furacões, terremotos, desabamentos ou mesmo nas situações de aflição criadas pelo próprio homem, como nos incêndios, nos grandes desastres aéreos, de trens e de ônibus, nos naufrágios e tantos outros. É nesses episódios que se revelam a coragem, a abnegação e o heroísmo de muitas criaturas anônimas, tantas vezes mostradas em comoventes cenas de televisão que empolgam nossos melhores sentimentos de fé nos verdadeiros valores humanos. Há outros que, em idênticas situações, escolheram esse tipo de vida, engajando-se em profissões voltadas para tal fim, como os soldados do corpo de bombeiros, existentes em quase todas as comunidades e até nas grandes indústrias. Cabe mencionar aqui, também, os salva-vidas que vigiam os banhistas incautos nas praias de todo o mundo e, não raro, se tornam heróis no salvamento de pessoas afogadas.

        Há, ainda, entre as criaturas humildes e de bom coração, aquelas que escolheram como profissão serem enfermeiras. Essas criaturas são prestativas, zelosas e dedicadas, treinadas para praticarem o bem em situações as mais difíceis, lidando com a dor e o sofrimento alheios, às vezes, com recursos exíguos, nos hospitais de todo o mundo. Ajudam os médicos em suas tarefas de salvar vidas ou de remover doenças, mas também, na recuperação pós-operatória. Não poderia deixar de lembrar a atuação dessas criaturas em zonas de conflitos e guerras, quando se torna mais evidente sua coragem e operosidade. Não nos esqueçamos de citar aqui, Ana Néri (1814-1880), natural da Bahia e grande pioneira da enfermagem no Brasil, que atuou em 1865 na Guerra do Paraguai, onde instalou, com seus próprios recursos, uma enfermaria na casa onde passou a morar. Recebeu, por isso, do Governo Brasileiro, as medalhas “Humanitária” e “da Campanha”, sendo então chamada “a mãe dos brasileiros”. Entre os médicos, cumpre destacar a figura de Oswaldo Cruz (1872-1917), médico sanitarista, fundador da medicina experimental brasileira e do Instituto de Manguinhos no Rio de Janeiro, que afrontou a ira da população para erradicar a peste bubônica e a febre amarela, esta última com vacina por ele desenvolvida.

        Uma faceta do altruísmo é a filantropia, cuja prática revela um grande amor pela humanidade e pelas causas justas. É o caso de Diana Spencer, Princesa de Gales, símbolo contemporâneo da generosidade e da filantropia, morta recentemente (31/08/1997) em desastre de automóvel, em Paris. Mais conhecida como Lady Di, foi consagrada por mais de 1 bilhão de pessoas que assistiram às suas exéquias pela televisão, com o nome de Princesa do Povo. Ela levou a fraternidade aos necessitados de cinco continentes. Jamais negou alimento material ou espiritual a quem lhe estendesse a mão e, mais que isso, abriu caminhos em cenários trágicos, confortou mutilados de guerras e flagelados pela fome e pela doença. Como voluntária da Cruz Vermelha Internacional, visitou os campos minados de Angola, Norte da África, em janeiro de l997 e deflagrou uma luta sem tréguas para eliminação das minas terrestres que mutilam, em tempos de paz, 25000 pessoas por ano. A consagração veio em 17/09/1997, três semanas após o seu desenlace, com a assinatura do “Acordo para Eliminação das Minas Terrestres” em Oslo, Noruega.

        Em quase todos os países do mundo, principalmente nos países mais ricos, homens de grande sucesso que venceram na vida, partindo do nada ou do quase nada e fizeram grandes fortunas com seus negócios, fundaram universidades e institutos filantrópicos, doando parte de seus lucros para manutenção dessas instituições. São as chamadas “Fundações” que alocam recursos sem fins lucrativos em Galerias de Arte, Pinacotecas, Bibliotecas, Museus e Organizações Não-Governamentais, estas últimas, principalmente para atuarem em defesa da ecologia e do meio ambiente como é o caso da Greenpeace, que atua em todos os continentes, empregando cerca de 300 pessoas e aplicando verbas da ordem de US$ 160 milhões por ano. Essas organizações e as pessoas que nelas trabalham são verdadeiros abnegados e exemplos de idealismo altruísta, verdadeiros vigilantes e conservacionistas da não-proliferação nuclear e suas radiações cancerígenas, beneficiando toda a humanidade com os seus protestos por todo o mundo. Recebam todas essas criaturas altruístas a admiração e o apoio de cada um dos habitantes deste planeta, pela sua grandeza de espírito e pela sua magnanimidade de propósitos.

        No momento em que estas linhas são escritas (20/09/1997), os jornais noticiam que Ted Turner, o magnata americano da televisão a cabo, acaba de doar US$ 1 bilhão à ONU — Organização das Nações Unidas, a serem aplicados nos próximos dez anos na ajuda a refugiados de guerra, à saúde infantil, ao desarmamento de minas terrestres e aos mais necessitados do mundo inteiro. Devemo-nos rejubilar com tamanho gesto de altruísmo!

 

A amizade

        A amizade é um dos mais nobres sentimentos, só ultrapassada pelo amor. Não se concebe a amizade verdadeira sem sinceridade e confiança. Pela amizade compartilhamos nossos sentimentos, nossos segredos mais íntimos com outra pessoa a quem dedicamos toda a nossa estima, simpatia e consideração. A verdadeira amizade implica em lealdade, acima de qualquer outra exigência. Um leve sinal de desconfiança, deslealdade e traição rompe qualquer amizade e, daí por diante, as relações sinceras não são mais possíveis.

        Cícero, o grande tribuno romano da época do imperador Júlio Cesar, dizia: “A primeira lei da amizade consiste em pedir aos amigos coisas honestas, em fazer por eles coisas honestas. O amigo certo conhece-se nos momentos incertos” [MARTINS, s.d., p. 113]. Honesto aqui tem o sentido amplo de certo, correto, de que não se duvida. Pedir coisas honestas é esperar ouvir a verdade e só a verdade, sem incerteza de espécie alguma. Ainda do mesmo Cícero: “Dentre todas as sociedades, nenhuma é mais nobre, mais estável que os homens de bem unidos pela conformidade e pela amizade” [MARTINS, s.d., p. 113]. Ressalta-se, novamente, a nobreza de sentimentos que deve existir em todas as verdadeiras amizades.

        A amizade pode se revestir de diferentes matizes, isto é, pode ser estudada segundo diferentes pontos de vista. Primeiramente, temos a considerar a amizade com pessoas sinceras: com estas nada temos a temer, pois retribuem um sentimento recíproco de igual intensidade, desinteressado de valores materiais. Em segundo lugar, temos a considerar a amizade com os falsos: esta será sempre vantajosa para eles e, por isso, é preciso ter muito cuidado para aceitar a amizade daqueles que não sendo retos, alardeiam a referida amizade, dizendo por aí, a quase todo mundo, que são amigos de pessoas influentes e até dizem poder nos ajudar. Há, ainda, um terceiro tipo de amizade que embora pareça constante, envolvendo-nos por algum tempo, ao menor sinal de precisarmos de uma ajuda, fogem de nosso convívio: é a amizade dos insinceros e hipócritas, dos simuladores, dos aduladores, dos puxa-sacos. Vide, em outra parte desta obra, o tema “A hipocrisia”.

        Uma grande amizade firma-se no princípio da confiança recíproca e repousa na simpatia e na sinceridade de sentimentos bons entre pessoas de bons sentimentos. Um amigo fiel é um amigo firme, constante e quem o tem possui um grande tesouro. Isso é bem diferente dos companheiros de mesa de bar e dos encontros sociais que, na hora da desgraça, dizem não nos conhecer e até mudam de calçada ou de direção quando nos encontram na rua. Na prosperidade estão sempre do seu lado e, na penúria, fogem até da sua sombra. Ressaltamos, pois, o princípio da reciprocidade, mediante o qual nenhuma qualidade nos proporcionará mais amigos do que nossa disposição para admirar as qualidades dos outros. Só assim poderá haver duplo pólo de harmonização desse nobre sentimento que é a amizade. Graça Aranha dizia: “Quem possui um amigo pode dizer que possui duas almas” [MARTINS, s.d., p. 117], tamanha deve ser a conjunção de sentimentos entre os verdadeiros amigos.

        É preciso, porém, não querer obter demasiados favores de nossos amigos. Se um amigo nosso não nos infligir nenhum desgosto ou ilusão, só por isto já devemos sentir gratidão. Estaremos errando, isto sim, se esperarmos que nossos amigos façam tudo por nós. Esperemos, sim, dos verdadeiros amigos, compreensão, sintonia de sentimentos, uma palavra de consolo nos momentos difíceis.

        Conhece-se um bom amigo pelo olhar, pelo aperto de mão, pelo abraço apertado e comovido que com ele trocamos após longa ausência, indicando que nem o tempo nem as distâncias podem quebrar os verdadeiros laços de amizade. Sendo um sentimento livre e desinteressado, pode até tornar-se mais perfeito e puro que o amor mundano.

        Os amigos sinceros e constantes são muito raros e isso porque vivemos em um mundo de interesses materiais. Os ideais que selam as grandes amizades só se transformam em fraternal abraço ou aperto de mãos calorosas, símbolo da amizade, quando os amigos comungam de igual modo e com a mesma intensidade seus fundamentos e sua essência. Por isso, é preciso falar, comunicar-se, vivenciar experiências comuns, pois não existe nada mais injusto que um amigo que não fala com franqueza. Esta significa um modo mais aberto, transparente, de coração e mente abertos, de entrega, de confidências e, portanto, de plena e irrestrita confiança. Mas é preciso muito cuidado e discrição para não entregar o melhor de seus sentimentos a quem não os merece, o que poderá causar tremendos aborrecimentos, quando não significativas perdas financeiras. Lembre-se que bastam poucos minutos para destruir antigas e boas amizades, quando, em certos casos, não soubermos conter nosso ímpeto de falar confidências e segredos que nos foram confiados por amigos, mesmo quando fazemos isso de boa fé. Cada um de nós conhece muitas situações desagradáveis criadas por não observarmos cuidados mínimos em nosso relacionamento cotidiano, em que verdadeiros amigos foram transformados em implacáveis inimigos. É, portanto, necessário observar que a verdadeira amizade requer uma virtude honesta, conversação franca e aprazível e, obviamente, certa dose de utilidade para ambos.

        Cabem, finalmente, algumas palavras sobre a amizade entre um homem e uma mulher. Aqui, além dos ingredientes essenciais à amizade já tratados, não devemos ignorar a admiração que nasce e floresce um pelo outro. Quando esta virtude ultrapassar ao nosso controle lógico, pode surgir e, freqüentemente surge o amor, que é um sentimento de bem-querer mais forte e intenso que a amizade, por ser muito possessivo. Veja também nesta obra, o tema “O Amor”.

        A amargura e a decepção pelas amizades perdidas foram maravilhosamente retratadas no soneto “OS MEUS AMIGOS” de Camilo Castello Branco, escritor e romancista português do século XIX, que já cego, no final de sua vida, nos legou e que reproduzimos, a seguir [CASTELO BRANCO, 1913, p. 240].

 

“OS MEUS AMIGOS

 

Amigos cento e dez e talvez mais

Eu já contei!. Vaidades que eu sentia!

Pensei que sobre a terra não havia

Mais ditoso mortal entre os mortais.

 

Amigos cento e dez, tão serviçais,

Tão zelosos das leis da cortesia,

Que eu, já farto de os ver, me escapulia,

Às suas curvaturas vertebrais.

 

Um dia adoeci profundamente,

Ceguei. Dos cento e dez houve um somente

Que não desfez os laços quase rotos.

 

 

Que vamos nós (diziam) lá fazer?

Se ele está cego não nos pode ver...

Que cento e nove impávidos marotos!”

(O Conselho d’Estarreja, 17-10-1901)

 

O amor

        Antes de considerarmos o amor em seus diversos aspectos, faz-se mister constatarmos que a palavra amor tem um sentido muito amplo em todas as línguas; daí, prestar-se a interpretações extremas, levando a grande maioria dos seres a utilizarem-na fora do seu sentido mais puro e mais nobre. A despeito de o ser humano, desde remotas eras, ter desenvolvido a linguagem, primeiro na forma falada e só muito mais tarde na forma escrita, para se libertar do seu isolamento e poder comunicar-se com outras pessoas e permitir que os outros façam o mesmo, muitas vezes falhou neste objetivo, praticamente em todas as culturas. A linguagem utiliza as palavras para planejar e organizar a sabedoria (cultura) do passado, mas acima de tudo o ser humano aprendeu a usar as palavras para pensar, sentir, criar e comunicar-se, transformando as idéias em palavras e ações e os sentimentos em atitudes em face de si mesmo e dos seus semelhantes. Nunca imaginou, porém, que poderia tornar-se escravo das palavras. E isso porque, tal é o poder das palavras que elas, muitas vezes, são confundidas com a própria coisa, como se fosse o próprio objeto, materializando-se nele. Isto acontece não só com relação aos objetos, mas principalmente com relação aos sentimentos. Daí, ser difícil nos livrarmos de muitos “rótulos” e “clichês” que entronizaram o amor em todas as sociedades modernas, banalizando-o de tal forma a se ajustar aos muitos e diferentes gostos, quase sempre relacionados com a satisfação dos mais diversos prazeres mundanos, geralmente de natureza instintiva e dominadora, englobando a “posse do objeto do amor”.

        Não devemos encarar o amor como uma necessidade material, pois isto é o que o verdadeiro amor não é, conforme veremos mais adiante neste tema. Não se trata de uma necessidade de posse, de possuir alguém ou alguma coisa. Nós não possuímos nada, tudo nos é dado, emprestado ou mesmo conseguido a duras penas para bem usarmos durante a nossa passagem pela Terra, servindo à evolução do espírito e aqui ficando após a nossa partida. É comum empobrecermos o sentido da palavra amor quando nos referimos a certos hábitos materiais e, até mesmo, a hábitos culinários, cujo sentido de apoio deveria ser o paladar. Ouvimos por ai dizerem: “eu amo comer chocolate”, “eu amo tomar sorvete”, “eu amo pescar”, etc. Isto não é amar. Trata-se, isto sim, de expressar preferências ou de dizer que isto ou aquilo nos satisfaz, como vivência meramente material, onde o uso do verbo “gostar” seria suficiente. Mas, jamais expressará de forma profunda o que realmente é o amor. Portanto, temos que nos afastar dessa idéia enganosa que tanto banaliza e que tanto deturpa o sentido da palavra amor.

        Algumas pessoas podem entender o amor como um sacrifício ou uma dependência. Muitos outros pensam no amor como um relacionamento entre homem e mulher numa referência ao amor sexual, usando inclusive a expressão “fazer amor”. Poucos consideram o amor como um puro sentimento espiritual. Daí, depararmo-nos com diferentes visões ou entendimentos (não tipos) e, dentro destes, com diversas gradações sobre o que seja o amor. Assim, para um homem puro e esclarecido o amor é um constante e permanente estado de consciência voltada para o bem geral; para o poeta, o amor é uma visão exagerada de alegria e desilusão; já o filósofo, que tudo racionaliza, tem uma visão detalhada, minuciosa, mas obscura do amor. A verdade é que o amor não se encaixa em nenhuma dessas visões isoladamente, mas está contido em todas ao mesmo tempo. É certo, também, que não existem “tipos” de amor. O amor é simplesmente o amor. Por isso, cada pessoa expressa o que sabe sobre o amor, em diferentes graus ou intensidades. Mesmo para um determinado indivíduo, o seu conceito de amor evolui, de forma bem diferenciada, em cada estágio de sua vida, desde a infância até a velhice, mas de forma crescente.

        Longe de nós pretendermos defender aqui uma tese sobre o amor, porque estamos diante de um tema que jamais se esgotará, mesmo porque este não é o objetivo de nossa despretensiosa obra, nem aqui existe espaço para isto. Vamos, no entanto, procurar tratar de alguns de seus diferentes aspectos, não só frente a uma visão espiritualista, como também, sob o ponto de vista mundano, através do amor materialista, bem como do amor romântico. É o que faremos nas linhas a seguir, na ordem indicada.

 

1. Visão espiritualista do amor

 

        No sentido puramente espiritualista, preferimos reforçar a palavra amor com o qualificativo “verdadeiro”, sempre que necessário, por ser responsável, sábio e nobre, para fugirmos do amplo espectro de outros significados que esta palavra abrange, conforme explicamos acima. Nós sabemos que tudo na vida é o resultado de um longo aprendizado e depende de nosso empenho em compreender porque temos que conviver em harmonia com os nossos semelhantes, com outras pessoas. Também o amor não foge às regras do aprendizado humano, embora o verdadeiro amor não aceite condicionantes, é espontâneo, é uma força que se desdobra da própria espiritualidade das criaturas, mas, como tudo na vida, precisa ser bem direcionado pelo livre-arbítrio para o bem da humanidade em geral, mesmo quando, por falta de uma visão mais ampla da vida, agimos por sentimentalismo. Que seja, pelo menos, um sentimentalismo puro!

        O amor é um atributo do espírito e está, portanto, inserido em todos os seres, na forma de uma virtude nata, de uma qualidade nobre, mas que precisa ser vivenciado com pleno respeito a idêntico sentimento existente em nossos semelhantes, de modo a não se tornar, em ambos, uma força destrutiva, com objetivos meramente instintivos. Na medida em que o ser “cresce” em espiritualidade, o sentimento do amor também crescerá em proporção direta com ela, sobrepujando os instintos, que visam meramente à satisfação dos prazeres materiais de nossos sentidos físicos. Como seres humanos que somos, seres inteligentes, devemos estar bem cônscios dessa enorme diferença e não nos deixarmos levar pelas aparências enganosas de nossos sentidos físicos.

        Se cada um de nós não se sente satisfeito com o que entende ser o amor, então devemos aprender o verdadeiro sentido do amor. Como? Através de uma constante mudança de atitudes para podermos “crescer” internamente. Esta expressão “crescer internamente”, muito usada por falta de conhecimento de muitos e comodismo de outros sobre o que seja a evolução do espírito, significa, de fato, crescer espiritualmente, desenvolver os atributos espirituais, visando ao aperfeiçoamento. Esse é o ponto chave, essencial mesmo, para a mudança, para criarmos em nós mesmos um novo panorama, um novo paradigma.

        O amor é o mais puro, o mais perfeito, o mais nobre dos sentimentos. A máxima cristã nos conclama: “Amai-vos uns aos outros como a si mesmo”. Jesus, o Cristo, nos legou esta preciosa mensagem não como um mero jogo de palavras ou de intenções, mas como expressão de grandeza espiritual. A verdadeira compreensão do amor tem que ser espontânea, flexível, libertária e justa, de acordo com o grau de espiritualidade de cada um. Este princípio cristão respalda-se no amor próprio e sugere que a criatura só pode amar de fato a outrem se souber, primeiro, amar a si própria. Ninguém pode dar o que não tem e, em se tratando do amor, isto é mais verdade ainda, porque o amor é um constante dar e receber, sem exigências, sem segundas intenções de qualquer espécie. Ou melhor, no verdadeiro amor, não se dá coisa alguma, mas compartilha-se este sentimento na forma e na intensidade que cada um puder senti-lo na intimidade mais profunda de seu ser, o que vale dizer, da sua espiritualidade. Na verdade, esta máxima é um axioma da lei da atração e repulsão ou de causa e efeito aplicada a este sentimento, que constitui, espiritualmente falando, a principal meta da evolução espiritual, de nossas trajetórias evolutivas nas numerosas encarnações por que passamos, pois o amor está no ápice de todos os demais sentimentos virtuosos. Tudo visa a aprender bem-querer aos nossos semelhantes, a nossos familiares e à humanidade em geral. Enquanto não lapidarmos este sentimento ao máximo não estaremos preparados para prosseguir nossa evolução em planos superiores, onde o sentimento de amor, fraternidade e solidariedade se entrelaçam como se fossem um só. Se nós nos deixarmos impulsionar nesta direção, haveremos de criar um novo panorama, um novo paradigma em relação ao amor.

        Um dos mais importantes aspectos associados com o sentimento do amor é o sentimento de abnegação. A criatura recebe influências de toda parte, vive num mar de influências. As pessoas captam as influências que, no seu entender, melhor lhes aproveitem, de acordo com sua percepção do ambiente, das coisas da vida e dos fenômenos que as cercam. As crianças não fogem a essas influências, através do ambiente criado pelos pais, que têm a obrigação de lhes transmitir uma adequada educação moral e, as escolas, a educação formal. Os pais precisam saber avaliar e corrigir os possíveis conflitos que podem ocorrer e freqüentemente ocorrem entre um e outro ambiente, procurando evitar que seus filhos venham tornar-se robotizados por más influências captadas aqui e acolá. Com esta atenção constante, evitam que seus filhos percam parte de suas personalidades, por influência de companheiros menos preparados moralmente e venham desajustar-se de um ambiente de carinho e amor responsável que lhes dedicam com toda a compreensão e abnegação. Lembrem-se as mães que mimar uma criança não é amá-la de verdade. Isto pode ser tendência de proteção ou até mesmo de posse, que pode levar a uma concepção errada e obsessiva do que seja o amor materno. Mas, também, devemos enaltecer a mãe que proporciona, com desenvoltura e carinho derivado do seu espírito de abnegação, tantos gestos de amor nas pequeninas coisas que faz no seu dia-a-dia, como, por exemplo, preocupar-se e atender, com imensa paciência, a necessidade de alívio de uma criança que está chorando noite adentro por ter molhado a fralda ou por sentir dor de ouvido.

        Um aspecto importante sempre associado com o verdadeiro amor é a espontaneidade. Ela está contida na essência do amor e é preciso acreditar nisto. Demonstre-o de forma espontânea, franca, moral, leal e sincera. Se outra ou outras pessoas estiverem afinadas com essa idéia fundamental, então ela(s) começa(m) a entender o que é a empatia — esta maravilhosa vibração, este sentimento elevado que consiste em querer ser o outro, estar em seu lugar, completá-lo, integrá-lo, como se fossem apenas um. Estaremos, então, sabendo o que é vibrar em uníssono, conjuntamente, harmonicamente. Compreenderemos o que é acordar de manhã e sentirmo-nos imensamente felizes, alegres, bem dispostos para a vida. Simplesmente, procure ser você mesmo, não force nada. Deixe o amor fluir com espontaneidade, sem se deixar enredar pelas artimanhas do amor material, cuja essência é a idéia da “posse do objeto amado”, que escraviza a ambos — aquele que ama e o que é amado. Passe a dar valor ao que tem valor e deixe de dar valor ao que não tem valor — os objetos, a matéria trabalhada, formatada para satisfazer necessidades meramente terrenas. Uma das coisas mais difíceis neste mundo é sermos como as outras pessoas gostariam que fôssemos. A questão é cada um se convencer de que é o que realmente pensa e não o que os outros pensam que você é. Mas, lembre-se que “ser” não é ser ofensivo, ostensivo, egocêntrico; “ser”, de fato, é reconhecer-se como uma individualidade única, porque não existe outra pessoa igual a você.

        Vale notar, ainda, que o amor não é competição, nem sobrevivência, nem precisa ser perfeito para sermos felizes, já que a perfeição não é própria deste mundo. Se tudo fosse perfeito não precisaríamos fazer mais nada ou, então, as criaturas sentiriam medo de fazer alguma coisa por não poderem fazê-la perfeita e isto paralisaria a evolução, mola mestra da vida na Terra. Voltamos a insistir: tudo está sempre dinamicamente em equilíbrio, mas em contínua mudança e a perfeição absoluta não existe neste mundo Terra.

        Gosto de pensar na seguinte situação: se cada um de nós tivermos uma moeda, eu lhe der a minha e você me der a sua, cada um de nós ficamos com uma moeda; se, porém, cada um de nós tivermos uma idéia, eu lhe der a minha e você me der a sua, cada um de nós ficamos com duas idéias. No primeiro caso, temos um bem material; no segundo, estamos lidando com um valor imaterial. Se substituirmos a palavra “idéia” pela palavra “amor”, nós temos uma situação semelhante, e isto com qualquer outro sentimento, levando-nos ao entendimento do que seja “compartilhar”, bem diferente do significado oferecido pela palavra “dar”. Então, ao compartilhar o meu sentimento de amor com alguém, eu não o perco, não me empobreço; ao contrário, eu me enriqueço, eu me engrandeço. Valorizando o meu conhecimento desse elevado sentimento, eu “cresço internamente”, ganho pontos em minha espiritualidade. Portanto, vemos que o amor visa compartilhar a grande diversidade de idéias altruísticas e sentimentos elevados de modo não egoístico, não egocêntrico, de forma natural, sabendo que ninguém pode nos tirar aquilo que possuímos de maior valia, que são os valores e atributos espirituais, em que o amor está no ápice da pirâmide dos valores virtuosos.

        Gosto, também, de pensar no significado das seguintes palavras: o que pensamos é menos do que sabemos; o que sabemos é menos do que amamos; o que amamos é muito menos do que existe; e, até esse ponto, somos muito menos do que deveríamos ser. Parece um jogo de palavras, mas não é. É muito profundo e serve a muitas reflexões, principalmente para percebermos que todo o nosso potencial está, ainda, por ser explorado e, isto inclui, certamente, o nosso entendimento do que seja o amor. Estas palavras revelam-nos que somos únicos, que temos uma individualidade ou personalidade a desenvolver e, nessa caminhada, o amor deve ser incluído como um dos principais objetivos de nossa busca eterna. Então, devemos nos compenetrar de que temos (somos) um “eu”, uma individualidade própria em evolução, e isso é verdade para cada um dos seres humanos. Daí, a necessidade de respeitarmos cada criatura, amando-a como se amássemos a nós mesmos, embora sabendo que ninguém pode ser ou estar no lugar do outro, o que vale dizer que o “eu espiritual” é único, diferente em cada um de nós. Diferente, por que? A diferença está no grau de espiritualidade, não como um dom nem como um privilégio, mas como mérito oriundo de valores adquiridos, cada um à sua vez, ao longo de suas trajetórias evolutivas, vivenciadas em numerosas encarnações. Estas vivências se somam e reaparecem, em cada encarnação, na forma de tendências que se revelam ao longo de nossa vida, e isso não podemos mudar, pois trata-se do determinismo universal, que, juntamente com o livre-arbítrio da criatura, moldam-lhe a individualidade. Estes são os fatores essenciais de tudo o que somos, sentimos e amamos. Por isso, é nosso dever estimularmos todas as pessoas com quem nos relacionamos a se preocuparem com o real sentido da vida, que não decorre, sabemos muito bem, de nossos limitados sentidos físicos que o amor terreno pretende enaltecer.

        Precisamos aprender a amar a contínua maravilha de estarmos vivos, reconhecer que existe alegria e beleza em tudo que nos cerca. Olhemos as árvores, as flores, os lírios do campo, as rosas, os pássaros, o rosto das pessoas e observemos que não existem coisas iguais; existem coisas parecidas, nunca iguais. A água que corre num rio agora nunca será a mesma, nunca houve o mesmo pôr de sol duas vezes, nunca vivemos dois dias iguais em nossa vida. Tudo está em contínua mudança a todo o tempo. A verdadeira beleza está nesta imensa diversidade de formas e cores, nestas minudências, nestas pequenas maravilhas. Tudo isso para dizermos que o amor se encontra por toda parte, é só querer vê-lo e senti-lo em toda a sua profundidade e pujança. A isto chamamos dar valor à vida, observar e compreender o seu verdadeiro sentido.

        Então, precisamos nos compenetrar de que, para alcançar o verdadeiro amor, devemos praticá-lo, mesmo nos menores atos do nosso dia-a-dia, compreendendo os nossos semelhantes e suas necessidades, sendo fraternos com nossos amigos, com as pessoas de nossa convivência, familiares ou não. Enfim, devemos ser prestimosos, solidários e, sobretudo, respeitosos com a independência que cada um deve ter sobre suas idéias, pensamentos, sentimentos e atitudes face às circunstâncias do mundo Terra.

 

2. Visão materialista do amor

 

        Não vamos nos estender muito sobre o amor materialista, mesmo porque este impera, de forma flagrante, por toda a nossa sociedade. A mídia falada e escrita e o cinema exaltam-no e expõem-no de todas as formas, de maneira ostensiva, abusiva e até repugnante aos bons costumes. O recato e a intimidade deixaram de existir; daí, assistirmos, de forma passiva, aos abusos de toda natureza que se cometem em nome do amor. Por isso, desejamos, apenas, destacar alguns aspectos de sua diferenciação marcante com a visão espiritual do amor, incluindo o amor fantasioso dos grandes escritores e poetas de todos os tempos.

        No amor materialista, o fulcro da questão está na “posse do objeto amado” e, portanto, no egocentrismo. Deixa de haver o desprendimento e a espontaneidade, traços marcantes do amor espiritual. Então, as criaturas procuram o desfrute, o gozo e os prazeres da vida, sem nenhum ou quase nenhum sentido de compartilhamento, espontaneidade e responsabilidade. Tudo vale, desde que proporcione prazer. Aqui os sentimentos associados são o egoísmo, o orgulho, a desconfiança, o ciúme, a competição desonrosa, a ambição desmedida, os desregramentos sexuais, a luxúria, enfim. Daí porque muitos amores se transformam em verdadeiras paixões, de natureza doentia, geradas pela insegurança, desfazendo-se naturalmente por falta de conteúdo e de respaldo moral. Há, ainda, as anomalias enfermiças e doentias dos masoquistas, sadomasoquistas e psicopatas de toda espécie dos quais não cuidaremos neste tema, por serem objeto da moderna psiquiatria e da psicanálise.

        Sabemos, também, que algumas satisfações emocionais são tão necessárias como certas sensações de natureza física, como a fome, a sede, a falta de abrigo etc. Entre as primeiras destacamos a frustração, o isolamento e a ansiedade, emoções que, quando não satisfeitas, podem causar até maior dano que uma simples privação física transitória, levando muitas criaturas ao estresse e até mesmo à obsessão. Dentre as muitas necessidades psicológicas básicas próprias do mundo físico, relacionados com o amor terreno, destacamos a de ser visto, reconhecido, apreciado, escutado e acariciado pelo nosso semelhante, principalmente pela criatura do sexo oposto. Mas, numa família bem formada, numa sociedade mentalmente sã, o sexo responsável é natural e necessário para promover a comunhão das criaturas e a continuidade das gerações futuras. Então, precisamos aprender a trilhar este caminho, aprender com responsabilidade o que precisa ser aprendido, pois o amor reconhece todas aquelas necessidades, para que possamos olhar para ver, ouvir para escutar, tocar para acariciar.

        Se você ama uma pessoa você olha para ela com olhos de ver, já que pelo sentido da visão recebemos 80% a 90% das informações que processamos, e procura nela perceber idêntico afeto. Já a necessidade de ser ouvido nos leva a lembrar que uma vibração sonora não se transforma em som, até que seja ouvido, traduzido e interpretado pela nossa mente. Devemos não só ouvir o que deve ser escutado, mas também, procurarmos não descartar a parte que não nos convém, isto é, devemos abrir a nossa alma para entender o outro. E assim também, com relação aos outros sentidos físicos, pois o amor ouve, o amor escuta, o amor fala, o amor toca, o amor acaricia. Parodiando René Descartes, o grande filósofo francês que instituiu o racionalismo filosófico e científico, com a frase “Penso, logo existo”, poderíamos dizer, com base no materialismo, a frase “Toco, logo existo”, para significar que o sentido do tato é muito importante para o amor terreno. Mas também, não devemos olhar, mesmo o amor material, como sendo somente sexo, embora o poder do desejo sexual seja, de fato, muito forte nas criaturas. Para que não haja repressão íntima dos sentidos, que tantos males causa, levando tantas criaturas ao divã dos psicanalistas, precisamos aprender a controlar nossos desejos malsãos mediante o bom uso de nossa vontade, tudo encarando como natural, espontâneo e dentro das regras de uma sociedade moralmente sadia, para evitar o amor puramente animalesco.

 

3. Visão romÂntica do amor

 

        Muitos escritores, romancistas e a grande maioria dos poetas enaltecem o amor de forma fantasiosa, imaginosa e requintada, constituindo um grande repertório da literatura mundial de todos os tempos e de todos os povos. Se a intenção for boa, nada há a condenar em tais arroubos, trazendo grande deleite às criaturas românticas e cultas. Porém, há nos poetas e filósofos muita ambigüidade sobre o que seja o amor. É o que veremos nos parágrafos seguintes, a título de exemplo, inclusive com algumas citações.

        O amor é criança que dorme com toda a sua pureza e acorda cheia de vida. É pássaro que canta ainda de madrugada, anunciando a nova aurora cheia de graça. É o perfume de uma flor a nos inebriar os sentidos. A natureza inteira é Amor.

        O amor é um sentimento tão profundo em sua essência que quem se dedicar a estudá-lo nunca deixará de ser um eterno aprendiz. Ele ilumina nossa vida de tal forma que, uma vez conhecido em toda a sua grandeza, não se pode mais passar sem ele, integrando de forma definitiva a essência de nosso ser. E, como uma luz nas trevas, alumiará nossos caminhos pela vida afora. É o tesouro da vida, morando no mais profundo de nosso ser e quem pretender defini-lo com clareza certamente passará por tolo.

        O amor é um hino ao Criador. Através do amor podemos compreendê-lo melhor em toda a sua pureza e plenitude. Cantemos este hino em todos os momentos de nossa vida através de nossas boas ações. O amor é próprio do Criador: dele emana, a ele retorna. Ama ao Criador quem ama todas as coisas, todos os seres viventes que percorrem os caminhos da evolução até chegar a Ele. Portanto, façamos do amor a nossa estrela-guia de cada dia.

        O amor é a própria razão da vida. É a sua base, a sua essência, o propósito mesmo de nossa existência. Somente através dele chegaremos a conhecer a nós mesmos e a compreendermos a razão do mundo e da vida.

        É preciso não confundir amor com prazeres mundanos: nestes impera o desejo, naquele governa a comunhão espiritual que transmite o amor puro e verdadeiro.

        O amor feminino reconcilia as grandes dores por que passa a mulher, transformando-as em vibrações de amor. La Fontaine dizia: “Amai, amai, que tudo mais é nada!” [MARTINS, s.d., p. 120]

        O grande filósofo de nossos tempos, Krishnamurti, disse: “Estar em comunhão é amar. Não havendo amor não se pode apagar o passado. Amai e o tempo deixa de existir. A vida é a imortalidade do amor. No amor não existem “tu” nem “eu”” [MARTINS, s.d., p. 119]. E eu completo: no amor “somos”.

        O amor consagra quem o pratica e enche de benesses quem o recebe. Mas, e o amor recíproco, correspondido? Existe também, embora muito mais raro. Mas ele leva a uma consagração dupla, porque mútua. Esta consagração é a verdadeira comunhão.

        E como amar de verdade? No dizer de Machado de Assis está a resposta: “Cada qual sabe amar a seu modo, o modo pouco importa. O essencial é que saiba amar.” Só a escola da vida ensina-nos a amar. Ainda de Machado de Assis: “Amar e ser amado é, neste mundo, a tarefa melhor de nossa espécie tão cheia de outras que não valem nada.” [MARTINS, s.d., p. 121].

        Viver no amor, com amor e pelo amor é um dos maiores desafios da vida!

        É do inigualável escritor luso Luiz de Camões, o seguinte soneto extraído de uma de suas obras, onde o poeta procura mostrar os paradoxos e as contradições do Amor. Diante destas contradições só resta ao poeta a indagação final, sem resposta plausível. Este soneto é famoso por ser, também, um prenúncio do movimento barroco [PASSONI, s.d.m p. 19].

 

        “Amor é fogo que arde sem se ver;

        É ferida que dói e não se sente;

        É um contentamento descontente;

        É dor que desatina sem doer;

        É um não querer mais que bem querer;

        É solitário andar por entre gente;

        É nunca contentar-se de contente;

        É cuidar que se ganha em se perder.

        É querer estar preso por vontade;

        É servir a quem vence, o vencedor;

        É ter com quem nos mata lealdade.

        Mas como causar pode seu favor

        Nos corações humanos a amizade,

        Se tão contrário a si é o mesmo Amor?”

 

        Finalmente concluímos: o amor é como o aroma de uma rosa, que não basta senti-la; é preciso vê-la e tocá-la para possuí-la por inteiro.

 

 

A atitude

        A atitude perante a vida é a nossa disposição de poder influenciar os nossos pensamentos e os nossos atos, conforme é apresentado nesta obra sob o tema “O livre-arbÍtrio”. Da convicção de que nosso pensamento e nossa saúde ampliam ou restringem nossas possibilidades perante a vida, nasce nossa atitude com a sua marca característica para cada criatura. A atitude que assumirmos dirá em que direção iremos e os resultados que colheremos. Uma atitude correta e positiva influencia, de acordo com nossos desejos, os fatos, as nossas ações e as pessoas que nos cercam.

        O papel do pensamento é fundamental na adoção de uma atitude correta. Ele traça os limites de nossas possibilidades. A criatura será aquilo que o seu pensamento determinar, desde que ponha em ação uma forte força de vontade para realizá-lo. É o pensamento que eleva ou detém a ascensão da criatura na escala social. Quem adotar uma atitude modesta, humilde, sem muito esforço, só fazendo o que os outros lhe dizem para fazer, seu alcance não vai muito além do seu nariz. Ao contrário, quem se dispuser a lutar com denodo, com muita garra, traçando metas bem definidas, colocando otimismo e entusiasmo em toda e qualquer tarefa que vier realizar, por mais simples que seja, alcançará, sem dúvida alguma, resultados satisfatórios que, por um processo de reativação e reafirmação da vontade, o levará sempre a progredir materialmente e a avançar espiritualmente. Esta é a base da boa luta que levará a criatura a aumentar o seu poder de iniciativa, de comando e de liderança. O dinheiro que vier ganhar é uma conseqüência, um prêmio a mais, de que ela deverá fazer bom uso.

        Quanto à saúde, esta depende também de nossos pensamentos, de nossa higiene física e mental. Um grande número de doenças é de natureza espiritual, deflagradas pelo mau uso do pensamento e do livre-arbítrio. Tais doenças são somatizadas, isto é, inseridas, impressas e incubadas no corpo da criatura, localizando-se ou se dispersando pelo organismo. Um exemplo típico é o estresse, causado pelo excesso de trabalho realizado sob o impulso de excesso de compromissos assumidos pela criatura, definido pela alta ansiedade que dela toma posse. Outra causa bastante comum de doença psicossomática está nos vícios de qualquer tipo que a criatura adquiriu. Mas não trataremos do aspecto saúde aqui, já que foge à natureza intrínseca do presente tema. Foi apenas mencionada para mostrar que ela influi direta e reciprocamente nos resultados, já que afeta a própria base de nossas atitudes.

        Não tome uma atitude sob ameaça ou constrangimento que possa, automaticamente, colocar as pessoas com quem temos de tratar de negócios ou mesmo de qualquer assunto em guarda ou em posição de defesa, criando uma atmosfera negativa, pessimista, que certamente bloqueará a obtenção de bons resultados.

        Todos os que vivem em sociedade, principalmente nas grandes cidades, em que as pessoas mal se conhecem, mesmo no seu ambiente de trabalho, deverão adotar uma boa postura e uma atitude correta e, dependendo do seu cargo, é conveniente apresentarem-se esmeradamente vestidos com trajes adequados, barba sempre raspada, cabelo bem penteado, mas, tudo sem afetação. Estes cuidados infundirão atitude respeitosa aos demais, sejam seus superiores ou seus subordinados, já que percebem que sua postura é positiva, e o efeito causado é de respeito absoluto. Não estou dizendo que a roupa faz o homem, mas ajuda bastante no trato social. Mas é preciso muito cuidado para não cair no ridículo e parecer cafona, já que a roupa tem que ser adequada ao ambiente e seguir as regras da etiqueta social. O segredo aqui chama-se comedimento, nada de exageros.

        De outro lado, é preciso não parecer bom demais nem pretensioso. A vaidade e a soberba são sentimentos funestos que levam as pessoas a se afastarem da criatura que ostenta esses sentimentos. Ninguém gosta de ser amigo ou de colaborar com uma criatura “metida”, orgulhosa, que anda sempre de nariz em pé. É preciso, sim, ser humilde, mas não deixar-se humilhar. Colocado de uma forma um tanto poética, podemos dizer que o mundo é um espelho no qual refletimos nossos pensamentos e nossas ações: se sorrirmos, ele nos sorrirá; se nos apresentarmos de cara fechada e de mau humor, ele nos fará carranca. Em outras palavras, recebemos aquilo que formos capazes de dar. Esta é a forma de assumirmos sempre uma atitude ativa, positiva. Ninguém melhor do que Dale Carnegie ensinou a difundir isso em seus conhecidíssimos livros Como fazer amigos e influenciar pessoas [CARNEGIE, 1970] e Como evitar preocupações e começar a viver [CARNEGIE, 1972].

        Se a criatura quiser submeter os acontecimentos à sua vontade, é preciso, em primeiro lugar, dominar a si mesmo e, em segundo lugar, colocar-se em harmonia com o mundo, isto é, com os nossos semelhantes, com as leis universais, que são naturais e imutáveis. Disso, tratamos no tema “A Harmonia”, apresentado nesta obra.

        A pessoa quando nasce traz em estado embrionário todos os recursos de que precisa para bem cumprir sua trajetória evolutiva neste mundo. Parte desses recursos está impressa no código genético e a outra parte, a mais importante, deriva da força de seu espírito que, através do pensamento, da vontade e do livre-arbítrio, as três alavancas poderosas da criatura, manifesta o seu verdadeiro “eu”, ou seja, o conjunto de qualidades e dons necessários aos embates na luta pela vida. Tudo o que é preciso para vencer os obstáculos e travar a boa luta pela vida através do trabalho honrado e digno é se compenetrar dessas verdades: lembrar-se sempre de seu influxo ancestral (hereditariedade ou herança genética) e das vibrações do pensamento, força de vontade e livre-arbítrio. Este, quando mal dirigido, atrai o mal; ao contrário, quando usado para fazer o bem, atrai forças positivas que fazem a criatura evoluir cada vez mais e vencer com galhardia todos os problemas que a afetam. Basta querer e manifestar esses dons, basta exercitá-los na forma apropriada para que logo surjam como forças soberanas a influenciar o sucesso de nossos atos.

        Devemos ser repetitivos sim, quando a repetição nos leva a consolidar em nossa mente o valor desses dons, que todos temos, não é privilégio de ninguém. Mas aquele que usa esses dons naturais de forma apropriada e toma a atitude de quem de fato sabe que os possui, e os torna conscientes em cada momento do seu viver, ganhará, pelo menos, metade das lutas pela vida, antes mesmo de se desencadearem os problemas e, pelo raciocínio e o bom uso que vier fazer do livre-arbítrio, ganhará a outra metade. Em outras palavras, a criatura que assim proceder estará dotada de tranqüilidade e serena certeza de vencer todas as dificuldades que se lhe antepõem. Estará, finalmente, assumindo a atitude de um ser livre, sem antolhos, que caminha de cabeça erguida, que sabe qual é o seu verdadeiro papel na vida, procedendo sempre de acordo com sua consciência, liberto das sugestões maléficas e livre das influências negativas de toda sorte de que o nosso ambiente terreno está repleto. Saberá não dar ouvidos a boatos e mexericos, não dispensando atenção a falsos amigos ou pessoas interesseiras, que só querem ver a desgraça e a infelicidade alheia. Não se exasperará nunca, será benevolente, grato às boas ajudas que vier receber, receptivo às boas idéias, indiferente ou desapegado das coisas materiais, trabalhará com afinco e sempre satisfeito, saberá afastar a ansiedade e o estresse de seu caminho. Enfim, saberá viver de acordo com os preceitos cristãos e será, de fato, um homem.

        Resta-nos dizer algumas poucas palavras sobre a atitude perante o trabalho. Dedique-se ao trabalho com amor, satisfação e denodo, pois nenhum poder humano poderá dar tanto alívio em troca, qualquer que seja a profissão ou por mais penoso que ele seja. O trabalho é uma poderosa alavanca para o progresso, e enobrece o homem. Lembre-se do ditado popular: “A ociosidade é a mãe de todos os males”. Quando não trabalhar por conta própria, a criatura deve cuidar de manter o seu emprego, usando o máximo de sua competência, carinho e empenho na realização das tarefas que lhe couber.

Portanto, manter uma atitude sempre positiva e otimista é um dever de todos aqueles que desejarem ser bem sucedidos em tudo o que vierem fazer na vida.

 

A bondade

        Fazer o Bem sem olhar a quem, eis o ditado popular que constitui um dos mandamentos da Moral cristã e, portanto, daqueles que são bons.

        Praticam a bondade todos aqueles que respeitando a si próprios, respeitam seus semelhantes.

        Estas duas máximas são complemento uma da outra. As pessoas são boas e nascem boas em sua essência: a má educação e a luta pela sobrevivência, disputando muitas vezes as necessidades mais imediatas, é que levam muitos a tornarem-se maus, empregando a violência para realizarem seus desejos e ambições. Outras vezes, as criaturas afastam-se do caminho do Bem pela ambição, desenvolvida para a ganância de bens materiais, pela obtenção desmedida de riquezas, ou mesmo pela desenfreada luta pelo poder político, social ou religioso, colocando suas ambições acima do bem comum.

        Quando praticada com extremo empenho e dedicação, a bondade pode assumir a forma de caridade, entendida como tal toda a forma de bondade que leva as pessoas a distribuírem bens materiais ou se dedicarem aos mais necessitados, aos que têm fome, aos miseráveis e até mesmo àqueles que tudo perderam em catástrofes e calamidades. Mas é preciso também saber que, em certos casos, a caridade pode retardar a reação do indivíduo que está passando por necessidades; por isso, a moderação pode ser a melhor virtude a nos aconselhar a não praticar a caridade em excesso. É bom notar que, quem pratica a bondade ou a caridade com o objetivo de obter prestígio ou alcançar aplausos da sociedade ou da mídia certamente não faz caridade, porque está tentando obter vantagens ou reconhecimento.

        São de Benjamin Constant estas palavras: “Viver pelos outros, viver em todos e em cada um, como sentimos os nossos semelhantes viverem em nós mesmos, eis o verdadeiro destino dos homens” [MARTINS, s.d., p. 138].

        Uma boa ação praticada com altruísmo, de forma pura, discreta, sem segundas intenções, produz um confortante prazer na criatura. É, possivelmente, a única ação que pode e deve ser feita às escondidas ou mesmo na calada da noite.

        O Bem e a Bondade triunfarão sempre, embora temporariamente, o império do Mal possa parecer tomar-lhes a dianteira. Mas, o Mal logo tropeça em suas próprias armadilhas, nas dores e sofrimentos que causa, nos tormentos que cria e no remorso que cedo ou tarde advém de sua prática.

        Tampouco nos devemos envergonhar de praticar o Bem por indicação alheia, pois assim abrimos nossos corações aos bons conselheiros.

        Muitas são as formas de Bondade: ela é visível nas mães que aconselham os filhos, no transeunte que ajuda um deficiente físico a atravessar uma rua de muito trânsito, na professorinha que, com carinho e dedicação, ensina as primeiras letras a seus alunos e, em tantos e numerosos outros exemplos de nosso cotidiano.

        A Bondade desarma os homens que, com sua agressividade, pretendem a ela se opor; se fosse levada a sério entre os homens, as nações e seus governantes muito diminuiria a desigualdade entre os povos e, as guerras, em curto prazo, desapareceriam da face da Terra.

        Disse o Marquês de Maricá: “A bondade é sempre feliz e oportuna quando a prudência a dirige e a recomenda” [MARTINS, s.d., p. 148].

        Parece haver uma retroalimentação na prática das boas ações, que consiste em induzir e estimular as pessoas a praticarem outras maiores e melhores. Este processo é uma avenida de duas direções que leva as pessoas boas a dividirem com os necessitados parte de sua vitalidade e sua boa fortuna. Sófocles, o antigo filósofo grego, já dizia: “A coisa mais bela consiste em ser útil ao próximo” [MARTINS, s.d., p. 151]. Ou, na palavra de Thoreau, “A mais nobre missão do ser humano é prestar ajuda ao seu semelhante por todos os meios ao seu alcance” [MARTINS, s.d., p. 151].

        Os verdadeiros cristãos, aqueles que colocam o seu livre-arbítrio a serviço do Bem, nunca prejudicando ninguém, praticam a Bondade e trazem a paz consigo mesmos, no seu íntimo, em todas as ações de suas vidas.

        Felizes os que semeiam o Bem!

 

A confiança

        A confiança é um sentimento positivo e própria das criaturas fortes e firmes em seu modo de pensar e agir. Ela deriva diretamente do conhecimento, da convicção e da energia que nunca faltam àqueles que agem com lógica, bom senso, probidade e integridade espiritual.

        Devemos considerar sob este tema dois aspectos da confiança, a saber: a confiança em si mesmo ou autoconfiança e, de uma maneira mais ampla, a confiança que inspiramos ao nosso semelhante, vista em nós sob o ponto de vista deste.

 

1. A autoconfiança

 

        A autoconfiança é uma força muito grande que impulsiona a criatura a enfrentar desafios com uma força de vontade e talento imbatíveis. Os valores espirituais, no seu conjunto, constituem o caráter do ser, uma espécie de marca registrada, de impressão digital espiritual que torna a criatura única no seu modo de agir, no seu comportamento e temperamento. Trata-se enfim, de características interiorizadas e exteriorizáveis que exprimem a real conduta de cada um de nós.

        A confiança que depositamos em nós mesmos é função de uma série de fatores, dentre os quais destacamos a fortaleza de espírito, a força de vontade elevada, o alto idealismo, a autodisciplina, as experiências anteriores bem sucedidas, a obstinação, a segurança, a convicção, o entusiasmo e o dom de liderar e comandar outras pessoas.

        A força de vontade, o idealismo e o entusiasmo são tratados em outras partes desta obra. Vamos desdobrar, de maneira sucinta, os demais fatores intervenientes.

        A fortaleza de espírito decorre de nossa natural disposição para enfrentar desafios, vencer obstáculos, encontrar soluções sempre as mais perfeitas possíveis para nossos problemas. A fortaleza de espírito é a convicção, a certeza que o indivíduo tem em si mesmo de que não falhará em suas tarefas e o que lhe permite sempre buscar assumir maiores responsabilidades perante si mesmo, no lar e na sociedade. É ela que induz uma causação circular progressiva que acaba por realimentar a confiança e a nossa capacidade de prontidão, tema já tratado em outra parte desta obra. Pela prontidão, nós damos resposta imediata às nossas decisões para a solução dos problemas, não deixando para amanhã o que pode ser feito hoje. O cumprimento fiel e reiterado deste lema é essencial, é fundamental para garantir os efeitos imediatos e positivos da ação das criaturas em qualquer atividade humana.

        As experiências anteriores bem sucedidas reconduzem o nosso esforço no sentido de pensar e fazer melhor aquilo que já fizemos antes. Isto alarga e concentra o nosso discernimento, a nossa acuidade mental para fazer sempre escolhas acertadas, ajuda a marcar a diretriz de nossas decisões sem sombra de dúvida, sem medo de errar. Ou seja, com as experiências anteriores formamos um cabedal que nos ajuda a reduzir a probabilidade de erros e falhas.

        Pelo idealismo nós nos amparamos em idéias bem concebidas e maduras, planejadas com lógica e bom senso, procurando afastar todos os fatores adversos. Com ele, nós formatamos o perfil ideal que garantirá o sucesso de nossos projetos, tendo uma visão bem clara deles antes de executá-los, submetendo-os a uma depuração prévia para diminuir os riscos da empreitada. Com isso, fechamos a corrente que nos conduzirá com entusiasmo ao sucesso. Veja também, nesta obra o tema “O entusiasmo”.

        A autodisciplina se orienta no sentido de exigir o controle firme e seguro da vontade para que essa possa atuar de acordo com certos princípios rígidos de respeito que assumimos conosco mesmo. Principalmente os princípios que implicam em sinceridade, moralidade e justiça. São valores a preservar a qualquer custo, a realçar acima de quaisquer outros como os de caráter financeiro, por exemplo. Pela auto-disciplina reforçamos a verdadeira crença em nosso próprio poder, pois quem crê em si não se impressiona com a falta de recursos, com a influência de certos meios, com a crítica fácil e graciosa de certas pessoas que não enxergam um palmo adiante do nariz. Com empenho e esforço nada deterá a criatura, e sua autodisciplina se tornará cada vez mais forte e determinada. Devemos ser rígidos nos princípios, determinados nas decisões e flexíveis no uso dos recursos durante a execução.

        A obstinação é a insistência, a persistência com que executamos nossos projetos. Este sentimento é tão forte que contamina a todos de forma a acabarem por adotar os nossos pontos de vista. Ela transmite uma certeza tão grande, portentosa mesmo, que recebemos a adesão até mesmo da mais renitente das criaturas, quebrando a oposição, granjeando admiração. Este dom nos leva a comandar em qualquer situação, com satisfação de nossos comandados, nele se destacando a nossa capacidade de liderar. A liderança é um comando aceito sem resistência, não imposto, de adesão espontânea aos nossos propósitos.

        A segurança é uma conseqüência, o resultado certo de tudo aquilo que fazemos seguindo os princípios e fatores já mencionados. Ela é a eliminação quase completa do risco, já que a confiança nos leva a trabalhar “com risco calculado”, com a prudência previsível. É preciso dizer que a falibilidade humana é própria deste mundo e da imperfeição humana, principalmente quando se procura realizar o melhor, o superior, o mais perfeito. Mas se riscarmos do nosso dicionário, na faina diária, a palavra fracasso e o conteúdo que ela encerra de negativo, venceremos sempre, apresentando resultados ou produtos da mais alta confiabilidade.

 

2. A confiança induzida

 

        A confiança que inspiramos aos nossos semelhantes é o reflexo natural da nossa autoconfiança. Ela resulta do reconhecimento alheio espontâneo ao nosso comportamento insuspeito, probo, digno, honrado. Granjeamos confiança porque cumprimos com a nossa palavra, honramos nossos compromissos como devedores financeiros ou pela palavra empenhada nos atos mais simples de nossa vida de relação como, por exemplo, nos encontros com hora marcada.

        Recebemos confiança porque respeitamos os nossos semelhantes, porque sabemos ouvir o que têm a dizer, porque não os apoquentamos com ninharias ou tolices de qualquer tipo, porque oferecemos ajuda nas ocasiões difíceis, porque não nos deixamos assaltar por incertezas ou tibieza, porque mantemos a calma e a paciência nos momentos mais difíceis e de desentendimentos, porque nos mantemos equilibrados, porque nunca lhes faltamos quando nos pedem um bom conselho.

        Oferecendo de boa vontade orientação quando nos pedem, dentro de nossa experiência de vida ou de nossa especialização na profissão que escolhemos, oferecendo um ombro amigo para abrirem seus corações, estaremos criando outra condição muito especial, muito poderosa, conhecida por empatia. Esta tem o poder de aproximar pessoas de sentimentos semelhantes, que comungam do mesmo ideal, sendo a base das grandes amizades. A iniciativa das pessoas no sentido de uma ajudar a outra, unindo-as por um sentimento de fraternidade, é o fruto maior e mais saboroso que a confiança entre duas ou mais pessoas poderá esperar.

        A confiança, no seu sentido mais amplo, está presente em todas as atividades humanas. Temos de ter confiança no motorista do ônibus, no piloto de uma aeronave, no maquinista de um trem. Temos de ter confiança no mercado financeiro e nos banqueiros que têm o dever de zelar pelo nosso dinheiro. Temos que contar com a confiança dos homens de negócio, dos empreendedores, dos industriais e dos comerciantes que garantem a qualidade dos produtos que compramos e proporcionam empregos a milhões e milhões de criaturas, graças ao seu espírito de iniciativa e boas ambições.

        Enfim, sem a confiança, imperando a desconfiança, o mundo seria insuportável e o progresso humano e a evolução espiritual teriam um ritmo desalentador. Não haveria crédito, só descrédito. Os negócios e as transações não se realizariam e o esforço seria enorme para sairmos do caos e do pandemônio que se instalaria neste planeta.

 

A coragem

        A coragem é um sentimento muito forte que precisa ser cultivado por aqueles que têm fortaleza de espírito. A maior coragem consiste em enfrentar as responsabilidades que toda criatura tem para consigo mesma e com terceiros durante toda a sua vida. É, portanto, um sentimento nobre e para consegui-lo é preciso saber dominar nossas fraquezas e temores.

        Não encontramos a coragem só nos heróis, isto é, naqueles que nos campos de batalha são intrépidos e agem com bravura e ousadia, vencendo o inimigo seja a que custo for. Não é preciso enfrentar desafetos ou provocar brigas para demonstrar coragem, isto é, a coragem não significa só ir às vias de fato e vencer o seu contendor.

        A verdadeira coragem implica em encarar as privações e o sacrifício, em expor-se a sérios perigos para conseguir o que é mais meritório e valioso. Aqueles que são levados pelas circunstâncias a enfrentar a adversidade sem perder o entusiasmo e prosseguir em sua missão, qualquer que ela seja, sem esmorecimento, lutando com persistência, com paciência e sublime compreensão até alcançarem seus objetivos, são os corajosos anônimos de que o mundo está cheio de exemplos.

        O verdadeiro heroísmo, que resulta da grandeza dos atos de coragem, brilha pelo seu conteúdo de abnegação, generosidade e espírito de sacrifício. É preciso distinguir o corajoso do exibicionista; este precisa de um cenário armado para se portar como tal e aquele, ao contrário, pratica uma coragem desprendida e sem exteriorizações.

        Não se pode louvar o herói que espera a recompensa do elogio, já que a coragem deste dificilmente poderá ter impulsos construtivos e generosos, que brotam do próprio espírito, cuja vontade realmente soberana entrega-se de “moto próprio” às realizações altruísticas e de grande beleza em sua essência. Somente aqueles que possuírem um espírito bastante generoso são capazes de grandes sacrifícios, incondicionalmente praticados em prol de seus semelhantes. Nesses casos, até mesmo gestos que possam parecer insignificantes, podem produzir resultados inesperados e de grande efeito.

        Vemos, pois, que os sentimentos de coragem, arrojo e heroísmo estão intimamente interligados. Maior e mais eficiente será o nosso trabalho quanto mais atuarem estas virtudes para produzi-lo de forma a beneficiar nossos semelhantes. Viveremos assim com menos temores e inquietações, podendo dedicar maior empenho e maior gosto às ações de maior relevo e aos empreendimentos de maior significado espiritual.

        Essas qualidades não devem ser usadas somente para as grandes ocasiões; servem também para podermos suportar nossos próprios erros, para superar nossas próprias dificuldades e propiciar melhor entendimento com os nossos semelhantes. Não raro, essas e outras grandes virtudes sobressaem-se quando dedicadas a pequenas causas. Por exemplo, sem desmerecer a coragem para salvar alguém que esteja se afogando ou devorado pelas chamas de um incêndio, há também coragem para se esforçar e procurar evitar uma provocação ou uma frase ferina e insultuosa dirigida a outra pessoa.

 

A criatividade

        A criatividade é um atributo ou predicado do espírito da mais alta valia para a criatura e também para o progresso material da humanidade. Criatividade, conforme o próprio nome o diz, é o poder de criar. Pertence à mesma raiz, à mesma etimologia, a palavra Criador, para indicar, para sugerir e significar a Força Criadora, a Inteligência Universal ou Deus, para usar a palavra preferida por quase todas as religiões. No sentido prático, criatividade é o ato de fazer qualquer coisa de modo diferente do que era feito antes, desde que mais fácil, mais útil e preferivelmente, mais econômico. Criar é dar existência a alguma coisa que nos interessa, é tirar algo do nada ou do quase nada, dar origem a algo útil, enfim, é inventar, descobrir o novo. Criatividade tem, portanto, o mesmo sentido que inventividade. Milhares e milhares de livros e artigos têm sido escritos sobre criatividade, mas este tema tem apenas o intuito de enfocar seus fundamentos e importância para o progresso humano.

        A criatividade tem seus fundamentos na intuição, na experiência, nas necessidades. A intuição, também chamada por inspiração por muitos inventores e pesquisadores, desempenha um papel fundamental nesta cadeia de eventos. A intuição é uma força de natureza espiritual que direciona a mente da criatura para a solução mais imediata dos desafios, minimizando as tentativas e os erros, economizando tempo e dinheiro para atingir o alvo ou o objetivo com mais acerto e precisão. É pela intuição que é canalizado o “fluxo” das idéias para a solução dos problemas. Para usá-la com eficácia é preciso ter a mente calma, concentração nos problemas a resolver e harmonia com as Forças Universais Superiores, procurando atingir uma sintonia precisa com as mesmas, ainda que inconscientemente ou de forma imperceptível à criatura. Parece complicado, mas não é. As idéias fluem em lampejos, rápidas e diretas. Só é preciso ter sensibilidade para captá-las e pô-las em prática, sem perda de tempo.

        A parte prática da criatividade não prescinde da experiência. Esta é mãe de todos os erros e a predecessora de todos os acertos. Erra-se com a experiência, que por sua vez nos leva aos acertos. Observe o desenvolvimento de uma criança que, desde que nasceu, aprende com o método das tentativas e erros, única forma de achar o caminho para o seu aprendizado. Nessa determinação, inata na criatura de sempre experimentar, está a origem da persistência, que nada mais é do que sempre tentar, tentar sempre enfrentando riscos, perdendo o medo, esta grande barreira à evolução humana. É preciso se imbuir, se dar conta de que a experiência é um dos pilares da vida terrena. Vivenciando experiências, observando e experimentando com moderação as necessidades que a vida nos impõe, lutando para vencer os desejos malsãos, fazendo perguntas, procurando respostas racionais para os problemas estaremos criando condições de pautar a nossa vida no caminho do reto viver.

        As necessidades, o terceiro ingrediente, provêm da observação. A criatividade também não prescinde da observação que, por sua vez, deriva da curiosidade. Observação e curiosidade andam de mãos dadas no processo criativo. A criatura criativa vale-se da intuição, observação e curiosidade, sempre à procura de idéias para trabalhá-las e testá-las pela experimentação. A criatura criativa está sempre procurando ir além das rotinas e superar obstáculos, explorando novos rumos, novas rotas. Ela sabe, ainda que intuitivamente, o que é uma estrutura de decisão, como examinar alternativas e como selecionar o que parece ser a escolha mais interessante para a solução de seu problema. E o sucesso vem, porque persiste e porque pensa só no que está fazendo, afastando toda a distração que atravessar o seu caminho no momento da criação. Veja também nesta obra os temas “A curiosidade” e “A concentração”, importantes para entender completamente como se processam os mecanismos que intervêm na criatividade.

        Às vezes pensamos muito em determinado problema e não encontramos solução imediata para ele. Esta pode vir a qualquer momento após deixarmos a mente descansar, através de “insights” ou lampejos, em qualquer lugar que estejamos: no banheiro, no chuveiro, andando, guiando o carro, enfim, quando menos se espera. Isto porque a mente continua trabalhando as idéias, inconscientemente, recebendo intuições e fazendo associações entre as idéias e a experiência já adquiridas e registradas em nossa memória. Parecemos perdidos, absortos em nossos pensamentos, mas estes não param nunca, a não ser quando dormimos. De repente, lá vem a solução que procurávamos para o problema. E então, é comum exclamarmos: “Como é que não tinha pensado nisso antes!” Isto parece confirmar que toda criatura é criativa, bastando colocar o seu potencial espiritual em ação.

        A criatividade é um processo superior de evolução em que as forças interiores da criatura são propositadamente dirigidas para a solução dos problemas que enfrentam de uma forma mais direta que os rotineiros, que sempre fazem tudo da mesma maneira, escravizados que estão às rotinas da vida. A criatividade, dessa forma, de uma maneira mais ampla e abrangente, é essencial para se ter uma vida mais vibrante. Basta ter interesse, procurar caminhos, fazer escolhas e testá-las.

        A criatura verdadeiramente criativa não deve ter medo de cometer erros nem de trabalhar com pessoas mais inteligentes que ela própria, algumas até tidas como excêntricas ou mesmo “malucas”, dadas ao hábito de sonhar acordadas. Aliás, em muitos casos, após árduo trabalho na busca de uma solução, o sono e os sonhos podem apontar e têm apontado pistas e soluções quase inacreditáveis que resolvem o problema procurado. Encontramos a criatividade em toda parte e todas as pessoas, em maior ou menor grau, possuem criatividade para avançar em determinada área mas não em outra, ou seja, ninguém é bom em tudo. Einstein era um músico medíocre, mas foi um gênio da matemática e da física. É preciso pois, procurar em que campo e em que ramo do conhecimento humano a pessoa tem habilidades e aptidões para se desenvolver nela.

        Foi a criatividade que levou Thomaz Alva Edison a desenvolver mais de 2000 inventos, destacando-se entre eles a invenção da lâmpada elétrica. Este inventor foi um “self-made-man”, um autodidata que não possuía nenhum diploma universitário. Perguntado como se tornara um gênio da invenção, respondia: “com 90% de trabalho e 10% de inspiração”. Palavras bem acertadas, porque seu sucesso fundamentava-se no método das tentativas e erros, na experimentação persistente e paciente. Para se ter uma idéia da sua persistência, menciona-se que para descobrir o material ideal para o filamento da sua lâmpada teve que testar mais de 1000 materiais até chegar ao tungstênio. Este foi um exemplo de trabalho isolado, como o foi o de Louis Pasteur no campo da medicina. Esse tipo de trabalho seria quase impossível hoje, substituído que foi por grandes equipes de pesquisadores em laboratórios sofisticadíssimos, conforme mencionaremos mais adiante. É óbvio que o trabalho em grupo, em equipe, desenvolve-se com maior rapidez graças à cooperação e à confiança que surgem entre os membros dos grupos de pesquisadores.

        A criatividade, quando exercida em grupo mediante técnicas apropriadas, planejadas e orientadas por pessoas dotadas de espírito criador, de poder interpessoal, que têm habilidade de lidar não só com problemas mas também com pessoas, conduz a resultados surpreendentes. Milhares de organizações de pesquisa em todo o mundo, em todos os ramos do saber humano, empregam grupos de pesquisadores com conhecimentos e inteligências específicas, dirigidas a determinadas especializações para descobrirem novas invenções, novos produtos, novas máquinas maravilhosas. Estas equipes de cientistas e técnicos trabalham solidariamente, por profissão. As organizações recebem bilhões de dólares de recursos por ano da própria empresa, de fundações filantrópicas ou do governo. Por isso, a ciência e a tecnologia têm avançado a passos largos, muitas vezes, infelizmente, é preciso que se diga, para tornarem mais ricas e poderosas algumas nações do planeta, concentrando cada vez mais, nas mãos de poucos, a riqueza da Terra que deveria pertencer e beneficiar a todos os habitantes de todas as nações.

        Apesar dos interesses e das ambições materialistas de algumas nações que, possuindo 5% a 10% da população, utilizam mais de 50% dos recursos minerais e energéticos do planeta, há alguns campos da ciência e da tecnologia que têm se difundido mais que outros. É o caso da medicina, da agricultura e da biotecnologia, a despeito de certas barreiras impostas pelas patentes e direitos de propriedade intelectual. O progresso da medicina, principalmente da medicina reparatória, tem sido simplesmente fantástico, onde a criatividade não está encontrando limites. A revolução da biotecnologia está apenas começando, abrindo novas fronteiras do conhecimento sobre a genética, com o projeto genoma, com participação internacional. Esses conhecimentos vão influenciar o tratamento do câncer e de outras doenças genéticas, além de contribuir para a pesquisa sobre o envelhecimento celular e a capacidade de prolongar a vida. Está em marcha a modificação de organismos para produzir substâncias úteis para a medicina. Com a técnica da clonagem, virão as modificações genéticas em animais, que contribuirão para mais eficaz transplante de órgãos. Na agricultura, os progressos não têm sido menos surpreendentes. Novas e melhores culturas estão sendo praticadas com maiores e melhores colheitas por hectare plantado, o que vale dizer maior produtividade. Tudo isso devido à criatividade que permeia e se difunde entre os laboratórios de todo o mundo.

        Não estaria completo este tema se não abordássemos, ainda que de relance, a área de comunicações e informática e seus inter-relacionamentos. Estas tecnologias estão na vanguarda do conhecimento humano, permitindo a sua rápida e até instantânea difusão às entidades e institutos de pesquisas envolvidos através de redes de comunicação mundial, como a internet e as intranets. Com esses recursos, os pesquisadores nem precisam se deslocar de um país para outro, estando a todo tempo em contato uns com os outros, através de teleconferências, com o que se ganha tempo para enfrentar muitos desafios com eficácia.

 

A curiosidade

        A curiosidade é uma faculdade do espírito, pela qual as criaturas desenvolvem os sentidos e a acuidade mental num processo que consiste em pesquisar o meio ambiente e desvendar os seus segredos, para melhor adaptar-se às exigências da vida. Através dela, as criaturas descobrem também os perigos que as cercam para poder evitá-los, como acontece durante o desenvolvimento das crianças. É ainda, a curiosidade que leva o ser humano a abrir novos horizontes, rasgando o véu do desconhecido, descobrindo, inventando e desenvolvendo novas maneiras de tornar a vida mais fácil e útil, alavancando o progresso, retirando satisfação do seu trabalho e dando conforto ao corpo e ao espírito. Ser curioso é fazer perguntas, indagar, pesquisar e analisar para obter e realizar o conhecimento, as descobertas e as conquistas as mais notáveis.

        Devemos considerar a curiosidade natural, ampla e irrestrita, peculiar às criaturas em geral, e as curiosidades particulares e específicas de certas profissões, como ocorrem com os cientistas, biólogos, astrônomos e tantos outros. Qualquer que ela seja, varia com a educação recebida na infância, a inteligência, o grau de espiritualidade e as inclinações específicas das criaturas. Nos curtos de espírito ela atua de maneira simples, mas sempre existe. Nas pessoas mais evoluídas, intelectualmente falando, a curiosidade age com muita força, como já citado em outra parte desta obra: nos cientistas em todos os ramos da ciência, trabalhando em grandes grupos ou em equipes nos laboratórios das universidades, dos institutos especializados ou de grandes empresas industriais. Aqui, a curiosidade se manifesta como verdadeira fome ou apetite intelectual através do instinto indagador.

        O instinto indagador já se manifesta desde a mais tenra idade na grande maioria das crianças, através de perguntas insistentes e freqüentes sobre quase tudo que seus sentidos apreendem. Fazem perguntas como: o que é isto?, de onde vem aquilo?, como se chama isso?, por que é assim? e tantas outras que começam com as seis palavras mágicas: o que, quem, quando, onde, por que e como. Procuram assim satisfazer o desejo de saber, de aprender o que é útil, de como se comportar diante das coisas e situações estranhas e com as quais se defrontam pela primeira vez.

        Na criatura curiosa os sentidos estão sempre aguçados, vigilantes, em permanente estado de alerta. Os pais têm o dever de despertar a curiosidade dos filhos, orientando-a para coisas boas que tragam satisfação e utilidade, que induzam ao desenvolvimento intelectual. É preciso dirigir sua atenção para as coisas da natureza e seus fenômenos, seja no reino mineral, vegetal ou animal. Ensinar-lhes a conservar o ambiente natural, a preservar as espécies. Viver em harmonia com a natureza é dever obrigatório no desenvolvimento da criança. Boas escolas e movimentos culturais juvenis estão ajudando, em todo o mundo, a completar a sua educação. Esta é a postura certa e os tipos de estímulos que convêm.

        É preciso lembrar para ter certos cuidados. A curiosidade e o medo correm paralelos na criança, principalmente na infância. Por isso, é preciso não forçar nada, para não ir além dos limites desejáveis. O objetivo deve sempre ser enriquecê-la através da experiência, com conhecimentos úteis. Na primeira infância, até os dois anos de idade, aproveitar o interesse dela pela luz, sons, ruídos e objetos coloridos ou não que se encontram ao seu redor e que lhes causem espanto, transformando o seu aprendizado em satisfação e motivo de alegria e prazer. Nessa fase, é preciso fazê-la perder o medo para se concentrar no que lhe interessa mais, embora tenha-se que ter muito cuidado e atenção quando ela começar a andar e mexer em tudo. O mais importante é nunca recusar atenção à curiosidade infantil, mas estimulá-la ao máximo, sem contudo chegar ao exagero.

        A curiosidade deve ser bem orientada, principalmente quando diz respeito ao sexo. Todas as perguntas devem ser respondidas com naturalidade, sem exageros e sem evasivas, que podem tornar-se perigosas. Muitos desvios de personalidade da criança nascem de posturas impróprias adotadas pelos pais nesta fase. É preciso, pois, muito cuidado nesse relacionamento, onde a confiança, a naturalidade e a sinceridade devem prevalecer.

        A curiosidade se manifesta nos medíocres e nos vulgares quase sempre sob a forma de estupefação. A qualquer novidade, ficam boquiabertos e estupefatos. Satisfazem-se perante seus parentes e amigos em simplesmente poder dizer que viram alguma coisa ou evento, sem saber o seu real sentido, o que representa e qual o seu valor de fato. Exemplos desses tipos o mundo está cheio, como a estupefação que causou quando o homem pisou na Lua pela primeira vez. Muitos até nem acreditaram, tamanha era a ingenuidade de certas pessoas.

        A curiosidade como sentimento propulsor das iniciativas da criatura instiga a argúcia e é fecunda. Através dela os sentidos são aguçados para conhecer a natureza das coisas, o seu valor utilitário, investigando a criatura tudo que redunda em benefício próprio e coletivo. A curiosidade aliada ao raciocínio, que serve para aferir tudo que a criatura consolida como saber e conhecimento, são os atributos de maior alcance para o progresso na sua precípua função de devassar o desconhecido.

        Melhor seria para o progresso da humanidade se as criaturas usassem o poder da curiosidade para orientar os pais sobre o seu verdadeiro papel, mostrando-lhes a grande responsabilidade que lhes cabe na educação dos filhos para o bem das futuras gerações. Daí, ser necessário dirigir a curiosidade para os problemas de ordem superior, orientando-a para práticas sadias e dentro da moral cristã. Para isso, é preciso saber ouvir os palestrantes e estes saberem despertar a curiosidade dos ouvintes para, se possível, atingirem até mesmo os pobres de espírito.

        É fora de dúvida que, em qualquer meio ou cultura, a curiosidade e a inteligência andam de mãos dadas e uma se dispõe em função da outra. Quanto mais inteligente a criatura, mais curiosa é ela e mais sabe despertar a curiosidade dos que lhe seguem com naturalidade e maestria. Não é difícil identificar o curioso nas conversações ou em palestras: há um primeiro grupo em que as pessoas ouvem e demonstram interesse por um ou mais assuntos; num segundo grupo, as pessoas ouvem, perguntam e fazem considerações com ou sem propósitos; no terceiro grupo, as pessoas interrompem a palestra e procuram mudar de assunto e mostram-se impacientes; finalmente, no quarto grupo, só encontramos as que querem ser ouvidas, as que não sabem ouvir e só querem falar. No primeiro grupo e, em menor grau no segundo, encontram-se os curiosos. A incapacidade de ouvir sem interromper demonstra falta de curiosidade, falta de educação e falta de polidez.

        A curiosidade pode, também, ser usada como elemento ou fator de distração e lazer, como em certos jogos para crianças, quebra-cabeças e palavras cruzadas. Os modernos programas de jogos de multimídia para computadores exploram a curiosidade de muitos consumidores de passatempo.

        Finalmente, devemos assinalar que existe a curiosidade mórbida, voltada para as fofocas e devassa da vida alheia. Há criaturas, com estreiteza mental, com comportamentos desprezíveis, totalmente entregues à prática de frivolidades e futilidades que adentram os lares para conhecer sentimentos íntimos, que se preocupam com a miséria e intrigas alheias para comentá-las com outros, numa demonstração inequívoca de mau caráter. Este tipo negativo de curiosidade existe, também, nas colunas sociais e, sob outros aspectos, na espionagem industrial, onde ela se transforma em profissão para obter e revelar segredos industriais a concorrentes de marcas, produtos e processos. A espionagem industrial é condenável através de leis sobre patentes e registro industrial de marcas em quase todos os países do mundo moderno.

 

A dignidade

        A dignidade é um sentimento que requer alto valor moral. É, portanto, uma qualidade espiritual positiva e nobre. Sendo um atributo do bom caráter, o homem digno é encontrado em todas as camadas sociais. A dignidade implica no uso da liberdade com autonomia para poder não se vergar ao domínio e exploração que as criaturas mais bem dotadas, materialmente falando, impõem sobre os pobres, miseráveis e desassistidos. A dignidade soma, integra e inclui engenho e virtude.

        Quem é digno possui firmeza de espírito, é firme em suas opiniões, não se acumplicia com opiniões alheias e até desafiam-na se isto for necessário para salvar a sua. Quem é digno sabe renunciar a qualquer cargo, posição ou bem material quando for chegada a hora, já que nunca trai seus ideais. Onde faltar a dignidade não existirá sentimento de honra. Assim, o homem digno é sempre honrado e jamais será escravo, capacho ou joguete de alguém. Jamais será arrebanhado.

        Não será exagero considerar a coragem como sendo a primeira das eloqüências, pois a coragem integra o caráter. Ambas essas virtudes, coragem e caráter possuem-nas o homem digno que respalda suas ações em direção à perfeição. Os homens dignos sabem refletir quando convém agir; já os fracos agem sem refletir. O mérito das ações que empreendem é medido pelo esforço que requerem e não pelos seus resultados.

        Escreveu José Ingenieros: “Sem coragem não há honra” [INGENIEROS, 1953, p. 157]. A dignidade, que está sempre associada à honra, podemos vê-la na atitude dos sábios e cientistas que procuram abrir as novas fronteiras da ciência; está também, nos moralistas que abrem para si e para os outros os caminhos do Bem; pode ser vista em todas as pessoas de atitudes firmes, para resistirem às tentações e vícios de toda espécie; é encontrada ainda, em gestos extremos, como nos mártires que foram para a fogueira por desmascararem a tirania religiosa e a hipocrisia, ou até naqueles que num gesto extremo, ateiam fogo às suas vestes por não aceitarem a violência e a tirania.

        O homem digno jamais pede o que merece, nem tampouco aceita o imerecido. O homem digno é insubornável, incorruptível. Quando aspira a um cargo, seja nas empresas, seja na política ou no serviço público, não sobe por favoritismo, mas por mérito e pelas suas virtudes.

        O homem digno abomina qualquer favor, só aceita o que pode ser dado por mérito e guarda esse orgulho, o bom orgulho, acima de tudo, conservando-se erguido e incólume. Por isso jamais se rebaixará, preferindo perder um direito a obter um favor.

        Por tomar atitudes assim tão definidas e sem recortes, as criaturas dignas são, na maior parte das vezes, solitárias. Seu recolhimento é quase sempre uma constante, a não ser que possa estar com seus iguais.

        O homem digno é obstinado e leva em consideração não depender de ninguém; procura garantir a sua independência material com trabalho sério e árduo, porque sabe que, perdida esta, sua honra estará exposta às pressões dos poderosos. Por isso procura garantir, com seu trabalho, posição de independência no futuro. Ele luta para fugir da miséria e da pobreza, para poder alcançar um ideal mais elevado, um trabalho menos servil e mais agradável, vencendo com sobranceria os desafios da vida.

        Segundo os estóicos, o segredo da dignidade estava em cada um contentar-se com o que tem, restringindo suas próprias necessidades. Mas esta não é uma boa lição, já que o progresso material pode levar, embora não seja esta a regra, muitos a acumularem fortuna, dela fazendo bom uso em benefício dos necessitados, redimindo-se de uma vida desgastada e que de outra forma se tornaria medíocre e inútil. Muitas fundações e instituições que difundem a cultura e as artes respondem por estas honrosas exceções.

        Em contraposição aos estóicos, preferimos levar a mensagem de que os únicos bens verdadeiros não são os materiais, mas os valores que se consolidam em nossas mentes e em nossos corações, em função das boas ações que viermos praticar usando nosso livre-arbítrio para o bem. Quando estas deixam de existir, nenhum tesouro poderá substituí-las.

José Ingenieros nos transmitiu estas linhas: “Inflexíveis e tenazes, porque trazem no coração uma fé sem dúvidas, uma convicção que não trepida, uma energia indômita que não cede, nem teme coisa alguma, costumam manifestar asperezas urticantes para com os homens amorfos. Em alguns casos podem ser altruístas, ou porque são cristãos, na mais alta acepção do vocábulo, ou porque são profundamente afetivos; apresentam então, um dos caracteres mais sublimes, mais esplendidamente belos que tanto honram a natureza humana. São os santos da honra, os poetas da dignidade. Sendo heróis, perdoam as covardias dos outros; sempre vitoriosos em face de si mesmos, compadecem-se dos que, na batalha da vida, semeiam, feita em pedaços sua própria dignidade. Se a estatística pudesse nos dizer o número dos homens que possuem este caráter, em cada nação, essa cifra bastaria, por si só, melhor do que qualquer outra, para nos indicar o valor moral de um povo” [INGENIEROS, 1953, p. 161].

 

O entusiasmo

        O entusiasmo é a energia que leva as criaturas a um estado de inspiração e otimismo, exaltando-lhes sua capacidade criadora e induzindo nelas o desejo de ser útil a seu semelhante. Essa energia mantém o indivíduo em alto astral, com a vitalidade espiritual virtualmente aumentada. Sem otimismo e entusiasmo, vive-se em baixa pressão, em baixo astral, como se diz na gíria.

        Esta palavra provém do grego e significa “Deus dentro do homem”. É um significado nobre, sublime em si mesmo, em sua essência e está intimamente associada ao otimismo. Ninguém pode derrotar um entusiasta. Sua determinação é invencível. Carregado de impulsos e energias vitais, o entusiasta enfrenta tudo e desconhece a derrota.

        Os otimistas assumem sempre uma atitude positiva sobre todas as coisas belas da vida. São os que melhor compreendem o valor do pensamento positivo e enfrentam todos os tropeços que encontram com galhardia, superando-os. Desconhecem o desespero e o sufoco porque, agindo inteligentemente, com método e disciplina, sabem contrapor-se com maior energia às dificuldades e aos conflitos que se lhes apresentam. No dizer de N. D. Lafuerza, notável educador: “O otimista acende luzes onde quer que se ache; o pessimista apaga as poucas que encontra. Na escuridão tudo parece desarranjado” [LA FUERZA, s.d., p. 55]. Em outras palavras, os otimistas contam sempre com maior poder de fogo, estão armados com os estímulos necessários a atingir seus objetivos, sem caminhar por veredas sem saída.

        O entusiasta caminha sempre de cabeça erguida e aumenta o seu valor diante dos conflitos. Não se detém à beira do caminho, não desiste nunca, persevera sempre, sendo a esperança bem fundada a luz que alumia seu caminho. Nunca se lamenta de nada. Acostumado a usar a razão para decidir sobre os problemas e guiar-lhe os passos, sempre chega onde quer chegar. Esforça-se sempre para resolver seus problemas, investigando e analisando serenamente os fatos. Encara com responsabilidade seus deveres e obrigações e os cumpre todos. Não se desgasta antecipadamente avolumando os problemas que não existem nem se deixa aniquilar quando o peso deles pareça intransponível.

        É inquestionável que o homem tem de lutar, sendo também verdade incontrastável que a criatura encontre satisfação para suas grandes esperanças e necessidades na ação construtora e positiva que vier empreender. Entreguemo-nos, pois, à luta com entusiasmo e otimismo, focalizando nossos objetivos de forma prudente, sensata e racional. Assim procedendo, a vitória será certa, o progresso deixa de ser uma esperança para se tornar realidade tanto no plano material como no plano espiritual.

        Não permita nunca que a chama do entusiasmo se extinga. Não se deixe abater por nada mesmo diante das maiores decepções; antes, faça com que as derrotas e as vicissitudes da vida lhe revigorem o espírito. Em muitas ocasiões, o desânimo virá bater-lhe à porta; não perca a calma nem o vigor de suas convicções, realimente-se com energia redobrada e persista, persista sempre que a vitória será sempre o seu troféu, desde que seus objetivos sejam elevados, sadios e dirigidos para o Bem. Em outras ocasiões, haverá momentos difíceis em que parece estar só; não se deixe então abater ou contaminar-se com pensamentos negativos que estimulam ações negativas. Nessas situações reaja de imediato, induzindo otimismo e entusiasmo em seus pensamentos, de modo a aumentar a sua confiança e poder de visão bem além do horizonte e perceber perspectivas melhores e mais atraentes.

        O entusiasmo proporciona energia a nossos projetos e ações, tornando-os bem sucedidos. Sem o entusiasmo nada de grande, de eficaz, de meritório se realiza. Temos, pois, que ser entusiastas em todas as nossas ações. Façamos todo o nosso trabalho com gosto, satisfação e carinho, inclusive quando tivermos que arcar com serviços difíceis e penosos. Exaltemos, pois, nossa dedicação ao trabalho que é uma poderosa alavanca para o progresso material e evolução espiritual.

        É preciso não confundir “o fogo de palha” com o ardor do entusiasmo. Os entusiastas do primeiro tipo possuem uma pseudo-energia, uma animação fugaz e passageira, enquanto que o verdadeiro entusiasta carrega um entusiasmo ativo, tenaz como o aço, trabalha e age sem desfalecimento.

        Com relação ao otimista cabe notar a diferença que existe entre o otimista “apático”, que não age, mas espera sossegadamente que tudo venha acontecer a seu contento e o otimista “ativo” que reconhece, identifica as oportunidades e luta por elas com entusiasmo, na hora, fazendo acontecer os resultados com seu trabalho fecundo, muitas vezes árduo.

        Só restam umas poucas palavras sobre os pessimistas: estes esgotam suas energias em vãs censuras e recriminações, adotam posições hostis, são insensatos e não se esforçam para que os bons resultados sejam obtidos.

 

A felicidade

        A felicidade é um sentimento nobre e positivo em que a criatura se sente contente e realizada, satisfeita consigo mesma, que entende e aceita os encargos da vida com satisfação e naturalidade. Ser feliz é cumprir os seus deveres com prazer e satisfação, sabendo dar à vida a sua verdadeira dimensão e, portanto, estar de bem com a vida. Ser feliz é reconhecer a sua essência espiritual e vibrar de alegria e contentamento, valorizando e dignificando todos os grandes atributos do espírito em cada momento de sua vida. A felicidade é, portanto, um processo de crescimento e evolução espiritual duradouro, permanente e que consiste em eliminar ou pelo menos lutar e tentar afastar as frustrações de seu caminho. Não é fácil ser feliz, mas é possível, como veremos no desdobrar deste tema.

        Na prática, a felicidade resulta da forma como nós construímos nossa auto-estima ou amor-próprio. Veja o tema “O amor-prÓprio” em outra parte desta obra. A auto-estima é uma imagem de nós mesmos, que criamos mentalmente para caracterizar nossa personalidade, nossa maneira de ser e agir. É a maneira como nos vemos e sentimos no contexto entre as demais criaturas, nossos semelhantes. É a maneira como nos identificamos perante o próximo e perante nós mesmos. Apagar essa imagem leva à decepção e, por um momento, sentimo-nos deprimidos e frustrados. Com o tempo, com nossas vivências ou experiências da vida, vamos aprendendo a redirecionar nossas energias para um caminho mais realista, vamos crescendo espiritualmente e ganhando confiança em nós mesmos. Este é um processo permanente de realização espiritual e adaptação à realidade material.

        Nessa realidade em que a criatura se insere, a pessoa é avaliada segundo três pontos de vista: no seu próprio ponto de vista ela é o que pensa ser; na ótica de seus semelhantes, ela é o que os outros pensam dela; e, na verdadeira essência, ela é o que é, o que deve ser de fato, um espírito encarnado em evolução. Daí resulta toda uma necessidade de adaptação à realidade para não ter que viver atrelada às ilusões e frustrações, e disso tudo extrair a alegria de viver e ser feliz. A felicidade só será possível, então, mediante esse entendimento, essa sabedoria que reside na aceitação de que não somos perfeitos e temos que evoluir para a perfeição. E, como não há evolução sem dores e sofrimentos, compete a cada um esforçar-se para, pelo menos, obter paz e serenidade, e conseguir viver com uma felicidade relativa, já que a felicidade absoluta não é possível neste mundo, porque não há desprendimento nem desapego às coisas e valores materiais nos quais se fixam ilusoriamente os interesses humanos. Pelo fato de a felicidade não admitir comparações, cada um a tem ou a terá no exato limite de sua sabedoria de vida. Não existe felicidade sem espiritualização do ser. Por isso mesmo, não se deve confundir felicidade com lazer ou prazer, do mesmo modo que não se deve confundir sabedoria com conhecimento ou cultura.

        Foi dito, linhas atrás, que a felicidade é um processo de realização espiritual e de adaptação à realidade material. Sendo um processo, ela tem uma duração — princípio, meio e fim. Para que ela ocorra, é preciso afastar toda a frustração e não buscar nenhuma finalidade, nenhum significado especial, a não ser o de procurar sentir o estado de graça que ela proporciona à criatura, uma paz interior muito grande e uma serenidade inexcedível. Mas, a felicidade não é permanente, é efêmera, passageira. Logo vêm os novos problemas que nos tomam toda a atenção e novos cuidados são necessários para enfrentá-los e resolvê-los. Então, caímos de novo na realidade da vida terrena.

        Sem teorizar muito, vamos passar aos aspectos práticos que, dominados pela criatura, poderão fazê-la feliz, embora gozando de uma felicidade relativa. Vamos desdobrar esses aspectos ou pré-requisitos em dez atitudes para a felicidade, sem maior preocupação de manter uma linha divisória entre elas. A palavra atitude é usada aqui com o significado de um esforço interior da criatura para criar seu próprio ambiente de felicidade.

 

        PRIMEIRA ATITUDE: Adapte o conceito de felicidade à sua personalidade

 

        Para poder reconhecer a felicidade em nós é preciso provar, ter passado pelos sentimentos que se lhe contrapõem como a tristeza, a dor, o sofrimento e a melancolia. Embora as criaturas prefiram a alegria, ninguém consegue se livrar por inteiro da dor e do sofrimento. Para tentar anular este efeito, temos que nos esforçar para aumentar o nosso bem-estar, usando os seguintes recursos ou ingredientes básicos:

 

        1) Manter relações de simpatia, empatia, amizade e intimidade com as pessoas.

        2) Selecionar pessoas e amigos e estreitar a confiança recíproca com eles.

        3) Melhorar sempre o sentimento de auto-aceitação, gostando de si mesmo.

        4) Identificar seus padrões pessoais e manter a sua autonomia de pensar e agir.

        5) Não imitar os padrões dos outros: a felicidade não admite comparações.

        6) Criar o seu ambiente, ou seja, o seu pequeno mundo e sentir-se confortável.

        7) Não se isolar e esforçar-se para aumentar o seu crescimento pessoal.

        8) Ser flexível e tolerante, requisitos essenciais para a sua espiritualização.

        9) Ter objetivos na sua vida e lutar pelos seus ideais — isso é a própria felicidade.

 

        É preciso não confundir felicidade com estados de ânimo efêmeros em que a euforia embriaga os sentidos. O bem-estar psicológico repousa em desafios duros que requerem esforço e disciplina, podendo entrar em conflito com a felicidade passageira.

        A felicidade não é uma emoção tão efêmera quantos alguns possam imaginar. Ela é um sentimento tranqüilo e bom que a criatura experimenta quando, enfrentando os embates da vida, vence-os um a um. É, de fato, a percepção da criatura de que possui uma força muito poderosa, capaz de superar tudo e, ao final dos embates, sentir-se feliz.

        Erra aquele que pensa que a felicidade é o oposto da tristeza: o oposto desta é a alegria, a qual nem sempre está associada à felicidade. A felicidade é uma espécie de graça que convocamos para vencer a tristeza. Ela não desaparece nos tempos difíceis, apenas assume outra forma. A busca da felicidade não deve ser uma fuga para longe da dor ou sofrimento; antes, devemos pensar no sofrimento como uma prova de seu grande potencial para atingir a felicidade. Sabemos também, que não se pode sentir alegria sem ter experimentado a tristeza.

 

        SEGUNDA ATITUDE: Não aceite insinuações, nem as suas próprias

 

        Ao redefinir e adaptar os critérios e conceitos de felicidade, assegure-se de que essa definição é mesmo sua, ou seja, a que melhor se ajusta à sua personalidade. Muitas pessoas vivem a nos fazer insinuações, para tomar esta ou aquela decisão, para nos comportar da forma como elas estão acostumadas. Não aceite, sem a devida análise, os conselhos recebidos de terceiros, que muitas vezes não sabem resolver nem os seus próprios problemas. Portanto, rechace e fuja dos “você deve fazer isso ou aquilo”, sugeridos ou insinuados por outras pessoas e até mesmo por amigos. Seja você mesmo.

 

        TERCEIRA ATITUDE: Não tenha medo de ser feliz

 

        Nunca use a infelicidade como desculpa. Há pessoas felizes, mesmo quando provenientes de famílias problemáticas que aprenderam a lidar com suas dificuldades e vencer os seus conflitos. Tais criaturas sabem que são competentes quando enfrentam situações de crise e não têm medo de falhar, mas em situações mais tranqüilas podem não se sentir tão eficazes. Devido à sua incansável coragem, essas pessoas transformam a angústia que poderiam sentir em fonte de conforto e auto-estima.

        Em contraste, há pessoas que sempre viveram sem problemas aparentes e não conseguem ser felizes. Tiveram uma boa educação, bons colégios, muitas facilidades e excessos de liberdade. Mas, provavelmente, não receberam dos pais bons ensinamentos e exemplos edificantes no ambiente familiar. Diante de um contexto tão variado e incerto, a criatura, para se afirmar, não deve ter medo de ser feliz. Precisa, apenas, descobrir um meio, uma forma própria para ser feliz. É recomendável não se assustar, não esmorecer, face à enormidade dos problemas. Procure fazer as coisas em doses pequenas, pois, muitas vezes, não há como cuidar de todos os seus problemas de uma só vez, muito menos dos problemas dos outros.

 

        QUARTA ATITUDE: Escolha outro caminho, dê outra solução

 

        Há varias maneiras de vencer um obstáculo. Procure descobrir qual é o melhor caminho para cada caso. Encare cada obstáculo sob diversos pontos de vista. Se você não perceber que ele existe, poderá ser vítima de seu descuido ou da maldade de muitas pessoas. Outra possibilidade é perceber que ele existe, mas deve ignorá-lo, caso em que você também se sentirá infeliz. Se você reconhecer a existência dele e, ainda assim ser sua vítima, sua é a culpa por negligência ou preguiça em não vencê-lo, nada adiantando lamentar-se. Mas, se você reconhecê-lo e contorná-lo, superá-lo com seu próprio esforço, poderá sentir-se satisfeito e feliz.

        É óbvio que nem sempre podemos mudar o mundo em que vivemos, a opinião das pessoas e suas reações, mas podemos mudar o nosso modo de reagir a essas situações e, com a nossa atitude, encontrarmos solução para qualquer problema.

 

        QUINTA ATITUDE: Ligue-se

 

        Procure estar sempre vigilante e alerta para tudo a sua volta. Procure descobrir a causa de seus infortúnios: ela pode estar bem perto de você ou ser você mesmo. Se os seus problemas o deixam amargo e antes que perceba isso está deixando de participar ativamente da vida, procure a causa e achando-a dê a ela uma solução racional. Nada acontece por acaso. Ligue-se e administre o seu tempo, seu espaço e sua vida, para ser feliz.

 

        SEXTA ATITUDE: Desligue-se

 

        Lembre-se que seu melhor amigo é você mesmo. É preciso muito cuidado ao pedir ajuda a outras pessoas, que sem você o saber podem ser a causa de seus problemas. Desligue-se dessas pessoas tão logo descubra isso. Reafirme-se e lembre-se que você é o juiz de você mesmo, do verdadeiro significado de sua vida. Assim procedendo, não se ressentirá com o controle que outra pessoa possa estar tendo sobre você. Lembre-se que, quando necessário, ser sozinho não é a mesma coisa que solidão.

 

        SÉTIMA ATITUDE: Sua saúde vem em primeiro lugar

 

        Para ser feliz é essencial ter boa saúde do corpo e do espírito. Falta de sono leva à ansiedade, à incapacidade de concentrar-se, à memória fraca e à perda da sensação de bem-estar. A boa alimentação com dieta balanceada em carboidratos, proteínas e gorduras é fundamental para se ter uma boa saúde. Complementando a dieta com vitaminas naturais sob a forma de frutas e verduras balanceadas, a criatura estará dando ao corpo o tratamento que ele precisa. Nas disfunções hormonais, faça o tratamento médico apropriado.

 

        OITAVA ATITUDE: Encare o trabalho como fonte de prazer

 

        Entre o tédio e a ansiedade, ambos indesejáveis, prefira o trabalho como o melhor instrumento para cumprir os seus deveres. O trabalho, executado com satisfação, seja ele qual for, ativa suas energias, deixando-o capacitado para enfrentar os desafios. Vencer os desafios traz sensações confortantes de envolvimento, como prazer e sensação de controle. Esse fluxo de energia ocorre mais no trabalho que no lazer e isso é surpreendente, porque vem demonstrar que a felicidade não é proporcional ao nosso tempo livre. Há pessoas que preenchem o seu lazer com atividades passivas e freqüentemente se sentem esgotadas, cansadas de não fazer nada. Seu tempo livre é um tempo vazio, perdido. Portanto, é preciso fazer do trabalho uma fonte de prazer e, para sentir-se feliz no trabalho, descubra atividades que apresentem desafios.

 

        NONA ATITUDE: A dor e o sofrimento

 

        É fora de dúvida que você não pode se livrar da dor, mas pode livrar-se do sofrimento ou minorá-lo a ponto de tornar-se quase imperceptível. A dor nós sentimos na carne, no corpo; o sofrimento, na consciência. Isso pode ser insuportável e causar-lhe infelicidade. Tenha pensamentos otimistas e sentimentos positivos, e pare de dizer frases depreciativas como “isso sempre acontece comigo” ou “sou uma pessoa muito infeliz” ou ainda, “coitadinho de mim”. Quanto mais cedo você deixar de se lamuriar e reclamar, mais cedo poderá superar o sofrimento ou, pelo menos, aprenderá a lidar com ele.

 

        DÉCIMA ATITUDE: Dê uma oportunidade para a felicidade

 

        Faça o jogo da felicidade, não da infelicidade. Eu proponho um teste para você: escolha um dia da sua vida, apenas um, e nesse dia prometa ser tão perspicaz, tão sensível e tão hábil em relação à felicidade quanto costuma ser em relação à infelicidade. Nesse dia, lembre-se que você merece ser feliz; faça elogios aos outros e a si mesmo; trate apenas os assuntos que lhe tragam sensações agradáveis e responda mentalmente aos elogios com tanto prazer quanto tem feito em relação aos insultos. Dê a este exercício o mesmo tempo e atenção que costuma dispensar à angustia e à infelicidade. Se você o fizer e não se sentir consideravelmente melhor, então vai precisar da ajuda de alguém muito amigo para reerguer sua motivação e auto-estima.

        É preciso não se valer da vingança para sentir-se feliz. A vingança é um sentimento mórbido e deve ser evitada a todo custo. A felicidade faz vir à tona o que há de melhor na criatura; a vingança, o que há de pior. Quando, para a criatura sentir-se bem o outro deve sentir-se mal, isso não é felicidade, é uma forma de vingança. Da mesma forma, não se deve confundir felicidade com uma paixão louca e desenfreada. Esta se evapora facilmente, é ilusória e efêmera; aquela, é permanente.

        É necessário saber buscar os sinais de que a felicidade está ao seu alcance. Quando você perceber que está evitando situações estressantes e tem estratégias para lutar contra aquelas que não sabe evitar é um bom sinal. Outros bons sinais:

 

        1) Não desenterre os momentos angustiosos já passados e que não tiveram solução.

        2) Não comece mais o seu dia lamentando-se e lamuriando-se.

        3) Sorria quando alguém tentar sabotar a sua felicidade.

        4) Não finja que não está triste se na realidade assim se sente.

        5) Relaxe os seus músculos.

 

        Um dos fatores mais nocivos que contribui para a infelicidade é a indecisão. A nossa vida é feita de escolhas. Nem sempre é possível conciliar realização pessoal com as exigências de sua família ou de seu parceiro. A escolha não é fácil em certas situações, mas opte pela que lhe fizer mais feliz desde que haja conciliação com a paz de sua consciência. Adiar um dilema não ajuda ninguém. É preciso decidir; portanto, decida sem tensões, correrias ou complicações, e procure sentir-se feliz dentro de sua pele. Nessas escolhas, a sua vida pessoal deve sempre ser colocada em primeiro plano, ainda que a criatura possa parecer egoísta aos olhos dos outros. Mesmo no trabalho, leve em conta que você, como ser humano, deve ter prioridade em caso de dúvida tipo “ou-ou”, como por exemplo: “ou trabalho e não cuido da família direito ou me dedico inteiramente à família e não trabalho”, dilema muito comum entre as mulheres casadas que trabalham fora. Lembre-se que sua felicidade pessoal não tem preço. Mas, se a escolha for continuar trabalhando, faça-a sempre com muita satisfação, mais do que por dinheiro para sustentar vaidades e futilidades. Mas, vigie sempre o seu ritmo de trabalho, afastando o estresse e a ansiedade. Não os deixe acumular além do limite razoável. Tire umas férias!

        Seria recomendável que, de vez em quando, a criatura parasse para pensar e se perguntasse: — o que quero da vida? Ou — para que me serve a vida? Respostas sensatas e sinceras a essas perguntas ajudam a elucidar muitos dilemas, quase sempre ocorrendo quando a criatura percebe que não sobra tempo para nada. Para bem administrar o tempo a criatura deve permanecer serena, ser organizada, disciplinada e procurar ser feliz para se sentir bem consigo mesma. Isso vale para qualquer profissão e para qualquer idade e resolve a desarmonia do seu dia-a-dia. Mas, sempre faça um exame meticuloso de cada coisa ou situação, dos motivos e das atitudes envolvidas. Dessa análise, surgem as alternativas, novos caminhos ou mesmo trilhas disponíveis à sua escolha.

        Existem também muitas técnicas para transformar defeitos em qualidades, sem o subterfúgio do fingimento e da hipocrisia. Procure descobri-las em si mesmo e verá que poderá transformar rebeldia a certos padrões rígidos em algo novo e aceitável. Lembre-se de que o ótimo é inimigo do bom, como reza o ditado popular. Desde que a solução não ofenda a sua dignidade nem fira a sua consciência, por que não se adaptar e desfazer-se de um bloqueio emocional ou de uma limitação? Note-se, ainda, que algumas limitações são temporárias e desaparecem com o correr do tempo e, ainda, que a sabedoria se adquire com a experiência; o conhecimento e a cultura, com a leitura. O fundamental é ter coragem para avaliar-se e mudar-se de acordo com as circunstâncias. Atrás dessas atitudes, vem a felicidade.

        Há uma regra de ouro para ser feliz: evite fazer comparações com outras pessoas; as limitações de cada um são diferentes, mas todos as têm. Aprender a observar e aceitar esta regra é fundamental para se libertar emocionalmente. A criatura que se libertar é capaz de se mover em direção às coisas que são gratificantes e distanciar-se das que não o são.

        Lembre-se que escolher não é renunciar; escolher é exaltar as prioridades transformando sonhos e desejos em realidade. Os problemas existem e jamais deixarão de existir. O infortúnio e a infelicidade fatalmente ocorrerão em nossas vidas, mas se a criatura realmente desejar sentir-se feliz, não na superfície e nas aparências, assimilando as idéias, os conceitos e o processo aqui descritos, nada a impedirá de ser bem sucedida, de verdade.

 

A franqueza

        A franqueza é um sentimento positivo que consiste em expressar aquilo que se pensa com clareza e espontaneidade, dar a sua opinião procurando ser sincero consigo mesmo e respeitoso com a criatura a quem se destina. Mas, é preciso ser cuidadoso para não ofender, para não transformar a franqueza em hostilidades, criando situações embaraçosas e difíceis de corrigir. Mesmo quando se faz um elogio, é preciso cuidar para que ele não seja interpretado de maneira incorreta. Um mesmo elogio pode ser acolhido de forma totalmente diversa por uma ou outra pessoa, dependendo ainda do momento em que é feito. Cuidado para não acrescentar ironia ao elogio, pois pode ser desastroso.

        Existe uma linha divisória mal definida, pouco visível e sentida, em que o comportamento aceitável para expressar uma franqueza pode ser interpretado pelo outro como crueldade. É uma linha limítrofe fina e sutil que a criatura precisa descobrir, se não quiser procurar encrenca e receber uma reação inesperada da pessoa a quem se pretendia elogiar, para não ter que dizer frases como essas: “o que foi que eu disse que a deixou furiosa?” e “eu não quis ofendê-la” ou ainda, “por que será que ela reagiu assim?”.

        Há pessoas que não agüentam outra criatura, principalmente do sexo oposto, dizer-lhes frases como esta: “é para o seu próprio bem, mas...”, que se ofendem profundamente e normalmente retrucam mais ou menos assim: “sou bastante crescida ou esperta para saber o que é bom para mim”. A palavra-chave indesejada aí é “mas”. Acham que querem impingir-lhes algo que não desejam e reagem dessa forma, apesar da boa intenção de quem assim falou, com franqueza. Pensam que estão tirando-lhe a liberdade de pensar por si mesmas e tentando conter o seu livre-arbítrio. E se de fato houve “segundas intenções”, desejos ocultos, elas podem estar certas. Outros, ainda, interpretam certas franquezas e elogios como uma espécie de honestidade perniciosa ou doentia.

        De qualquer forma, quando se pretende usar de toda a franqueza é bom ligar o “desconfiômetro”, principalmente com relação às sutilezas da linguagem. Às vezes, um elogio vai por água abaixo quando acompanhado da palavra “mas”, que é restritiva. Assim, pode haver reação se dissermos, por exemplo: “Você está elegante, mas eu já vi você mais bem vestida em ocasiões como esta”, pode ter uma reação inesperada de uma mulher. Melhor seria dizer algo assim: “Puxa, até que você sabe muito bem como ficar elegante!” Aí está a força, o efeito das palavras certas no lugar certo. É claro que no elogio o tom da voz tem que ser correto, para não parecer ironia ou sarcasmo.

        É preciso saber distinguir o elogio do galanteio. Elogia-se para louvar o mérito de uma pessoa, seu bom gosto e reconhecer sinceramente suas qualidades. Já o galanteio é usado para atrair a atenção de uma pessoa do sexo oposto, massageando-lhe a vaidade. É óbvio que o elogio pode e deve ser feito com franqueza, já ao galanteio basta exprimir-se com simpatia, com forte desejo de agradar, mesmo que não esteja dizendo a pura verdade. Mas, por trás do galanteio existe sempre uma segunda intenção.

        Muitos pensam que para fazer um elogio, a criatura tem que ser perfeita, mas este tipo de perfeccionismo é uma maneira de camuflar a insegurança, principalmente a masculina. Julgando-se perfeita, a criatura protege a sua pretensa superioridade. É aí que está o perigo, pois uma criatura que se julga perfeita dificilmente aceitará críticas e, se ela perceber que não existe franqueza no elogio, tomará este como crítica e reagirá ou revidará à altura.

        Se a franqueza de alguém para com outrem a encostar na parede e deixá-la sob tensão ou até mesmo fazê-la chorar, este alguém poderá estar mascarando raiva e demonstrando o seu poder sobre a outra pessoa. Isso pode ser inaceitável e, normalmente o é, gerando muitos e profundos ressentimentos entre os dois.

        Usar da franqueza para fazer uma colocação, propor medidas ou estabelecer regras de convivência no escritório ou em qualquer local de trabalho não significa ter que erguer a voz e falar em altos berros ou ficar bravo com as pessoas. O mais importante é atingir o seu objetivo usando o bom diálogo e a camaradagem. Isso se obtém com uma liderança bem aceita por todos, sem imposição, mas mediante ampla compreensão sobre a necessidade da disciplina no trabalho.

        Outra frase muito comum e usada com freqüência é: “Você quer que eu seja honesto com você, não quer?”, ou então, “Você quer que eu seja sincero, não quer?”. Nem sempre, ao proferir essas perguntas, a criatura está pensando em ser franca, mas em vociferar as suas queixas contra a pessoa e dizer-lhe umas “verdades que estava querendo dizer há muito tempo” e que ela precisa ouvir. É mais uma forma de desabafo e não de franqueza construtiva. Daí à hostilidade é um passo. É óbvio que a pessoa vai ficar magoada e não grata.

        Há pessoas que ficam dando voltas para dizer ao que veio, como que querendo “apalpar” a reação do seu interlocutor ao que pretende de fato falar-lhe. Pretendem ser jeitosos para não ferir susceptibilidades e acabam irritando ou deixando o seu interlocutor impaciente, que termina dizendo-lhe: — ”Vá logo ao assunto” ou — “Diga logo o que tem a dizer que eu não agüento mais”. O que ele está tentando dizer é que tudo tem limites, até mesmo para receber uma notícia triste. Não vale a pena disfarçar e estender a conversa, nesses casos, como ocorre quando se tem que dar a notícia da morte de um parente próximo.

        Num casamento é muito comum ter que resolver juntos as diferenças que levam a muitas brigas, criam feridas e aprofundam mágoas e ressentimentos. A melhor solução é partir para o bom diálogo, botar tudo para fora de uma vez, com toda franqueza e sinceridade. Não deixando acumular as tensões, a franqueza presta um grande serviço à solução dos problemas, se por detrás de tudo houver amor de verdade. Nessas situações, cada um tem que encarar seus próprios defeitos, verificar os desajustes, ser tolerante e estar disposto a tolerar as imperfeições do outro.

 

A gratidão

        A gratidão é um sentimento de ordem superior que destaca o reconhecimento por uma ação de valor recebida de outrem. Ela está intimamente relacionada com o bem que nos fazem outras pessoas, seja a que pretexto for.

        Para entender a gratidão é preciso partir do princípio de que não se pode ter ou ser tudo o que se deseja. Na luta pela vida, enfrentamos problemas descomunais e, por mais duro que batalhemos, temos que fazer escolhas nem sempre bem sucedidas. Mas, nossas aflições e temores se tornam mais amenos quando encontramos a ajuda e a boa vontade de terceiros. E é aí que entra a necessidade de sermos gratos, de preferência expressando nossa gratidão de forma educada e espontânea. Não se trata de servilismo, rebaixamento ou humilhação agradecer por um obséquio recebido. Não há pequenez na gratidão, mas grandeza de espírito.

        De outro lado, temos de destacar o prazer da posse, o qual deve ser dirigido mais em apreciar e aproveitar aquilo que se recebeu, quando se trata de um objeto material, do que em aumentar a mesma posse. É preciso valorizar e bem utilizar o pouco que se tem, pois dessa forma, tem-se mais prazer do que aquele que, por muito cobiçar o que não está ao seu alcance, acaba esquecendo ou menosprezando o que já tem.

        A vida não é um grande banquete. Saborear uma comida simples, mas bem feita, pode ser mais saudável do que pensar em pratos deliciosos que não se pode ter ou conseguir. É preciso saber apreciar as coisas simples, como por exemplo, saciar a sede com um copo de água bem fresca, quando se tem muita sede, ou banhar-se junto a uma cascata de água borbulhante e cristalina, quando seu corpo estiver abrasado e suado de muito trabalhar ou após uma longa caminhada.

        É preciso habituar-se a agradecer o que se tem e valorizar seus méritos. Lembre-se que outros, talvez mais merecedores ou necessitados, possuem menos que você. Precisamos nos alegrar com as vantagens do que temos e plantar em nosso espírito sentimentos de gratidão pelo que possuímos. Isto não quer dizer que não devemos nos esforçar para obter o que desejamos, mas devemos fazê-lo sem prejudicar ou tirar vantagens de outrem. Este processo de respeitar os bens dos outros, do ponto de vista material, está dentro do princípio cristão de não fazer a outrem o que não queremos que nos façam.

 

A harmonia

        Nós vamos tratar aqui da harmonia como sentimento pessoal e coletivo, isto é, como um instrumento de paz interior e entre as criaturas de boa vontade, portanto, no seu sentido espiritual maior.

        Antes de poder participar da harmonia com os outros, precisamos estar em harmonia com nós mesmos. Isso é fundamental: pleno controle dos reflexos, dos instintos e da vontade, dirigindo estes sentimentos para o bem geral. Precisamos traçar um plano para que nossos pensamentos, atos e palavras se ponham de acordo com o objetivo de nossa existência e com a existência dos outros seres humanos e seguir, à risca, a máxima cristã que diz “fazer o bem sem olhar a quem”. Para isso, devemos agir com sinceridade em todos os atos de nossa vida. Para agirmos com sinceridade e livre de influências, precisamos nos esforçar para eliminar a excitação, o ódio, a inveja, o arrependimento, o tédio, o ciúme, a impaciência e a concupiscência, somente para citar os principais sentimentos negativos causadores da maior parte de todos os males. São estes sentimentos que nos fazem entrar em desarmonia com as criaturas, com as coisas e com os fenômenos da vida.

        Enfim, crie e mantenha a harmonia em si mesmo, que é mais importante que o resto. Toda vez que você estiver inquieto, descontente, agitado, ansioso, de mau humor significa que a harmonia cedeu lugar à desarmonia e a desordem impera sobre a ordem interior. Nestas circunstâncias, a criatura é incapaz de levar adiante e a bom termo qualquer ação útil e proveitosa. Vai encontrar, por parte de seu semelhante, compreensível resistência ao que desejar desenvolver. Por isso, saiba, mediante esforço consciente, manter a harmonia em si mesmo para poder disseminá-la entre os seus semelhantes de maneira natural e sincera. O esforço consciente para obter a calma e a serenidade será bem sucedido, desde que você se disponha a pesquisar e analisar um a um seus defeitos, seus pontos fracos e dar-lhes a necessária correção mediante o uso de um raciocínio forte, firme, decidido e suportado por uma vontade inquebrantável de acertar.

        Para estar em harmonia consigo mesmo é preciso ser sincero, o que vale dizer, exprimir o seu verdadeiro “eu” consciente e inconsciente, isto é, o conjunto de atributos e qualidades superiores de que você é dotado. O “eu ideal” é o ser moral que você deseja ser, representado pelo ideal de justiça, de bondade, de beleza, de amor, de amizade, enfim, de perfeição que é o próprio objetivo da evolução do espírito. Manifestar o verdadeiro “eu” trará a saúde e a felicidade desejada, e toda criatura tem o dever de educar a sua vontade para atingi-lo, mesmo sabendo que esta reeducação é difícil e penosa.

        Para não sermos escravos e vítimas de nossas paixões e baixos sentimentos, devemos colocar, acima de tudo, o raciocínio em ação, sermos sensatos em tudo que pensarmos e fizermos, interagindo com atenção e educação perante nossos semelhantes, não humilhando ninguém, sendo serenos o tempo todo. Maeterlink disse: “Nunca existe drama na vida de um homem sensato” [PAUCHET, 1936, p. 202]. Não só não existe em sua vida, como também, na dos que o cercam. O homem sensato, pela simpatia e respeito que irradia, mantém nos outros a harmonia e o equilíbrio de receptividade e atitudes desejadas.

        Tratemos agora, da harmonia com os outros. Devemos ficar atentos, simpáticos e de bom humor na relação com outras criaturas. Não podemos modificar as pessoas de forma abrupta nem podemos modificar o mundo da noite para o dia. Cada momento da evolução é importante e há um longo caminho para completá-la. Viver é lutar e relacionar-se. Mas, esta relação tem que processar-se sob os critérios dos bons sentimentos e da razão. Precisamos ser racionais e cristãos, tratando nossos semelhantes como queremos que nos tratem, com respeito e dignidade. Vamos procurar construir e não destruir. Não procuremos culpas nos outros, antes procuremos ser rigorosos com nós mesmos e indulgentes com os outros, procurando realçar suas qualidades. Procuremos reformar a nós mesmos sem nos preocuparmos com as falhas dos outros. Não lamentemos nossos erros e deslizes do passado, mas tenhamos consciência deles, para não os repetirmos no presente e no futuro. Nas nossas relações procuremos dar especial atenção e cuidado às nossas palavras e sobretudo à nossa voz. Pela voz pode-se conhecer o temperamento e o estado psíquico das pessoas. Existem vozes trêmulas, estridentes, veladas, fanhosas, ásperas, desafinadas. Mas, também, há as serenas, fortes e expressivas, que denotam justiça, afeição, compreensão, ternura, equilíbrio mental e moral e tantas outras características. Há, ainda, vozes estudadas, com entonação adequada ao momento. Se você possui essas belas qualidades, cuide-se para que sua voz reflita o que você de fato é e deseja transmitir. Isso é essencial para o bom êxito de nossas relações.

        Há, ainda, a necessidade de considerar a harmonia em relação à vida e à natureza como um todo. Queira ou não, o homem acha-se inserido no grande contexto universal e, na Terra, no grande contexto da criação. É, pois, imperativo respeitar e reconhecer as leis naturais e universais, que tudo regem. Harmonizar-se com a existência dessas leis, como a lei de causa e efeito (todo efeito tem a sua causa, nada acontece por acaso), a lei da atração e repulsão do pensamento, a lei da gravitação universal e numerosas outras que são imutáveis, é uma necessidade para garantir a evolução das espécies e da criatura humana. Preservar a natureza, manter os ecossistemas em seu estado primitivo e natural, defender a ecologia, não poluir rios, lagos, mananciais, mares e florestas é um dever de todos nós.

        É fora de dúvida que o objetivo supremo da vida é a evolução, isto é, o aperfeiçoamento contínuo do ser espiritual, ético e moral. Este fim, para ser atingido, requer harmonia, paciência, tolerância e perseverança. Estes sentimentos quando combinados e apoiados em uma força de vontade poderosa, realizam qualquer desejo, desde que dirigidos para o bem, com sucesso absoluto. O ambiente se transformará e a vitória de cada feito é a garantia de que as próximas ações serão, também, bem sucedidas.

        Para terminar este tema, e evitar a desarmonia em nossa vida, é necessário preservar a unidade de nossas ações sob um clima de sensatez e serenidade. Submetamos nossas ações sempre ao critério moral, empregando nossa consciência com seus princípios e essência e, busquemos apoio em seus auxiliares, a vontade e a razão. Assim, estaremos construindo bases sólidas para viver em harmonia e paz de espírito.

 

A honestidade

        A honestidade é um dos mais elevados predicados do espírito, sendo, pois, um sentimento altamente positivo. Pela própria definição léxica, ser honesto é ser digno, reto, decente, probo, puro e íntegro, enfim, virtuoso.

        Está fora de dúvida, embora o mundo dos negócios possa aparentar o contrário, que a honestidade é fundamental para se obter resultados valiosos e sólidos nos negócios, nas artes, nas ciências, enfim, em todas as atividades humanas. Estamos falando de resultados permanentes e não transitórios e fugazes. Trata-se de pôr à prova o valor dessa conduta como fator fundamental para a evolução moral e espiritual da criatura. Aqueles que possuem a mente e o pensamento desonestos, uma conduta reprovável nos negócios, podem ganhar, pela ilusão e trapaça, muito dinheiro. Trata-se, porém, de um êxito efêmero que mais cedo ou mais tarde desaparece inesperadamente, podendo trazer resultados desagradáveis e fatais para a criatura.

        Devemos distinguir dois tipos de honestidade: a honestidade material, que consiste em fazer o que é reto e justo aos nossos semelhantes, e a honestidade superior e espiritual, que se refere às relações conosco mesmo, que vai muito além da honestidade que recusa furtar e pagar com pontualidade nossas dívidas.

        A honestidade superior é um dever de toda criatura que deseja sempre o bem e o melhor para si e seus semelhantes. Ela deriva da aplicação do livre-arbítrio sempre dirigido para o cumprimento de nossos deveres, impostos pelo nosso já elevado grau de espiritualidade. Para isso, precisamos ser sinceros ao nosso “eu” superior. Trata-se de uma honestidade absoluta, bem mais importante que a simples seriedade em assuntos financeiros. Se vivemos de acordo com as nossas convicções de direito e de bom senso, então, nossa honestidade tem caráter superior; se, ao contrário, cumprimos com nossas obrigações por medo de sermos considerados relapsos, inadimplentes, então, não somos honestos de verdade.

        É interessante notar que, como chefe de família, se ao chegarmos em casa encontramos nossos familiares em conversa, e esta pára imediatamente e o assunto muda completamente, é sinal de que não há honestidade entre os membros dessa família, mas sim bastante falsidade nesse lar. Isso é mais comum do que parece.

        Um outro ponto importante a observar é que, ao fazermos uma auto-análise e detectarmos alguns pontos fracos em nossa personalidade, é de grande utilidade confessarmos estas falhas a algum amigo de alta confiança, sem orgulho algum. Esta é, também, uma forma de honestidade, mas é preciso tomar muito cuidado para não se expor desnecessariamente.

        É preciso notar que, sempre que uma convicção é contrariada, há desonestidade. Isto devido ao fato de que a nossa convicção provém de nosso “eu” superior. Este se contrapõe sempre ao “eu” material, ou seja, aos nossos interesses materiais. Dessa luta que travamos dentro de nós entre o Bem e o Mal, se inclinarmos para o Bem, nossos atos serão honestos, já que confirmarão nossas mais elevadas convicções. Caso contrário, estaremos dando guarida à desonestidade.

        Muitas vezes a criatura que mente, que é desonesta, de tanto praticar a mentira e a falsidade, de tanto trapacear, chega a acreditar que é honesta, porque acha que está tendo tanto sucesso, pensando que outro faria o mesmo se estivesse no seu lugar. Esta tentativa de iludir a mente superior, ou seja, a consciência, a longo prazo, sempre acaba mal para o indivíduo. Esses indivíduos, que assim procedem, tentam fazer com que a verdade, que acreditamos verdadeira, se faça ridícula e falsa para nós. É preciso termos convicções sérias e bem fundadas para não cairmos nas artimanhas do Mal, colocando-nos sempre em guarda contra suas investidas.

        O homem virtuoso está acima do homem honesto, já que o virtuoso tem sempre disposição firme e constante para a prática do Bem; é valoroso, tem grande força moral e, portanto, dotado de alta espiritualidade. Este é um forte de espírito. Sendo valoroso, está à prova de qualquer tentação, de deslize moral ou suborno. É honesto de consciência, sempre aspira a uma perfeição, à melhor conduta. É preciso ser conspícuo para ser honesto e virtuoso, donde se conclui que a virtude é um predicado mais nobre que a simples honestidade. Quem a possui arrisca-se a tudo, até mesmo a cair na miséria, se necessário for, para manter sua seriedade e respeitabilidade.

        Há também os que se mantêm honestos por conveniência, não pelo próprio valor espiritual. Para ser simplesmente honesto, basta ser probo, digno e cumpridor de seus deveres, isto é, as ações que a criatura pratica enquadram-se mais na órbita social que na esfera moral. Basta que suas ações sejam aceitas pela opinião pública, o que não quer dizer que sua consciência também não atue, mas não em primeiro plano.

        Aqueles que têm capacidade para reconhecer seus próprios erros pela justa reflexão dos fatos, e sabem tirar deles sábias lições de vida, são virtuosos, têm caráter firme e retidão de conduta, bem diferente dos simples honestos que cumprem seus deveres, honram seus compromissos e, basta isso. O homem comum jamais reconhece seus erros e chega até mesmo a reincidir no erro, se isso lhes trouxer vantagens.

        É preciso ainda saber reconhecer a honestidade hipócrita. Veja o tema sobre hipocrisia, nesta obra. No hipócrita, o verdadeiro caráter é escondido, camuflado e escamoteado de todas as formas e com todas as artimanhas que puder usar. O hipócrita é todo aparência e só aparências!

        Segundo José Ingenieros, em sua monumental obra O homem medíocre: “A virtude requer fé, entusiasmo, paixão, arrojo; vive disso. Requer tais coisas, na intenção e nas obras. Não há virtude quando os atos desmentem as palavras” [INGENIEROS, 1953, p. 118]. Daí, o hipócrita ser o oposto do homem virtuoso.

        Pelo exposto, não é demais insistir que o Bem sempre vencerá o Mal. Este pode ganhar algumas batalhas, mas não a luta final. Precaver-se com segurança contra os desonestos é o melhor remédio e, uma vez identificados, jamais fazer negócios de qualquer tipo com eles. Assim procedendo, a criatura estará eliminando muitos aborrecimentos.

 

O idealismo

        O idealista é aquele que, acreditando no valor das idéias, estabelecidas com base em uma lógica irreparável, propugna por elas com uma força incomum, fugindo das idéias preestabelecidas e das rotinas da vida. É preciso não confundir o idealista com um sonhador inconseqüente.

        Na vida existem mentalidades ativas e passivas, idealistas e passadistas, revolucionários e conservadores, bem como mentalidades amorfas e medíocres.

        De um lado, temos os conservadores, cujas raízes têm origem no medo a qualquer modificação tanto no modo de vida como no modo de pensar; eles são contrários às inovações e estão satisfeitos dentro dos limites de sua experiência e do seu conhecimento. Detestam ter que se adaptar ou ajustar-se às novas situações. Não possuem ambições, nem mesmo as mais simples, e detestam tudo que é novidade. A Filosofia os classifica como misoneístas.

        Existem também, os passadistas, ou seja, aqueles que se apegam às velharias do passado, herdadas de tradições, amigos de velhos costumes, amantes de coisas antigas, bem como os preciosistas, que cultivam a mania de usar velhos chavões de estilo.

        Uns e outros constituem a grande maioria dos rotineiros: são socialmente apáticos, de regra, não se manifestam, são aferrados a velhos pontos de vista, não acompanham o progresso intelectual, filosófico e científico, estão sempre satisfeitos com o “status quo”. Embora alguns despertem a sua curiosidade, não possuem desejo forte de progredir, preferindo ficar na inércia mental. Preferem a lei do menor esforço, até para discordarem de novas idéias. Por isso, não oferecem grandes resistências e embaraços às inovações. Já os reacionários, lutam aferradamente contra os idealistas que procuram abrir novas rotas e dar novo rumo à ciência e ao saber humano, em geral. Sob certo ponto de vista, os reacionários podem desempenhar papel preponderante, no sentido de conter certas mudanças abruptas de alguns idealistas desenfreados, que embora agindo de boa fé, não chegam a perceber que certas reformas ou inovações bruscas podem acarretar grandes transtornos sociais e econômicos.

        Os idealistas e rotineiros empenham-se em permanente e renhida luta; a teimosia destes últimos, sempre em muito maior número que aqueles, cria grandes entraves e causa grandes atrasos ao progresso das sociedades. Mas, a despeito disso, os empecilhos são vencidos e o progresso abre o seu caminho inexoravelmente.

        O idealismo criador nas ciências e nas artes é fundamental para o progresso humano. A criação de novas invenções, o avanço da tecnologia e da medicina não dispensam o gênio criador dos idealistas. O idealista, para provar suas idéias e suas teorias, luta com denodo, sem cessar, incansavelmente. É a luta da inteligência contra a ignorância e a inércia dos rotineiros ou a oposição dos reacionários.

        A História da Humanidade está cheia de exemplos edificantes de idealistas notáveis, em todas as áreas do conhecimento humano, bastando, para isso, consultar as biografias dos grandes reformadores da ciência, das artes e da sociedade de uma maneira mais ampla.

        A despeito das barreiras opostas pelos rotineiros e reacionários de toda espécie, inclusive a barreira criada pelos dogmas e fanatismos impostos pelas religiões, novas concepções da vida e do Universo continuarão surgindo e sua marcha em direção ao progresso e à evolução espiritual jamais será detida, pois a observação e a experiência revelarão ao mundo, em futuro breve, verdades incontestáveis. Está claro que os idealistas, agindo sempre de boa fé e recebendo intuições voltadas para o progresso material e a evolução espiritual, têm um importante papel a desempenhar nesse contexto.

 

O otimismo

        O otimismo é um sentimento positivo e representa uma atitude, uma disposição da criatura de encarar os problemas humanos e sociais de forma global, considerando ser sempre possível dar-lhes a melhor solução, fundamentado no seu bem-estar e no de seus semelhantes. O otimismo praticado com freqüência, constância e perseverança é para a criatura um ideal de bem fazer, de benevolência e altruísmo. Veja, nesta obra, os temas “o altruÍsmo” e “o idealismo”.

        A vontade otimista realça a alegria e o ânimo para a vida. A criatura otimista revela muito de sua espiritualidade elevada e vê com confiança suas ações e a de seus semelhantes. O otimista sabe muito bem separar o joio do trigo e distinguir o otimismo das ilusões, fantasias e sonhos impossíveis. Ele sabe avaliar sua capacidade e seus limites, e atua seguro, confiante de que será vencedor e bem sucedido em suas ações. Mesmo sendo otimista, em muitas situações sabe reconhecer que, às vezes, o ótimo é inimigo do bom e, para não ficar na inércia, realiza o bom, quando não puder realizar o ótimo. O otimista sabe que é preciso valorizar o próprio esforço e tudo o que tem de melhor em seu caráter, apoiado sempre na sua grande força de vontade e autoconfiança. Assim como a autoconfiança, a confiança no próximo ajuda-nos a sermos otimistas.

        O otimismo é o bálsamo do espírito, o mel da vida, assim como, em contraste, o pessimismo é o fel da vida. Aquele que tem o otimismo como cúmplice é um vencedor desde o início de cada tarefa que faz, de cada negócio que empreende, porque ele sabe usar os seus atributos espirituais de forma ativa, criadora. O otimista caminha com a cabeça erguida a passos firmes, sabe o que quer, não titubeia, é uma criatura sempre resoluta e é um vencedor por natureza. Dotado de viva coragem, vence com galhardia os obstáculos da vida e ainda dá volta por cima, isto é, retempera-se com os sucessos que vai obtendo.

        O otimista reconhece a verdadeira função do trabalho, tendo este como uma dádiva, uma alavanca para promover o seu desenvolvimento, enquanto o pessimista teme o trabalho e o encara como um castigo. Aquele vive o seu trabalho com alegria e produz mais e melhor, progride; este, está sempre a reclamar, a lamuriar-se, fazendo-o de mau humor, a contragosto, cansando-se mais facilmente e curvando-se fisicamente às dores e sofrimentos antes do tempo. Para o primeiro, o trabalho sempre traz bons frutos; já para o pessimista, aborrecimentos e dissabores. O otimista sabe que precisa lutar, empenhar-se com os seus recursos mentais e manuais, coloca coração, músculos, nervos em tudo o que faz, e colhe o fruto saboroso de seu trabalho e, se chegar a ser altruísta, distribui com alegria aos necessitados parte do que obteve.

        O bom otimista é também, quase sempre, o bom samaritano. Sabe ser benevolente, conciliador, polido, maleável, tolerante, para se tornar feliz e procura fazer feliz o seu semelhante. Ele se coloca sempre em harmonia com o ambiente, irradia alegria e confiança, o que deixa o seu organismo praticamente invulnerável ao mal, às doenças. Sabe dar o passo certo na hora certa, não é indeciso, não titubeia e sempre encontra o caminho certo para progredir e evoluir. Cumpre os seus deveres com satisfação estampada em sua face. Nunca é sarcástico nem humilha ninguém; antes, procura ensinar a quem tem fome de saber, ajudando o próximo, tratando bem a todos, sempre amável e cordial. O otimista sabe ser cortês, amigo de verdade, não um hipócrita. A figura do bom otimista quase sempre se confunde com a figura do homem de bem, aquele que compreende e sabe usar o seu livre-arbítrio para o bem em tudo que faz; é respeitado, querido, porque sabe cativar e influenciar pessoas devido aos seus sentimentos de benevolência, causando grande efeito e bem-estar nas pessoas. O otimista tem o carisma de líder e contamina as pessoas com quem trabalha de forma respeitosa. Por isso, obtém a colaboração fácil de todos e é admirado pelo entusiasmo que distribui de graça.

        O otimismo tem grande efeito positivo no trabalho fecundo das pessoas criadoras, artesãos e artistas, grandes escultores e, principalmente, dos cientistas que dedicam com ardor suas vidas a desvendar o mistério das leis físicas, químicas e cósmicas, sempre em busca da verdade e seus desdobramentos em benefício da humanidade. O sucesso advém desse trabalho, desse esforço contínuo de uns em benefício de muitos. Aliados a uma intuição forte, não encontram barreiras, vencem sempre.

        Em contraste, temos o pessimismo e os pessimistas que estão sempre amargando as suas derrotas, maldizendo tudo e a todos, sempre derramando suas influências negativas por toda parte sobre os incautos, aqueles que não sabem se defender do mal e de suas investidas. O pessimismo é enervante, destrói a vontade, aumenta os receios e temores. As emoções pessimistas são desagregadoras e não levam a nenhuma realização pessoal. O pessimismo é uma doença de natureza psíquica, que não leva a Luz a nada; antes, a amortece e até a apaga como um eclipse solar; o pessimista vive na inércia, municiado de estímulos malignos, e alimenta a fantasia como uma fuga à realidade.

        Tanto a atitude otimista como a pessimista depende do pensamento e da vontade da criatura. As emoções influem, mas com pouca intensidade. O sentimentalismo não deve criar obstáculos à prática do otimismo, não deve obstar que ele ocorra e seja praticado por quem tem vontade e determinação para adotá-lo como norma de vida. Deve-se evitar a comparação com outras pessoas, mesmo quando estas conseguem coisas com menor esforço. Em vez de se comparar a outrem, dedique-se a melhorar, empregando suas energias de forma positiva e produtiva, visando o seu bem e o de seus semelhantes. Passe do discurso à prática e realize o que planejar, sem demora, sem adiamentos, ou seja, avalie a sua vontade, fale menos e aja mais e sempre.

        É preciso muito cuidado com o sentimentalismo exagerado que enfraquece, debilita a vontade, mostrando apenas o lado ruim das coisas, a sombra, as trevas, não a realidade. O sentimentalismo exagerado vira ilusões e fantasias na mente dos pessimistas, sem valor prático, que enganam pelas aparências e normalmente se dirige às coisas fúteis e banais, convida ao repouso e à inércia, não aponta o verdadeiro caminho a trilhar.

        O otimismo sempre gera mais otimismo, impulsiona a criatura sempre para a frente, para o progresso, para a evolução espiritual. Sejamos, pois, sempre otimistas.

 

A ousadia

        A ousadia é a atitude assumida com inusitada coragem frente aos obstáculos da vida e, neste sentido, é um sentimento poderoso para o sucesso material e social da criatura, desde que bem utilizada. A ousadia só é positiva se o arrojo for sensato e equilibrado, com risco calculado. Do contrário, a ousadia pode levar a criatura a ser vítima de grandes fiascos e fracassos irremediáveis.

        O homem, em seu ambiente vivencial, pode assumir diferentes atitudes face aos acontecimentos de sua vida: uns enfrentam com arrojo qualquer problema ou situação — são, em geral, os vitoriosos; outros agem com cuidado e ponderação — são cautelosos ao extremo, podendo chegar aos limites da timidez, esta prejudicial ao desenvolvimento das criaturas. O que é preciso evitar é o extremo da timidez, que caracteriza os medrosos e até mesmo os estúpidos.

        O temperamento do homem ousado é o de obter aquilo que deseja, seja a que título for, usando toda a sua capacidade, força de vontade, inteligência e argúcia para vencer. Nele, a derrota é sempre um incentivo para aprender a lição e fortalecer-se para novos embates. Confia tanto na sua capacidade que precisa fazer um esforço para não deixar-se extravasar além da boa prática moral. Estas qualidades são próprias do primeiro tipo acima descrito, que se caracteriza pelo destemor e pelo atrevimento de sua maneira de agir. Atuam, portanto, de uma maneira abusada.

        Já o segundo tipo, aqueles que atuam com certa prudência e mantêm a dignidade em todos os seus atos, são ponderados, utilizam com mais intensidade sua espiritualidade para vencer na vida. Raciocinam e utilizam o seu livre-arbítrio como um filtro para evitar usar ardis e trapaças que podem trazer certas vitórias materiais, mas ferem os bons princípios da convivência, da Moral e da Ética. Estes atuam de uma maneira correta e desabusada.

        A ousadia inescrupulosa é condenável em todos os sentidos. Ela é vista nas bravatas das brigas de rua, nos “rachas” realizados pelos bons “mocinhos” com seus carros envenenados pelas ruas das grandes cidades, nas disputas de caráter “machista” de muitos homens pela conquista das mulheres, nas torcidas ditas organizadas durante os torneios esportivos, na luta pelo acúmulo desmedido de fortunas ganhas ilicitamente, no enfrentamento policial com abuso de autoridade, enfim, esta série de exemplos poderia ser estendida a numerosos outros aspectos da vida moderna.

        Mas, de outro lado, é bom que se diga que nem todos os ousados são homens de briga, mesmo quando são provocados por outros que lhes venham criar embaraços em seus negócios e atividades. Estes usam a ousadia com maior poder de espírito, com competência técnica e profissional, sem o uso de ardis, com base em sua capacidade mental, inteligência e sensibilidade moral.

        Para melhor realçar a ousadia e seus aspectos, vamos examinar, de relance, o sentimento oposto, a timidez que foi tratada com maior profundidade em outra parte desta obra. Os tímidos são, em geral, inteligentes e capazes de grandes proezas, mas, por recolhimento e introspecção procuram se esconder ou não parecem bons demais para não chamar a atenção de suas qualidades. O tímido nasce tímido e pode corrigir-se ou tornar-se mais tímido ainda em função da educação familiar e escolar que venha ter. Se, por exemplo, uma criança tímida vier a ser criada em um ambiente autoritário, a tendência é tornar-se mais tímida ainda, devido à repressão que sofre aos estímulos que a vida lhe oferece. De outro lado, se o ambiente for demasiadamente frouxo ou acanhado, pode sobrevir ao tímido o medo de não vencer os obstáculos cotidianos e até recalcar, em seu subconsciente, falhas ou derrotas que venha ter na vida. O que é preciso para minorar ou corrigir esse quadro é dar aos tímidos estímulos positivos, elogiar sempre suas vitórias, oferecer-lhes o melhor amparo moral possível e abrir-lhes os olhos para enfrentar com hombridade os obstáculos da vida, sem deixar de mostrar-lhes os encantos que ela tem.

        De maneira geral, os tímidos não alcançam grandes fortunas nem acumulam bens materiais além do necessário. Visto pelo prisma material, são uns fracassados. Mas, os tímidos, por serem introvertidos, possuem qualidades de valor crítico, ético e estético bem acima dos ousados, o que aliados à sua peculiar inteligência, os habilitam a desenvolver, em maior grau, competência para a pintura, escultura, música e outros tipos de arte, por terem, também, uma maior intuição e percepção.

        Vê-se, pois, que aos tímidos não lhes faltam qualidades, o que lhes falta é impulso para vencer os obstáculos da vida material ou os tabus que a sociedade cria para preservar pseudoverdades, manter preconceitos que a evolução consciente já deveria ter abolido. Antes de mais nada, o tímido precisa esforçar-se para vencer os seus receios e temores, verdadeiros inimigos que têm dentro de si. Vencidos esses inimigos, o caminho estará aberto para se tornarem vitoriosos.

        Faz bem ao tímido o aforisma que diz “errar é humano, mas só não erra quem não faz ou produz”, sendo um vigoroso estímulo para se arrojar um pouco mais e obter da vida aquilo a que tem direito.


A paciência

        A paciência é um sentimento de ordem superior e, portanto, uma virtude, praticada por quem é espiritualmente forte. É fortaleza do espírito. Estas duas virtudes são adquiridas pela persistência em resolver com calma e ponderação, os problemas que a vida nos enseja. Aqueles que são espiritualmente fortes e fieis às suas decisões sabem resistir e persistir e, portanto, são capazes de resolver seus problemas com domínio e fortaleza de ânimo necessários.

        É preciso não exagerar na avaliação dos problemas que a vida nos oferece a cada momento, nem dar curso à imaginação, tornando-os ameaçadores e terríveis, isto é, não dispersar as energias antecipando-os, imaginando-os difíceis, insuportáveis e insolúveis. Em suma, não enfocar com lentes de aumento problemas que só existem na imaginação, criados por uma mente fraca, doentia e desgovernada. O próprio homem é o causador de muitas de suas misérias, que são geradas, na maior parte das vezes, por incompreensões, conjecturas, suspeitas e outras fraquezas humanas.

        É preciso levar a vida a sério, não levá-la “numa boa”, como proclamam os materialistas insensatos e irresponsáveis. Não estou dizendo com isso que não se deve desfrutar o lazer. Há tempo para tudo; mas o que não deve ser esquecido é que a nossa vida pessoal deve ser administrada como um negócio, uma empresa: com competência, valor e seriedade.

        O negócio mais importante da vida é a própria vida, é saber administrá-la, bem governá-la com fundamento nos princípios cristãos. Assim procedendo, com forte determinação para praticar o bem, cultivando a devida virtude da paciência, sem querer apressar ou antecipar fatos e soluções e completando com firmeza o que planejou e iniciou, as sucessivas vitórias se acumularão e fortalecerão o espírito para novas empreitadas.

        É preciso ter paciência. Ter paciência é sofrer, agüentar-se, manter-se sem ceder às pressões e não dar por terminado o que ainda não chegou ao fim. Quem está ocupado em pensar em meios construtivos não tem tempo para imaginar suspeitas e temores. Aquele que tem consciência da necessidade de resistir, não se impressiona com pequenos inconvenientes e supera todos. Compreende que não deve temer os percalços das tarefas da vida.

        Quando se tem os olhos postos na conquista dos grandes ideais, desprezam-se os pequenos desenganos e aborrecimentos que a vida nos traz.

        A fortaleza de espírito, que estimula a paciência, adquire-se pela prática, pela experiência, pela adaptação aos propósitos bem fundamentados e pelo desejo de bem cumprir as metas traçadas. Aquele que vence na vida destaca-se precisamente por cumprir suas metas e não ceder diante dos pequenos obstáculos e das fraquezas humanas. A coragem se intensifica com a prática, com a persistência e com a constância, aplicadas de forma inteligente e com base na consciência de segurança.

        Mas também, é preciso ter suficiente coragem para abandonar as idéias falsas, venham de onde vierem, se possível antes de iniciar qualquer empreendimento por elas ensejadas. Para isso, analise a situação, pense e raciocine muito antes de agir.

        Somente aqueles que adquiriram e sabem usar as lições da experiência, na compreensão e na interpretação da vida, é que terão paciência para persistir, não desanimar nem esmorecer, mas vencer suas próprias fraquezas e temores, isto é, superar seus próprios limites.

        Todos, na vida, desejam e buscam uma oportunidade, mas muitos estão adormecidos ou atrasados ao encontro marcado, e quando aquela chega não a reconhecem e, portanto, não sabem agarrá-la e aproveitá-la.

        Mas, lembrem-se, as oportunidades não correm facilmente ao encontro das criaturas; são estas que devem correr atrás delas, examiná-las, largá-las se forem falsas ou fora de seu alcance ou agarrá-las, realizando-as quando se mostrarem viáveis. Não aceite palpites infundados, mas ouça os bons conselhos e analise-os, pondere-os. A exaltação, o “oba-oba”, pode ser um mau começo e levar ao insucesso, ao fracasso.

        A paciência é contrária ao desespero; quando este domina, os temores assaltam a criatura, implantando em sua mente incertezas, quimeras e ilusões. É preciso ser paciente para ver menos perigos, saber esperar sem se desesperar, afastar as influências ameaçadoras e mobilizar seus recursos espirituais para conseguir ser vitorioso.

        Impõe-se invocar sempre suas forças interiores, vale dizer, espirituais. Afastar as inquietações e emoções deprimentes, cultivar o hábito da paciência para bem resolver seus problemas são princípios de sabedoria para o bem viver.

 

A persuasão

        A persuasão é um dom positivo que a criatura tem e que consiste em convencer outras pessoas a pensarem ou fazerem aquilo que desejamos que pensem ou façam. Ela se fundamenta no poder criador do espírito humano, apoiando-se no pensamento e na vontade da criatura, como faculdades que são daquele. Além disso, para convencer outras pessoas, a criatura vale-se de vários outros recursos e habilidades como a empatia, o magnetismo pessoal, o poder de liderança, o saber e o conhecimento das coisas e dos fatos, a experiência de vida e a autoconfiança. Usando tudo isso, a criatura gera em torno de si uma aura de dignidade e de respeito que faz com que corações e mentes se abram e acompanhem suas ações.

        A persuasão é uma verdadeira arte — a arte de convencer. Não existe uma fórmula mágica única, infalível, válida para todas as situações. Cada pessoa tem que forjar o seu próprio método, inventar uma chave e utilizá-la de forma útil para si e para os seus semelhantes. Existe uma ligação muito direta entre persuasão e convicção: para persuadir, a criatura tem, primeiro, que se convencer que as idéias, atos ou fatos que deseja incutir nos outros precisam ser, antes, bem aceitos por si mesma. É preciso exercitar-se, com persistência e demoradamente nesta tarefa, para não falhar diante dos olhos atentos de uma platéia, nem sempre querendo ouvir o que ela pretende transmitir. É fundamental, neste processo, o poder individual e coletivo que a criatura precisa ter para atingir com sucesso seu objetivo.

        É o poder de percepção que vai possibilitar compreender e encontrar a forma e a fórmula para cada caso que, ao ser aplicada, resultará num esforço de persuasão bem sucedido. Trata-se de um poder individual, não cabendo imitação, o que significa que a criatura tem que imprimir o seu próprio cunho, suas características pessoais, no jeito e no modo de fazer as coisas. Cada caso é uma nova realidade a enfrentar, e a criatura precisa ter a liberdade total para expor sua criação. Mas sempre, sempre mesmo, a pessoa precisa contar com a inspiração ou intuição e muito equilíbrio emocional. Não se pode transmitir fraqueza de espírito ou exprimir tibieza; é preciso ser firme, determinado e incisivo, sem parecer que a criatura esteja querendo impor a sua vontade.

        Há formas sutis de persuadir e só assim se pode delas esperar um bom efeito. É o caso, por exemplo, que acontece com certas pessoas de destaque social, políticos, autoridades em geral. Aqui mais vale exprimir nossas idéias, conselhos e sugestões, e hipotecar-lhes solidariedade em suas ações para encampar o que desejamos que seja feito. Nisso, a sutileza substitui nossa vontade férrea de impor idéias. Usando de argúcia, poderemos atingir nossos objetivos, que poderiam parecer inalcançáveis. Mais vale uma boa conversa ao pé do ouvido, na hora certa, do que um discurso inteiro ou uma longa carta expositiva.

        Uma situação comum que muitas criaturas enfrentam é terem que submeter-se a entrevistas, seja para conseguir um emprego, seja para difusão de idéias e opiniões sobre assuntos do cotidiano, pela mídia. Se a entrevista televisiva for ao vivo, irá requerer redobrado cuidado para não atropelar as palavras, nem ser inconsistente ou incoerente. Por isso, seja breve e direto. Responda as perguntas com objetividade e argumente com conceitos válidos ou com fatos inquestionáveis. Deixe as inovações ou longa argumentação para sessões especiais, palestras e conferências. Nas entrevistas para conseguir emprego, procure ficar bastante à vontade, mas não displicentemente; olhe o entrevistador direto nos olhos, nunca olhe-o de soslaio, nem fique de cabeça baixa; seja claro nas suas considerações e respostas às suas perguntas. Coloque toda a concentração que puder na interpretação das perguntas e peça explicação quando não entender alguma pergunta. Não desvie do assunto. Seja sempre sincero. Sobretudo, aja e reaja com calma e ponderação. Aqui, também, a sutileza deve ser evitada, antes cabendo usar argúcia em certos momentos para mostrar a finura de seu espírito.

        É muito importante a maneira como apresentamos nossas idéias. É preciso ser ordenado, metódico. Cite exemplos, quando couber. Provas e fatos conhecidos podem ser úteis para sustentar uma argumentação firme, prender a atenção do ouvinte ou despertar o seu interesse. Estes são fatores que contribuem, decisivamente, para o sucesso dos bons vendedores de idéias e produtos em qualquer parte do mundo.

        Muitos pregadores e doutrinadores costumam convencer usando a força das palavras e de exemplos deixados por grandes mestres do saber e do conhecimento humano. Não estou me referindo aqui à crença e à fé, impostas pelas religiões e seitas, mas aos conceitos e princípios racionais e científicos, que têm fundamento na lógica e na razão. Os que sabem persuadir não encontram dificuldades em inculcá-los nas mentes das pessoas, porque mesmo aquelas que não são dotadas de grande capacidade de raciocínio os assimilarão facilmente, sem muito esforço. Basta estimular nos ouvintes o interesse, a sua atenção e a concentração. Veja tema “A Concentração” em outra parte desta obra.

        Em ciência, para se manifestar a certeza, é preciso medir aquilo de que se fala e exprimi-lo por uma fórmula ou número para se poder afirmar que se conhece alguma coisa do assunto; do contrário, os seus conhecimentos são incertos e pouco satisfatórios. Este preceito se aplica perfeitamente em todos os casos em que se pretende demonstrar alguma coisa de modo a não deixar dúvidas, seja em que ramo da ciência for, para deixar claro que a precisão é fundamental para persuadir e convencer os outros. Qualquer que seja o assunto, não cabe iludir ou alimentar ilusões efêmeras. A formulação de teorias científicas pode consumir toda a vida de um homem, que terá de convencer o seus pares, mas também, pode ser destruída, modificada ou relegada ao fundo do baú se não forem confirmadas pelos fatos ou se vier a ser substituída por outra mais convincente. Isso aconteceu muitas vezes na criação da teoria cosmogênica e, ainda, não temos a versão definitiva.

        Finalmente, lembre-se de usar um linguajar simples para persuadir pessoas vulgares e medíocres. Seja sincero, verdadeiro e humilde e, sobretudo, convicto a respeito do assunto. Em momento algum seja falso ou prepotente para poder granjear o respeito e a confiança de seus ouvintes.

 

A prontidão

        A prontidão é mais um ato de vontade do que propriamente um sentimento, mas ela encerra em si mesma forças tão poderosas como a perseverança, decisão e outras.

        Existe um ditado popular que diz: “O mundo pertence aos que levantam cedo”. É uma grande verdade, pois da decisão de levantar-se cedo, de preferência antes da sete horas da manhã, poderá a criatura dedicar-se, pelo menos, quinze minutos aos exercícios físicos e de respiração, trazendo grandes benefícios aos músculos e ao organismo através da oxigenação dos tecidos. O sangue resultará purificado e, em conseqüência, o cérebro resultará bem irrigado. Com a saúde assim revigorada poderá a criatura trabalhar durante todo o dia com mais intensidade, rapidez e perseverança. E o que é mais importante, ao seguir este pequeno programa todas as manhãs, sempre às mesmas horas, estará adquirindo o hábito da constância, sendo pontual e exato, imprimindo no seu inconsciente uma autodisciplina que será útil e benéfica, também, em todos os outros atos do seu dia-a-dia. Aqui vale introduzir palavras de auto-sugestão como “meu cérebro se tornará mais ativo, devido estar sendo irrigado por um sangue mais oxigenado e mais puro. A eficiência do meu trabalho hoje depende dessa minha resolução”. Vale a pena repeti-la todos os dias.

        É muito importante para firmar o valor da prontidão em todos os nossos atos, fazer tudo o que pensarmos, após análise rigorosa do nosso raciocínio, que é poder da inteligência, e de nossas reflexões intuitivas, que é poder receptivo de idéias e formas de pensamento que vêm de fora, colocando intensidade nos nossos pensamentos e rapidez na ação. Ao praticar algum ato, faça-o tão rápido quanto possível, imediatamente se necessário. Procedendo assim, o pensamento se torna cada vez mais dominante e as ações cada vez mais acertadas, através da correção de erros que neste aprendizado vamos ter que enfrentar. Nesta forma de pensar e agir é que se fortifica o valor da prontidão. Estar sempre alerta para tudo e todas as coisas, eis o lema dos escoteiros de todo o mundo. E eu acrescento: tenha intensidade no pensamento e rapidez na ação, que o êxito será sempre garantido.

        Se, durante a nossa educação no lar pelos nossos pais ou nas escolas pelos nossos professores não tivermos o necessário estímulo para agirmos com prontidão, seja por falta de bons exemplos, seja pela própria natureza das pessoas que não souberam ser exigentes conosco, ou ainda, seja pela falta de iniciativa e indecisão, não devemos cruzar os braços e nos considerarmos derrotados. Sempre será tempo de encetarmos uma mudança mediante auto-sugestão e reeducação da vontade e de nossas forças interiores. Basta alguns poucos meses de treinamento se de fato a criatura se dispuser a se modificar para operar-se uma grande transformação. Existem técnicas e cursos, bons livros, fitas cassetes e de vídeo que trazem resultados infalíveis sobre centenas de assuntos. O segredo é querer. Lembre-se que querer é poder, a força de vontade em ação tudo vence.

        É claro que cada indivíduo tem seus próprios limites, devido ao meio em que nasceu e foi criado, ao estado de saúde, ao ambiente de trabalho, só para citar algumas limitações. Mas, as grandes limitações estão no grau de instrução que teve oportunidade de receber e no grau de evolução espiritual. Tudo isso somado constitui o verdadeiro desafio que cada um tem de enfrentar. Há uma forte interação de todos esses fatores, mas também existem forças latentes em cada um de nós como o pensamento, a força de vontade, o raciocínio e tantas outras, todas atributos espirituais essenciais e positivas, que postas em ação em cada momento de nossa vida atuam em sentido contrário àquelas limitações, neutralizando-as, vencendo os obstáculos, solucionando os problemas mais difíceis. O que é importante é não esmorecer, não desistir nunca da boa luta, não se julgar um coitadinho e um derrotado. Somando a estas forças positivas o hábito da prontidão, qualidade importante que deve ser adquirida com persistência e perseverança, nada será impossível. Aliás, a palavra impossível não existe no dicionário de todos os grandes vencedores na luta pela vida. Muitos e muitos grandes homens, a História está cheia de exemplos, vieram do nada.

        Há um outro ditado popular que cabe muito bem, a pretexto do tema “A prontidão”: “Não deixes para amanhã o que puderes fazer hoje”. Assim procedendo, estará exercitando a prontidão. As pessoas que acumulam tarefas e mais tarefas, adiando e postergando sua execução por absoluta falta de vontade ou planejamento, acabam se perdendo no meio do caminho. Tornam-se extenuadas, nervosas, estressadas, ansiosas por não saberem por onde começar. Sua eficiência é muito baixa. Chegam a adquirir o péssimo vício de roer unhas. Só há um caminho para corrigir isso: pense antes de agir e aja sempre com prontidão. Planeje o seu trabalho, o uso de seu tempo e dê prioridade ao que deseja e tudo se modificará. Há sempre um tempo para cada coisa. Coloque ordem e disciplina em seus atos e verá como tudo se modifica para melhor.

        Há um outro aspecto muito importante a considerar, que está contido nestas sentenças de forte sentido popular: “Não deixe passar a ocasião” ou “Não deixe passar a oportunidade”, ou ainda, “A sorte não bate duas vezes na mesma porta”. Cada um de nós deve exercitar-se em identificar as oportunidades e agarrá-las pelos cabelos tão logo se apresentam. Isto é prontidão, também. Quantas e quantas vezes lamentamos por não termos tomado determinadas decisões. Aqui invocamos novamente dois ditados populares de grande transcendência: “Águas passadas não movem moinho” e “Não adianta chorar sobre o leite derramado”. Perdida uma oportunidade, é tirar as lições que deixa e, de cabeça erguida, olhar para a frente, usando a experiência adquirida para enfrentar novos desafios. Normalmente, a voz da consciência nos aconselha e, analisado o problema, tomada a resolução, execute-a incontinente; desse modo, a criatura adquirirá o hábito da prontidão e reduzirá enormemente seus arrependimentos por não ter agido. Portanto, não deixe passar a ocasião, não se deixe assaltar por dúvidas e auto-sugestões negativas. Sobretudo, não protele nunca o que tiver que fazer!

        Termino este tema com outro ditado bastante apropriado: “Malhe o ferro enquanto está quente”. Se deixar esfriar, será mais difícil ou até mesmo impossível.

 

A renúncia

        A renúncia é um sentimento positivo de alto valor para as criaturas, que consiste em libertar-se dos desejos e ilusões desse mundo em proveito de uma causa e em benefício de seu semelhante e até da humanidade. Pela renúncia, a criatura submete-se, pacientemente, ao sacrifício e ao sofrimento da vida. Resigna-se aos prazeres e gozos do mundo, desapega-se, desprende-se das coisas e dos desejos negativos. Liberta-se principalmente do egoísmo, do ódio, da inveja, do orgulho e da mentira e cultiva o amor ao próximo, a amizade, o altruísmo e a fraternidade, dedicando-se aos seus semelhantes espontaneamente, dando tudo de si sem nada pedir. A renúncia requer alto grau de espiritualidade, desapego das coisas terrenas, desprendimento daquilo que poderia ter ou conseguir com sua vontade e seu esforço. A criatura que optou pela renúncia já lapidou o seu caráter e já tem o seu pensamento e a sua vontade voltados para uma vida superior, espiritual.

        A criatura humana é seduzida pelas ilusões da vida, pelos prazeres mundanos, pelos desejos malsãos. Centrada em sua individualidade egoística, vale dizer, seu “ego” vê o mundo segundo a ótica das aparências. O egoísmo, ao qual a criatura se torna escrava, marca-lhe os seus pensamentos e sua vontade com toda força para desejar e querer tudo para si e sempre mais e mais. Ao contrário disso, aquele que conhece a vida como força e matéria, e disso se imbuiu, deu-se conta de que somente a força, vale dizer, o espírito evolui continuamente. Aquele que engrandece sempre o seu espírito com bons pensamentos e boas ações, que penetra e sente a essência das coisas, que entende a globalidade da vida e domina a si mesmo tem lucidez suficiente para afastar-se de todo desejo. E assim procedendo, torna-se cada vez mais racional e chega ao estado de renúncia voluntária. Torna-se um altruísta de verdade, tem tranqüilidade de espírito e expressa essa atitude na forma de humildade e resignação consciente em prol de si mesmo, de uma causa ou de seu semelhante. Torna-se, pois, caritativo, na melhor acepção da palavra, com plena dedicação aos pobres e necessitados, sacrificando-se, assim, pelos seus semelhantes. A criatura renunciada passa a ver a si mesmo em todos os seres e a considerar como seus todos os sofrimentos do mundo. Nesse estado de graça, absorve todas as angústias de que toma conhecimento, como se ela própria fosse a vítima. Sua visão é a de preencher os sofrimentos alheios com zelos e cuidados como se fossem destinados a si mesmo.

        O renunciado, mesmo quando privado de toda a alegria que pudesse ter, bem como de todos os bens materiais que pudera acumular em toda a sua vida, desfruta de uma ventura quase completa, é uma criatura feliz, desfruta de uma calma muito grande e de uma paz de espírito inabalável. Nele, todos os desejos se apaziguaram e sua serenidade íntima transcende o seu semblante e irradia-se por todos à sua volta. O único desejo que possui é o de prestar ajuda a quem precisa, espontânea e convincentemente. Ele possui a firmeza de vontade voltada para o bem comum, e sublima em suas ações, em benefício alheio, todo o vigor espiritual de que é dotado.

        Somente as criaturas dotadas de grande amor ao próximo, a quem ama mais do que a si mesmo, capazes de se esquivarem ao ódio e às injúrias alheias, podem se compenetrar do valor da renúncia e praticá-la, no seu dia-a-dia, com espontaneidade em prol dos mais pobres e sacrificados. Mas também podem e praticam a renúncia em favor de si mesmas, desapegando-se dos bens materiais e desprezando toda a vaidade e a vanglória do mundo. Não dão valor algum às honrarias, por saberem que são efêmeras, embora encerrem e representem um reconhecimento pelas suas nobilíssimas ações. Carregam no seu íntimo o real sentido da vida verdadeira, da fraternidade universal. Aguardam com segurança o fim de sua vida terrena, não temendo a morte, esperando com serenidade, livrarem-se das ilusões da vida terrena e das peias da matéria.

        O renunciado tem uma convicção, uma segurança inabalável em si mesmo e, em tudo o que faz, faz de alma lavada, sem subterfúgios ou hipocrisia, confiante e, com o espírito fortificado pela causa que defende ou abraça, não se sente subjugado por coisa ou força alguma que possa lhe opor resistência e enfrenta com denodo as mais duras privações para realizar o trabalho a que se propôs. Banhado de humildade verdadeira, leva uma vida austera, séria e simples. Dotado assim de tanta força espiritual não lhe faltam seguidores dedicados e honestos que com ele comungam, apoiam a sua causa e a levam a bom termo. Essa polarização consagra o renunciado que trabalha pela comunidade, pelas grandes causas e campanhas, ao mesmo tempo que realimenta as suas forças para prosseguir sempre e sempre no seu trabalho.

        Não se deve confundir o renunciado com a criatura caridosa. Esta, quase sempre, procura a louvação pela caridade que faz, pede aprovação da sociedade, a quem faz questão de exibir-se como benevolente ou beneficente. Muitas vezes, o falso caridoso utiliza recursos amealhados ilicitamente através de rapinagem, falcatruas, tramóias e corrupção de toda espécie. Pretende, com as migalhas que distribui, salvar as aparências e até “salvar” a sua alma. Pensa, assim, comprar o céu para não ir para o inferno. Esse, é um tolo sem o saber!

        Ao longo de toda a História da Humanidade passaram grandes vultos, respeitados pelo seu espírito de renúncia e abnegação, ficando registradas as nobres causas por que se bateram. No passado remoto, Buda e Jesus foram exemplos edificantes que abraçaram grandes causas renovadoras de costumes, cujos princípios morais perduram até os nossos dias e, certamente, hão de se projetar para o futuro.

        Recentemente, o mundo perdeu um grande vulto, na figura de Madre Teresa de Calcutá, uma valiosa alma, missionária, que dedicou sua vida a socorrer os pobres e famintos da Índia, o mais edificante exemplo de renúncia de nosso tempo, recebendo honras de Estado durante suas exéquias, as mesmas prestadas a Gandhi, o libertador da Índia, há mais de cinqüenta anos, pela sua luta contra a fome e pela unificação daquele país.

        Vontade inabalável de servir ao próximo, nas condições mais adversas, encontramos em Albert Schweitzer, alemão nascido em 1875 na Alta Alsácia, hoje território francês, e desencarnado em 1965, em Lambarène, no Gabão – um dos mais atrasados países da África Equatorial. Filósofo e teólogo, foi também um musicista completo, admirador de J. S. Bach, a quem dedicou uma obra de grande repercussão em seu tempo. Em 1905, Schweitzer resolveu tonar-se médico missionário, para dedicar-se ao trabalho filantrópico, formando-se em Medicina em 1913. Com sua mulher, Helène Bressiau, que imbuída dos mesmos ideais tornara-se enfermeira para acompanhá-lo em sua gloriosa missão, foi para Lambarène, Gabão, onde grassava uma epidemia de lepra. Lá construiu o seu hospital com os próprios recursos e com a ajuda dos nativos e passou a dedicar o resto de sua vida a minorar o sofrimento dos seus semelhantes, trabalho este que se intensificou a partir de 1924, agora já com a ajuda de muitos donativos individuais e de instituições filantrópicas. Em 1963, seu hospital tinha 350 leitos, dos quais 150 destinados ao tratamento de leprosos, coroando o êxito de seus abnegados esforços. Esse benemérito missionário da saúde e do bem recebeu o Prêmio Nobel da Paz, em 1952, pelos seus esforços e dedicação à humanidade. Deixou várias obras escritas, destacando-se Philosophy of Civilization, publicada em 1923, em que lançou as bases de sua filosofia pessoal de "reverência pela vida", que fundamenta um princípio ético a todas as coisas vivas. Assim, com seu meritório trabalho, legou-nos exemplos marcantes de humildade e dedicação ao próximo, verdadeiro renunciado do conforto que poderia ter desfrutado no meio em que vivia.

        No Brasil, também recentemente, tivemos a morte do socialista Betinho, acometido da mais terrível doença do século — a AIDS, contraída durante uma transfusão de sangue por ser hemofílico. Nos últimos anos de sua vida, jamais desistindo de viver, organizou e conduziu uma grande cruzada nacional para sensibilizar todos os brasileiros para o combate a essa doença, desdobrando as suas ações, também, em auxílio aos pobres e socialmente desamparados.

        São três exemplos de renunciados e abnegados de nosso tempo que, também, passarão às paginas da História para serem reverenciados pelas gerações futuras.

 

A saudade

        A saudade é um sentimento positivo, porque ela nos traz à mente as boas lembranças do passado. Não se tem saudade do presente e, muito menos, do futuro. Tudo quanto vivemos no passado ficou registrado em nossa consciência e constitui a nossa memória atual. Fatos e situações das mais diversas, boas e más ações ali estão guardadas como se fossem fotogramas de um filme cinematográfico ou de uma fita de videocassete.

        A saudade, quando revela um sentimento muito forte nos comove, trazendo as mesmas emoções vividas naquele instante passado, provocando prazer ou dor, conforme a emoção predominante que sustentou o episódio a que estamos nos religando.

        É fato concreto que nossa vida é feita de fragmentos que se sucedem, dando a impressão de continuidade. Estes fragmentos constituem-se de quadros e cenas que se completam. Às vezes, basta nos lembrarmos de um único quadro, que poderia ter ocupado uma fração de segundo, para vir à tona toda a história a ele associada, reconstituindo cenas e mais cenas. Quanto mais forte for o episódio vivido, tanto mais forte ele retorna à superfície da mente.

        A saudade é o nosso passaporte para o passado de nossa vida atual. Ela nos transporta às cenas de nossas lembranças que marcaram momentos de nossa vida com entes queridos ou situações que nos proporcionaram, de alguma forma, sentimentos de alegria, prazer e êxtase.

        É bom ter saudades de alguém. Isso nos religa àquela pessoa que as circunstâncias da vida afastaram de nosso convívio, seja no espaço, pois ainda vive, mas em outro local, seja no tempo, se já falecida. Neste último caso, não devemos concentrar doentiamente nossa atenção na pessoa para evitar que prejuízos de ordem espiritual nos atinjam. Mesmo no primeiro caso, quando decorrido muito tempo de nosso último contato e não se sabe se a pessoa ainda está viva, pela mesma razão antes referida, deve-se evitar concentrar a atenção na pessoa querida.

        Embora a saudade nos traga lembranças queridas e desejadas, não devemos viver com a mente sempre voltada para o passado. É preciso viver o aqui e agora, isto é, o presente, de forma adequada, para preparar o nosso futuro, cumprindo com nossas obrigações morais e espirituais, empenhando-se a criatura no propósito de sua evolução.

        Sentimentos de saudade qualquer que seja a motivação que os deflagrou, são por natureza espontâneos e não devem ser “freados” ou controlados, mas deixados fluir de forma natural até que se completem. O que não se deve é doentiamente provocá-los a ponto de se transformarem em dor, choro ou outro sentimento negativo qualquer. Sendo um sentimento elevado e muitas vezes, até sublime, deve ser entendido como um “alimento” para o espírito e, como tal, sublimado.

        Grandes amores, quando perdidos, suscitam grandes saudades, mas o passado não se modifica e, portanto, é inútil ficar martelando atos, cenas e presença que já se foram. O que devemos é tirar lição das falhas cometidas e bem aplicá-las em nossos atos e atitudes no presente e no futuro.

        Há lembranças e reminiscências de nosso passado que nos levam a ter saudades, como por exemplo de fatos, coisas e lugares de nossa infância e que, às vezes, retornam a nossa mente em ocasiões de reflexões isoladas ou em grupo, quando encontramos antigos amigos e companheiros que não víamos há muito tempo. São as boas lembranças da meninice ou da juventude ou mesmo de lugares distantes onde vivíamos e que os anos não trazem de volta, tão magnificamente revelados pelo poeta José Marques Casemiro de Abreu, nesta estrofe que inicia o seu poema “Os Meus Oito Anos” [ABREU, 1979, p. 28].

 

        “Oh! que saudades que tenho

        Da aurora da minha vida,

        Da minha infância querida,

        Que os anos não trazem mais!

        ..............................................”

 

        Cada pessoa tem o seu álbum de saudades e aquele que vem vivendo de forma honesta, cumprindo seus deveres com satisfação, sempre encontrará e se deliciará com os momentos de saudade que vier a ter. Se forem muitos, é sinal de bom viver, mas se forem escassos é preciso evoluir...

 

A serenidade

        A serenidade é um atributo do espírito e, portanto, tem um nível superior. Nem todas as pessoas a conquistam, porque poucas são as que se esforçam na compreensão e no domínio de si mesmas pela autodisciplina. Sendo uma qualidade, ela exerce domínio sobre as influências que perturbam a autoconfiança e o desenvolvimento natural da personalidade. Ela não pode ser obtida senão pelo exercício contínuo, tendo como suporte as forças morais, intelectuais e até mesmo físicas de cada um de nós.

        É preciso ter vontade e habiidade para repelir grande parte das tendências impulsivas que nos acometem. A falta de serenidade é visível nas pessoas agitadas, naquelas que se comunicam com gestos exagerados de impaciência, gesticulando-se e agitando-se numa fogosidade inoportuna, desperdiçando suas energias ao invés de manterem o domínio que emana de suas forças mentais. Essa agitação é o preço alto que pagamos à preguiça, à indisciplina e aos maus hábitos inconscientes. A serenidade é o sentimento regulador dos ímpetos instintivos, das emoções passionais e até mesmo dos movimentos automáticos ou ditos inconscientes. Os indivíduos agitados não persuadem e demonstram fraqueza, transmitem idéias obscuras, insegurança e irritação nervosa.

        A serenidade é adquirida pela inteligência e pela capacidade de se exercitar física e espiritualmente e obter o necessário equilíbrio na apreciação dos fatos e no comportamento do indivíduo no convívio com seus semelhantes. Reconhece-se a superioridade do homem na facilidade com que transforma a intenção do ato espontâneo em ato voluntário, determinando para este mais realidade e menos casualidade. Em outras palavras, é preciso bem pensar e dirigir nossos pensamentos à realização de objetivos e metas que conduzam ao Bem.

        Para desfrutar de maior serenidade é preciso deixar nossos músculos em completa lassidão, isto é, mantê-los descontraídos e bem relaxados, libertando também, toda e qualquer tensão de nossos nervos. Para afastar qualquer irritação causada por alguma ocorrência desagradável, devemos respirar profunda e ritmicamente várias vezes. Não devemos nos vergar sob o peso de recordações desagradáveis e dolorosas; antes, pensemos em tudo que for agradável e inspirador. Quanto mais disciplina pudermos manter em nossos atos, menos estimulado estará o nervosismo. A serenidade é, também, a liberdade do corpo: quando este está tenso dificilmente poderá a mente escolher as expressões que dão vigor ao pensamento.

        Quantas vezes, diante de situações penosas e indesejáveis, perdemos nossa calma! O indivíduo que conquistou serenidade nunca perderá a calma, qualquer que seja o tipo e a intensidade da provocação. Saberá se conduzir sempre altivo, altaneiro, sem ostentação e, portanto, despido de qualquer sinal de egoísmo ou vaidade. Por isso, sentir-se-á seguro e aguardará que seu oponente ou provocador esgote todo o seu palavrório e descarregue todas as suas emoções descontroladas para, então, compreender, interceder e retrucar com paciência, procurando anular os destemperos recebidos. Não quero dizer com isso que o indivíduo sereno aceite ofensas e fique calado, ocasião em que terá que rebater com firmeza os acintes recebidos. Sua serenidade se imporá, automaticamente, pelo respeito que causa, desarmando seus detratores e oponentes.

        A serenidade impõe respeito em qualquer situação difícil, mesmo nos casos de altercação dos ânimos, concorrendo favoravelmente para separar uma eventual briga que, se prosseguisse, poderia causar males maiores.

 

A simplicidade

        A simplicidade é um sentimento muito positivo, vista como uma atitude ou estado de atuação da criatura, que pode ser temporária ou permanente. Não se deve confundir criaturas simples com pessoas simplistas e indivíduos simplórios que nascem e morrem como tais. Os simplistas simplificam tudo, deixando de considerar elementos importantes na solução de problemas. Já os simplórios deixam-se enganar com facilidade, são ingênuos, papalvos e tolos. Não há quem não tenha na vida, pelo menos uma vez, passado por simplório e, disso, lembra-se normalmente com pesar.

        Observe que os simplistas procuram simplificar as soluções dos problemas que se lhe desafiam. Em geral, são inteligentes, podendo ser mentalmente preguiçosos. Já os simplórios possuem fracos dotes espirituais e intelectuais.

        Os simplórios, de regra geral, apresentam deficiências mentais; seu Q.I. (coeficiente de inteligência) é baixo, mas não chegam a ser um imbecil ou idiota. São lentos no raciocínio e, se possuírem bons sentimentos, são trabalhadores dóceis e aplicados. Já os de índole perversa são impulsivos e até coléricos, facilmente manipuláveis para o mal. Estes constituem o grupo dos anti-sociais, delinqüentes incorrigíveis, reacionários, sugestionáveis e criminosos. Não conseguem formar juízo correto sobre coisas simples, falta-lhes a boa lógica das idéias e pensamentos, são primitivos ou primários em quase tudo. Não possuem sentido adequado de ética e mesmo de estética. Não enxergam o verdadeiro sentido das coisas e, não raro, agem como crianças de dez a quatorze anos.

        É difícil aos simplórios penetrar no âmago das coisas e dos fatos; por isso, normalmente, impressionam-se apenas com a exterioridade, com as aparências. Daí, serem desprezados ou normalmente enganados por toda espécie de espertalhões que lhes passam, com freqüência, verdadeiros “contos do vigário”. São, por isso, presas fáceis dos vigaristas. Basta isso para caracterizar os simplórios.

        Já os simplistas, normalmente inteligentes e dotados de alguma cultura, pretendem saber de tudo, são verdadeiros “sabe-tudo” ou sabichões. Pretendem conhecer de quase tudo: religião, sociologia, política, medicina, direito, música, dança, artes em geral, ciência e outros ramos do conhecimento, sempre adotando critério unilateral e pouco profissional. Passam adiante suas idéias e conclusões sem senso crítico, sem critério algum. Opinam sobre tudo, falam demasiado e dizem pouco que se possa aproveitar. Vociferam verdadeiras tolices e, raramente, percebem o ridículo de suas idéias. Mas, são exclusivistas ao apresentá-las, não tolerando a crítica por serem unilaterais.

        Os simplistas não se dando ao bom uso do raciocínio aceitam e acatam quase tudo que lhes é apresentado, mesmo coisas e fatos triviais sem qualquer análise, principalmente e sobre tudo que envolva tradição como religião, crenças de qualquer tipo: religiosas, políticas ou econômicas. Estes tipos são encontrados em todas as classes sociais e institucionais, entre cientistas, religiosos, políticos e entre o comum dos mortais. Transformam as coisas e problemas complexos em simples e, com isso, enganam-se pela aparente singeleza. São arraigados às suas idéias e, por isso, não as abandonam por outras melhores. Não abrem as janelas de suas mentes ao avanço e progresso social, científico e espiritual. São acomodados.

        Os simplistas são, de regra geral, introvertidos, por vezes neuróticos e apegam-se com facilidade a crenças e superstições de todo tipo: não passam debaixo de escadas, têm medo de gato preto, não toleram o número treze, enfim, têm medo de quase tudo que na mente de grande parte das pessoas cultas ou não, se transformou em símbolos da crendice humana tais como: amuletos, talismãs, duendes, horóscopos, sexta-feira 13, lobisomens, despachos, feitiços, macumbas, enfim, uma lista enorme, explorada por cartomantes, quiromantes, ciganas, macumbeiros e pais-de-santo. São preguiçosos mentais.

        Outras vezes, os simplistas engrossam as fileiras dos intolerantes e papalvos que, morbidamente, com paixão, tornam-se partidários de ideologias cretinas, colocando-se pró ou contra a marcha do progresso das sociedades e civilizações. É o caso dos pró ou contra o divórcio, pró ou contra determinada medida política, pró ou contra os sem-terra e assim por diante, sem qualquer lógica ou análise crítica dos valores envolvidos. Aferram-se às suas idéias e fazem “marchas” e “paredões” de protesto nas grandes cidades, muitas vezes até mais para aparecer na mídia do que pela convicção de suas idéias.

        Há, ainda a considerar, a simplicidade dos que acreditam em milagres e nos santos milagreiros como Santo Antônio, o santo casamenteiro, ou em santas que choram lágrimas de sangue. São todos, com certeza, enganados em sua “santa” boa-fé.

        Com o progresso da ciência e da tecnologia aplicada a todos os ramos da mecânica, da medicina, da biologia, da química, da informática, dos vôos orbitais e espaciais, da robotização industrial, em que cada vez mais se torna necessário formar especialistas, ainda assim, aparecem aqui e acolá, perniciosos simplistas que se julgam catedráticos e peritos em quase tudo, aconselhando o que não sabem, verdadeiros intrujões que, com a sua vã vaidade, pretendem conhecer de tudo. É comum este tipo de criatura, que, entrevistada pelos meios de comunicação, principalmente pela televisão, se propõe a dar opinião sobre questões que jamais estudou a fundo, em ramo do conhecimento que não é o seu, não sendo, portanto, senhora da matéria apresentada.

        É, pois, preciso olhar com muito bom senso, procurar analisar com senso crítico, debaixo de rigoroso critério de cada um para não se deixar influenciar por esta “magna caterva”, que quase todos os dias estão aí, pela mídia, a vociferar idéias absurdas, estapafúrdias, a sugerir tendências que trazem proveito a eles próprios e suas instituições. Vale aqui, ainda, um lembrete contra a propaganda enganosa, que facilmente atinge a imensa população de simplórios, mesmo com a proteção da lei e de organizações de proteção ao consumidor, causando-lhes prejuízos financeiros e problemas de toda ordem.

 

A ternura

        A ternura é um sentimento altamente positivo. Ela está diretamente associada com os sentimentos de amizade, amor e fraternidade. Ternura é amor, carinho, meiguice, afago, compreensão e compaixão no trato com o próximo, sentimento que se traduz numa espécie de conluio, cumplicidade e intimidade entre criaturas. Sua força provém da pureza dos sentimentos, da franqueza e da sinceridade com que uma criatura se comunica com outra, não apenas por palavras, mas também, com gestos delicados, olhares cálidos, toques de mãos, afagos de solidariedade e de amor. Pela ternura nós nos tornamos íntimos de outra pessoa. Ter ternura é envolver-se carinhosamente com outras pessoas. A ternura é um sentimento tão envolvente que normalmente ela é devolvida, no mesmo instante, dada a sua natural reciprocidade.

        Ninguém é uma ilha, está isolado ou sozinho no mundo. Toda pessoa gosta de ser observada, apreciada, de saber que seus dons são realçados e admirados e, também, gosta de provocar desejos e sentimentos de amor, de amizade e de fraternidade. A intimidade, que decorre naturalmente da ternura, é a chave de ouro que abre corações, e predispõe a criatura às confidências e à entrega.

        Há muita ternura nas juras de amor, desde que firmadas na sinceridade de propósitos e de sentimentos puros, não egoísticos. Há ternura na mãe que amamenta seu filho, que acode prontamente quando este acorda e chora por qualquer motivo. Vêmo-la na zelosa enfermeira que cuida com todo o carinho de pacientes terminais em enfermarias e hospitais de todo o mundo. Há ternura no sorriso inocente e nas risadas cristalinas das crianças.

        Ter ternura por alguém é compartilhar quase tudo do que é seu com outra pessoa, trocando confidências, caprichos, sucessos, fracassos, tormentos e conflitos, sem haver segredo entre elas. É o sentimento de ternura, muito profundo no amor, que leva duas criaturas a se entregarem uma à outra pela confiança mútua e pela empatia que irradiam entre elas. Há uma admiração das qualidades de modo afetuoso e romântico. Cada uma tem que se sentir à vontade, desinibida, responsável para que haja ternura, para que possam falar com franqueza de suas preocupações, sem condenações, sem censura, sem críticas, mas com compreensão e aceitação completa.

        Duas pessoas são meigas entre si não porque uma preenche e satisfaz as necessidades da outra, mas sim, porque vibram com as mesmas idéias, pactuam com os mesmos sentimentos, sentem prazer em estar juntas, partilham dos mesmos gostos, apreciam as mesmas iguarias, assistem aos mesmos espetáculos, enfim, porque existe uma identificação de pensamentos, sentimentos e propósitos compartilhados.

        A ternura pede sinceridade e confiança; sem estas, não há ternura, ela não se consuma. É importante que se observe que pregar a igualdade é uma coisa, praticá-la é outra e isso faz uma grande diferença no relacionamento entre duas criaturas, principalmente no amor. Se houver uma tendência, ainda que pequena, por parte do homem, para o culto do machismo, não haverá como consolidar uma relação duradoura. O mesmo se pode dizer com relação ao ciúme, principalmente por parte da mulher, sendo este sentimento a causa que vem separando milhões de casais em todo o mundo, alterando profundamente a evolução dos seres pelos efeitos que produz na prole.

        É preciso não confundir carinho com carícia; o primeiro é um desdobramento da ternura, o segundo implica nos procedimentos que precedem ao envolvimento amoroso, pela manipulação e pelo toque de partes do corpo, com finalidade erótica. Mas, há certos gestos simples como o afagar de mãos, em que carinho e carícia se complementam para expressar a força da ternura e da solidariedade, principalmente entre as mulheres, enquanto que os homens usam o conhecido tapinha nos ombros ou nas costas para expressar a mesma coisa.

        Não se trata de se espelhar nas qualidades de outra pessoa, tentar copiar, imitar os seus sentimentos, gestos, expressões e ações. Não existem duas pessoas exatamente iguais, cada uma tem a sua própria vivência, que é o conjunto de experiências vividas, em que influíram o grau de espiritualidade de cada um, o seu ambiente familiar, a educação e as amizades. Trata-se da criatura ser ela mesma e enxergar na outra, no próximo, o mesmo direito, aceitando essa verdade com toda naturalidade. A ênfase, o foco tem que se deslocar para a vontade de servir e se dar, para os sentimentos de admiração e confiança para que a ternura ocorra. Não se trata de sentimento permanente, mas que é deflagrado em certos momentos muito especiais em que ocorre, mutuamente, grande transferência de energia, de verdadeira torrente de fluidos, vibrações essencialmente espirituais.

        A pessoa capaz de ser sensível e meiga não tem receio de expor sua ternura por alguém, porque não conhece o orgulho, já se desvencilhou dele. Não se trata de exibicionismo, de machismo ou vaidade para alisar o ego das criaturas e despertar os olhares de curiosos que estão passando ou estão por perto. Um elogio, por exemplo, pode conter um sentimento de admiração, uma grande dose de carinho e ternura, se for sincero, e, ainda assim, poderá ser recebido com desdém se não houver empatia entre ambos.

        A ternura brota da alma das criaturas de espiritualidade elevada, desprendida. Afagos e carinhos não são ações puramente materializadas; ao contrário, provêm do sentimento e da vontade, estão na compreensão de não estarem sós, firmam-se no desejo de estarem sempre juntas, de não se afastarem uma da outra, de precisarem-se mutuamente, de conviverem, de trocarem segredos e confidências, na certeza de poderem confiar sem o risco de virem a ser traídas. Essa cumplicidade é deliciosa, porque se desdobra do sentimento de ternura. Já a carícia é a materialização, a execução da ternura através dos gestos e dos toques. Pode haver carícia sem ternura, manifestada de forma egoísta por uma ou ambas as criaturas, mas a verdadeira ternura pode existir e até se manifestar sem a carícia, de outras formas, como, por exemplo, nos momentos de solidariedade e compaixão que hipotecamos às pessoas queridas, quando as vemos sofrer a perda de um ente querido. Aqui, vemos que a ternura está na atitude do gesto, embora não haja carícia ou afago.

        Aqueles que conseguem fazer a ternura brotar de seus corações, que são capazes de fazer vibrar seus bons sentimentos de bondade, solidariedade, fraternidade e amor por alguém, tanto na alegria como na dor, são criaturas de sentimentos elevados, de espiritualidade desenvolvida. Despojaram-se dos baixos desejos materialistas e dos sentimentos negativos mais nefastos, como o ódio, a inveja, o ciúme, o egoísmo e o orgulho. São pessoas felizes por comprazerem sua felicidade com o seu próximo, dando sem nada pedir nem esperar recompensas, com simples naturalidade, por prazer de viver assim. Não se deve confundir essa felicidade com a aparente felicidade daqueles que, usufruindo desregradamente da força do dinheiro e do poder, parecem mas não são felizes, no sentido mais elevado que o termo felicidade enseja. Veja o tema “A Felicidade” em outra parte desta obra.

 

A tolerância

        A tolerância é um dos sentimentos mais difíceis de se praticar em toda a sua inteireza, já que, para tanto, é necessário respeitar o modo de pensar e agir próprio de cada pessoa, mesmo quando se discorda de suas idéias e idiossincrasias. Ela é um baluarte do espírito, uma virtude que contribui fortemente para a evolução espiritual.

        Quando um indivíduo age de forma reiteradamente inconsistente e refratária à boa prática moral e à boa convivência, está criando resistência à tolerância, ou seja, o indivíduo ou grupo de indivíduos assume uma posição intolerante. Dessa forma, fica mais prático falar da intolerância e dos intolerantes que grandes males causam a si mesmos e à sociedade.

        A intolerância pode atingir milhões de pessoas que rejeitam opiniões contrárias às suas; daí, perseguirem qualquer idéia, crença ou doutrina em desacordo com a sua. Ao longo da História, rios de lágrimas e sangue foram derramados por causa da intolerância religiosa ou política. Dessa forma, a intolerância tem se mostrado nociva ao bom entendimento dentro dos lares, ao progresso humano e à paz, tornando-se motivo de discórdia e acirrados desentendimentos políticos e religiosos, causando crises e mais crises de convivência entre as nações.

        A intolerância é sustentada por algumas distorções do caráter e defeitos de comportamento, entre eles a ignorância, o egoísmo e a introversão de alguns sentimentos retrógrados. Aqueles que persistem no desacordo e no egoísmo e se arvoram como donos da verdade, que fogem de um bom diálogo e não sabem ou não querem ouvir e raciocinar sobre as novas idéias expostas por seu interlocutor, praticam a intolerância consciente ou inconscientemente. Também, os tiranos e donos do poder, que abusam deste para impor suas idéias, métodos e pontos de vista, sem o devido debate com a opinião pública, praticam a pior intolerância, já que aqueles que tiverem a ousadia de se lhe oporem, enfrentarão grandes perseguições e dificuldades para continuarem livres, principalmente em regimes totalitários.

        O ditado popular que diz que “o pior cego é aquele que não quer ver” aplica-se perfeitamente à grande maioria dos intolerantes, demonstrando na maioria das vezes falta de inteligência ou de discernimento, quando não, de má vontade e caturrice.

        Na educação dos filhos, nos lares de todo o mundo, a intolerância dos pais é uma pedra no caminho para o desenvolvimento da personalidade e da evolução espiritual das crianças.

        Os instintos egoísticos podem insensibilizar os pobres de espírito e a intolerância deles resultante pode impedir a espontaneidade e o desenvolvimento de muitas criaturas, principalmente das mais tímidas.

        Por não concordarem com as idéias e atos de seus interlocutores falta a muitos intolerantes a capacidade para suportar as suas opiniões, expansões e atos, contrapondo-se com teimosia, em vez de fundamentá-las com argumentos lógicos e fortes. Quando dominados pelo egoísmo, muitos intolerantes só vêm o próprio interesse, o que lhes apraz. Suas razões são estreitas e mal fundamentadas, já que são incapazes de um gesto sequer de compreensão e predisposição para mudar os seus pontos de vista.

        Em princípio, o intolerante age em desrespeito ao direito alheio, atropelando até mesmo aquilo que poderia ser um bom diálogo, falando e atrapalhando o entendimento, quando deveria ouvir primeiro antes de retrucar. Como julgam estarem sempre certos e donos da verdade, obstinam-se em não ouvir os que deles discordam. Freqüentemente, levantam a voz para fazer valer a sua opinião sobre qualquer outra; enfim, além de tentarem impor suas próprias idéias, tentam sufocar as idéias alheias. Tais indivíduos só vêem as suas idéias, as suas crenças, as suas causas, as suas opiniões e utilizam-se de artifícios para “levarem a melhor”. Em geral, são ranzinzas, mal-humorados, birrentos, manhosos e turrões. Para poder fazer valer suas opiniões são capazes de perder a cabeça, para não perderem a razão que julgam ter. O intolerante, incapaz de ser reto, leva tudo e a todos de roldão, já que a honra ou até mesmo a vida de seus semelhantes nada valem para ele.

        A intolerância e a ignorância são irmãs siamesas, inseparáveis uma da outra. Renega-se tudo pelo prazer de discordar ou por ignorância mesmo. É preciso repudiar e rechaçar o misticismo enganoso pregado por grupos católicos e protestantes que nada contribuem para engendrar a convicção nas criaturas. E o que isto quer dizer? Nada mais, nada menos que: a preguiça e a falta de raciocínio levam as criaturas a aceitarem “verdades” montadas para enganar a humanidade. Esta passividade dos medíocres, que atravessam a vida como fieis “cordeiros” e ingênuas “ovelhinhas”, é o caldo de cultura ideal em que medram, em todo o mundo, mais de 8000 crenças, seitas e religiões exploradoras de todo tipo de crendices, “mistérios” e dogmas criados para mantê-las escravizadas aos seus falsos mandamentos.

        É portanto necessário praticar e desenvolver a tolerância. Para isto, basta utilizar a inteligência e a vontade forte e equilibrada, direcionadas para o bem. O bom uso da inteligência afasta a criatura da escravização aos preconceitos e ao misticismo e a vontade forte e equilibrada serve para moderar os seus pensamentos e respeitar o direito e o pensamento alheios. Para isso, é preciso resistir aos impulsos de se contrapor, de imediato, às idéias alheias. Evite pois, reagir ao primeiro impulso; ouça primeiro, raciocine e entenda antes de retrucar ou criticar.

        Mas, em alguns casos muitos especiais, pode-se admitir a intolerância e, até mesmo, louvá-la. Por exemplo, muitos renovadores e sábios, em todos os tempos, por insistirem em suas idéias e ensinamentos encontraram a resistência dos preconceituosos. A insistência e a firmeza com que cientistas e filósofos defendem suas idéias trazem grandes inovações nos campos das ciências, artes, música, enfim, em todos os campos do saber humano, levando avante o progresso do nosso mundo.

        Admite-se, ainda, a intolerância para defender o espírito das leis, dos princípios e fundamentos de nossa sociedade, plasmados na Constituição de cada país moderno e democrático e assim, formar uma frente única contra a violência, o terrorismo, o vandalismo e demais iniquidades morais. Juízes, magistrados e representantes do povo têm, por dever de ofício, de serem intolerantes toda vez que a integridade daqueles princípios corre um risco de rompimento iminente. É preciso combater o vício, as drogas, o erro crasso, as arbitrariedades e a corrupção. Aqui trata-se, na verdade, mais de atos de coragem moral do que de intolerância.

        O termo tolerância tem tão relevante importância que grandes autores trataram do assunto. Voltaire escreveu Tratado sobre a tolerância (1763), importante obra em que combateu a rotina, o fanatismo e o despotismo da época. Nesta obra, ressaltou que a falta de discernimento e deficiência intelectual não permitem que a criatura analise as razões alheias com isenção de ânimo.

        Todo homem deve praticar a tolerância, embora nem todos sejam bem dotados para este mister. Mas, pelo menos, devem considerar-se advertidos e “vacinados” contra os grandes males que a prática da intolerância causou e vem causando ao progresso humano, como aconteceu nas negras noites da História, na época dos grandes inquisidores Torquemada e Ximenes. Basta citar que, na noite de São Bartolomeu, em 24/08/1572 e nas que lhe seguiram, a intolerância religiosa sacrificou, na França, sob a conivência do rei Carlos IX e da rainha Catarina de Médicis, a vida de mais de 30000 pessoas!

        No âmbito individual, há os que se opõem a tudo, verdadeiros ranzinzas, birrentos e rabugentos, para os quais nenhum esforço de tolerância parece dar resultado. Se não houver vínculo familiar, que, por razão do amor e do dever exige dos responsáveis a convivência diária sob rigorosa disciplina com compreensão e amor no trato das questões, o melhor a fazer é afastar-se de tais criaturas.

        Finalmente, embora tratando-se de casos menos complexos, é doloroso constatar-se que a intolerância nos lares de todo o mundo, em todas as classes, bem como nas escolas, nas fábricas e nos escritórios, assume verdadeiros casos de dissensão e excitação causados pela exaltação dos ânimos, que pode passar da verborréia às vias de fato.

        É óbvio que a convivência familiar exige maior dose de sacrifício de cada um, em que a prática da tolerância reverte em proveito próprio, para maior evolução espiritual do ser.

 

O triunfo

        O triunfo não é propriamente uma emoção, mas o resultado do profundo empenho a que o ser humano se dedica para obter aquilo que veementemente deseja conquistar na vida. O triunfo é o coroamento do esforço e suprema dedicação.

        O verdadeiro triunfo sempre produz resultados duradouros; é aquele que dota o homem de maior capacidade para servir e ampliar sua ação benfazeja. Devemos triunfar sempre como seres superiores, eqüitativos, justos e construtivos. Ele é mais, muito mais que simples destaque, normalmente de natureza egoística sobre o seu semelhante, razão por que não devemos nos deixar levar pelo triunfo que escraviza o triunfador, pisoteia e massacra o seu semelhante. Tal triunfo nos humilharia e degradaria.

        A humanidade atribui muitos sentidos à palavra triunfo: desde o galanteador que triunfa sobre seus rivais para conquistar sua namorada, outros, na conquista de grandes honrarias e vitórias conseguidas pelos grandes generais e marechais das guerras, até os cientistas, cujas descobertas podem trazer e, freqüentemente trazem, grandes benefícios à humanidade. Esta lista de exemplos de triunfos poderia se estender exaustivamente.

        Ocorre triunfo ilusório quando a criatura oprime seus semelhantes, causando-lhes aflição e sofrimento para alimentar a vaidade ou o sentimento de poder que muitos se orgulham egoisticamente de ter. Trata-se, na verdade, de verdadeira derrota.

        O bom triunfo é aquele obtido com esforço, dedicação e garra em quase todas as atividades da vida, onde a competitividade é regra geral. Assim é num concurso, numa polêmica, num vestibular, em que triunfa quem consegue superar todos os outros. Aqui está em jogo, na disputa ou competição, a capacidade de cada um. Esta é a boa luta, o bom combate, que estimula o vencedor a alcançar novas e diferentes vitórias. Assim, triunfar é ser vitorioso em seus projetos.

        Erra aquele que pensa que triunfar é apenas alcançar uma determinada meta e nela estacionar, comemorando os louros da vitória. Uma meta nunca é a final; diante dela há outras e mais outras, isto é, vários degraus que no conjunto estão a exigir da criatura a continuidade de novos cuidados e esforços. É o caso dos profissionais liberais que têm que atualizar seus conhecimentos, reciclá-los constantemente para acompanhar o progresso das ciências e das técnicas, especializando-se sempre para melhor exercer seus misteres.

        Acerta aquele que considera o triunfo como realização do que se propôs a alcançar, sem arrefecer a disposição e o interesse de continuar triunfando sempre que as sucessivas metas vão se modificando. Tal ação caracteriza a persistência. Com este conceito em mente, triunfar é lutar, vencer e progredir.

        Para melhor triunfar é preciso conhecermos a nós mesmos, nossa constituição, nossas potencialidades, nossos atributos, nosso modo de ser e atuar, enfim, termos plena confiança em nossa capacidade de realização. O triunfo depende da criteriosa utilização de tudo isso. Nossas reservas são incomensuráveis e a força espiritual, inesgotável. Para triunfar basta conscientizar-se que as ações que a criatura empreende são dignas, isto é, que atendem a um propósito elevado, que o sucesso e a vitória virão com certeza.

        Há muitos exemplos na História de muitos povos de pessoas que, depois de terem passado por fracassos e mais fracassos, reagiram com sua forte força de vontade, invocaram suas potencialidades latentes e acabaram por triunfar. Mesmo assim, o triunfo de muitos só é reconhecido muito após a sua morte, por futuras gerações.

        Um triunfo construído apenas sobre coisas e bens materiais é efêmero; o dinheiro ganho com esforço físico e mental, com persistência, pode nos dar o pão, mas não alimenta o nosso espírito que continua faminto de conhecimentos e saber. Ou seja, a personalidade e seus atributos não se desenvolvem apenas com dinheiro, honrarias e distinções, mas requer a participação da consciência, vontade e conhecimento.

        O desenvolvimento de nossa personalidade, de nosso “eu consciente”, tem que ser obra de nós mesmos. É preciso moldar o caráter, para que ele seja glorioso e não humilhante, magnífico e não repulsivo, superior e não inferior. Para isso, precisamos investigar com seriedade o que somos, o que desejamos, o que necessitamos, de onde viemos, para onde vamos. É necessário que estabeleçamos parâmetros de aferição e comparação, onde o pensamento racional sobreponha-se ao pensamento emocional e místico. É necessário que corrijamos nossas falhas, que esmiucemos tudo, que analisemos criticamente cada pormenor, que revigoremos nossas virtudes, enfim, que pautemos nossa vida segundo os princípios morais e cristãos.

        Se assim procedermos, o triunfo e o sucesso serão comuns, naturais, em tudo a que viermos fazer e empreender. Nossas vidas se enriquecerão e ganharão sempre mais vigor, mesmo quando na velhice, o corpo começar a dar sinais que está definhando. E, então, você verá que valeu a pena viver!

 

O valor

        O homem não sabe viver sem dar valor àquilo que criou ou que já tem ou que ainda vai adquirir. O conceito de valor resulta do conteúdo ou da qualidade de uma coisa, de um objeto ou de uma idéia e é inato no indivíduo. Já que a palavra valor se presta a um sentido muito amplo, esclarecemos que estamos tratando aqui do valor no sentido de valorar, isto é, emitir juízo de valor, ponderar, bem diferente do valor que denota o caráter e o grau de espiritualidade das criaturas. O conceito que estamos desdobrando aqui está diretamente ligado ao conceito do que é útil ou inútil e do que tem ou não qualidade. Embora seja um conceito de ordem material, ele se aplica, também, ao plano das idéias e pensamentos e ao próprio plano espiritual, desde que seja mudado o enfoque. Vamos introduzir também o conceito de autêntico, que é mais direto e fácil de assimilar, mas o mesmo não pode ser dito sobre o seu conteúdo, pois este implica em saber distinguir o falso do verdadeiro, o joio do trigo.

        Materialmente falando, se desejarmos adquirir um objeto ou um bem, como por exemplo, uma jóia ou um carro, ambos usados, teríamos que submeter ambos à avaliação de um profissional especialista, joalheiro ou mecânico, conforme o caso, para que o seu real estado de conservação, qualidade e outras características intrínsecas sejam verificadas. Estas avaliações levam em conta, ainda, a confiança que depositamos nos referidos especialistas. Afastado o grau de incerteza, criamos coragem e realizamos o negócio. Veja que aqui entrou o fator confiança, tema tratado em outra parte desta obra.

        No plano das idéias não é tão simples assim, devido ao grau diferenciado de conhecimentos, cultura e espiritualidade de cada criatura. Precisamos usar discernimento e bom senso para avaliar ou valorizar idéias, sugestões, comentários, recomendações, conselhos, ensinamentos, propostas, propaganda difundida pela mídia, notícias e toda a parafernália de informações técnicas as mais variadas. Precisamos saber avaliar, ou seja, atribuir juízos de valor a tudo o que se lê, que se fala, que se ouve, para não sermos atropelados por inverdades e tolices e não sermos enganados pelos espertalhões que pretendem vender gato por lebre. E por que avaliar ou valorizar? Para sabermos se são autênticos, se possuem real valor e utilidade, se merecem ser aceitos, se são merecedores de fé ou confiança, se têm mérito ou demérito. Vamos nos ater, neste tema, na comunicação das idéias, na divulgação de ensinamentos através da explanação oral, na persuasão e aceitação da palavra escrita ou falada.

        O hábito de elaborar superficial e imperfeitamente as idéias tira-lhes toda a força e brilho e enfraquece o sentido e o sentimento como são aceitas ou recebidas, devido ao grau de incerteza que gera na mente do leitor ou do ouvinte. As idéias e princípios morais e doutrinários precisam ser explanados em seu conceito e conteúdo, de uma forma autêntica e permanente, realçando o seu valor real e intrínseco. É preciso mostrar o seu valor definitivo, duradouro, bem diferente das mensagens levadas aos consumidores, estes mais preocupados com o brilho das aparências e da ostentação do que com a realidade da vida.

        Precisamos nos esforçar mentalmente para evitar o pensamento superficial, pueril, insignificante, sem importância, que nada pode contribuir para a formação de idéias persuasivas de real valor. Não se trata de usar recursos lingüísticos da eloquência dos grandes oradores, mas de exercícios que levam à simplicidade convincente da linguagem comum. Persuadir é a arte de convencer. É fazer com que nossos leitores ou ouvintes aceitem o que lhes estivermos comunicando, de forma transparente e clara. É a clareza que prende a atenção e estimula o raciocínio do leitor ou do ouvinte. As frases e sentenças podem ter elegância e esplendor, sem contudo deixarem de ser simples, ao alcance do entendimento de qualquer criatura.

        Para persuadir, é preciso influir na disposição de nossos semelhantes, captar-lhes o interesse e a confiança e conseguir sua aceitação aos nossos argumentos. Para que sigam nossas sugestões, nossa exposição precisa ser sincera, fraterna e verdadeira, além de ser orientadora e de utilidade prática. É preciso elaborar as idéias com todo cuidado, escolher a palavra adequada a cada caso, não ser displicente, mas sim ardoroso e polido. Polir as idéias, escolher as expressões simples e de valor, exprimir nossas intenções com clareza causam admiração e aplausos. Falar todos sabem, mas poucos são os que pensam e falam o que pensam aberta e arrebatadoramente. Isso é conseqüência do refrão popular que diz que “ninguém pode dar o que não tem”, significando que ninguém pode ensinar o que não sabe. Se houver carência de idéias, incerteza por parte de quem está falando e repetição desnecessária de expressões, os efeitos no leitor ou no ouvinte serão negativos. São de autor desconhecido as seguintes palavras que sintetizam uma grande verdade: “As grandes mentalidades falam de idéias; as medíocres discutem coisas; as pequenas ocupam-se em falar da vida alheia”.

        Tudo na vida tem o seu significado, já que nada acontece por acaso. É preciso saber decifrá-lo e tirar proveito de seus ensinamentos. É preciso educar e aguçar a nossa sensibilidade para apreender e ler nas entrelinhas, perceber e penetrar além das aparências, para captar tudo o que for animador, belo e agradável. Precisamos nos dar ao hábito de pesquisar e inquirir, fazer perguntas sobre o porquê das coisas e dos fenômenos, examinar as circunstâncias, verificar o fato gerador ou a causa de tudo quanto experimentamos. Assim procedendo, estaremos sempre aprendendo e evoluindo ao mesmo tempo em que estaremos mantendo o nosso espírito ocupado, aguçado, confiante e vigoroso.

        Estará usando os recursos da persuasão quem procurar expressar suas idéias com sentimento e animação, aquele que tiver certeza de que as suas conclusões estão bem fundamentadas e procurar dar a elas um cunho de autenticidade e originalidade. Não se deve tornar-se demasiadamente repetitivo, a não ser para acentuar pontos essenciais.

        Procure desenvolver o seu tema de forma clara, direta e compreensiva. Na exposição de seus pensamentos procure evitar o sarcasmo e a ironia que tanto humilham as pessoas. Ao contrário, procure ser simpático e cortês a quem suas palavras são dirigidas. Lembre-se sempre que as simpatias conquistadas caem por terra ao menor sinal de humilhação e desdém e as conquistas conseguidas jamais serão duradouras.

        Desperte sempre o interesse e a atenção do leitor ou do ouvinte com o desejo de beneficiá-lo com sua obra ou preleção, realçando as idéias, os conceitos e seu conteúdo. Cite exemplos pertinentes, faça comparações, sirva-se de metáforas, mas interprete tudo. Jamais seja prolixo ou rebuscado. Quanto menos complicada sua explanação ou texto, mais fácil de prender a atenção. Convença-se de que não é fácil saber ouvir, escutar com atenção, sem distração. Por isso, repetimos, a linguagem tem que ser simples, direta e clara, bem concatenada e, de preferência, usando frases curtas.

        O uso de nossa capacidade de persuasão tem, portanto, um cunho todo individual, próprio de cada criatura, não cabendo imitação. Cada um tem que achar o seu jeito próprio de expor suas idéias. Mas, sempre cabem aperfeiçoamentos através de exercícios especiais e técnicas de comunicação. O que é sempre necessário é usar de toda liberdade para apresentar sua criação. Para isso, além do que já foi dito acima, precisamos de equilíbrio, bom senso e muita inspiração ou intuição. Sobretudo é preciso ser sincero. Nunca, sob qualquer pretexto, enganar alguém, porque a longo prazo estaria enganando a si mesmo.

        O bom leitor e o bom ouvinte não criarão obstáculos se o tema em exposição for de seu interesse e não exigir atenção muito além do seu alcance, se houver silêncio e respeito no recinto e o expositor tiver treino suficiente e não for enfadonho e demasiadamente repetitivo. Uma voz desafinada, estridente, ou no outro extremo, rouca demais, bem como a repetição exagerada causam desatenção e sonolência. Aí, nenhuma assimilação poderá ocorrer e a comunicação não vingará, será um fracasso.


PARTE II

SENTIMENTOS NEGATIVOS

 

A ansiedade

        A ansiedade é um sentimento complexo resultante de forças desagregadoras e perturbadoras do espírito, causadas pelas incertezas ou receios das atitudes que tomamos para vencer os problemas de nossa vida individual ou de relação com os nossos semelhantes. Trata-se de um estado aflitivo, caracterizado por um sentimento de angústia ou sufoco, a que estamos sujeitos face aos acontecimentos que nos desafiam, de tal modo que não encontramos solução imediata para eles. Ela resulta da falta de preparo espiritual, da estreiteza de nossa mente, incapaz de romper limites, “amarrada” dentro de si mesma, sufocada, sem encontrar uma saída para os problemas que, afinal, temos que enfrentar.

        Ansiedade é tormento de espírito. É aflição, cujo grito ecoa dentro de nossa alma e nos deixa pequenos diante da imensidão dos problemas a resolver. Ela atinge, principalmente, as pessoas que trabalham muito tempo ou em vários lugares durante longos períodos, sem descanso, com grandes responsabilidades sobre seus ombros, acumulando pesados encargos muito além de suas forças. São pessoas que se preocupam e procuram fazer o que é certo, são bem intencionadas, mas temem falhar nos seus objetivos. Falta-lhes, porém, a força da autoconfiança por não conhecerem a si mesmas. Por não poderem fazer tudo no tempo certo e não saberem ou não poderem delegar parte de suas tarefas para outros, sofrem muito, mas não externam seus sentimentos, seus sofrimentos; ao contrário, vão acumulando-os até que chega uma hora em que suas aflições não podem mais ser contidas e explodem a ponto de chegarem a agredir seus amigos mais íntimos, seu parceiro ou seus familiares. A sobrecarga de trabalho deixa-os arrasados, com um sentimento de impotência, por tentar abraçar tudo e não poder.

        Outra causa da ansiedade reside no perfeccionismo que acomete muitas pessoas. As criaturas que se esmeram para fazer o seu trabalho podem perceber que não conseguem acompanhar o ritmo das tarefas realizadas por outros com os quais trabalham em equipe ou em grupo. Isso as deixa frustradas, irritadiças e irrequietas, e acabam recebendo cargas psíquicas negativas difíceis de carregar ou superar. Essas criaturas precisam mudar de emprego ou se dedicarem a fazer tarefas ou coisas que não tenham exigências de tempo, mas de qualidade.

        Nas grandes cidades, uma das maiores causas de ansiedade está relacionada ao trânsito caótico e enervante. Todos querem chegar o quanto antes em algum lugar e, nesses deslocamentos, premidos por uma necessidade, por um compromisso qualquer de hora marcada, se acontecer de se atrasar, como normalmente soe acontecer, a pessoa começa a irritar-se, a angustiar-se, para dizer o menos. Aí, tenta cortar caminho, procura alternativas e não consegue avançar. Essa situação deixa a criatura aflita, com impotência de nada poder fazer, mas sua mente não aceita, rebela-se contra esses obstáculos, impacienta-se e vai acumulando energias negativas. Se acontecer de esbarrar em outro carro ou nele trombar, aí o mundo vem abaixo, sai do carro já agredindo e culpando a outra que por sua vez, tem seus próprios problemas e provavelmente estava também atrasada e já não podia cumprir o seu compromisso a tempo. É uma situação constrangedora e estressante, sofrida, agoniada, que poderá ser atenuada se houver algum acompanhante ou alguém por perto, com calma suficiente para apaziguar as partes e desarmar os espíritos. Não raras vezes, o resultado desses imprevistos leva a criatura à agressão, às vias de fato e até às tragédias mais graves.

        Outra grande fonte de ansiedade pode ser encontrada no desemprego, que desarticula a vida da criatura. Políticas econômicas de combate à inflação causam recessão e esta leva ao desemprego. A globalização da economia, pela sua inserção no contexto global, fenômeno que surgiu nos últimos quatro anos e que consiste em praticar a economia de livre mercado entre as nações, traz maiores vantagens para as que são mais ricas ou para as que dispõem de tecnologia de ponta para produzir em escala mundial, baixando os preços dos produtos aos consumidores de todo o mundo. Com a globalização impõe-se eliminar as barreiras alfandegárias e, eliminadas estas, as indústrias locais mais obsoletas acabam quebrando e dispensando seus empregados, muitas vezes até sem cobrir ou pagar-lhes a indenização devida pela dispensa. Disso resulta que grandes contingentes de pessoas têm que reduzir seu padrão de vida, muitas vezes não tendo nem como manter suas necessidades básicas mais prementes de alimentação, moradia, saúde e educação dos filhos, no caso de criaturas casadas. Criam-se, então, fortes tensões, inquietudes e desesperanças. Amarguradas por nada poderem fazer, essas criaturas tornam-se irritadiças, angustiadas e ansiosas, muitas vezes somatizando doenças ditas psicossomáticas, incuráveis pelos meios convencionais utilizados pela Medicina. A solução atenuante é procurarem aceitar outras condições de emprego, mesmo quando fora de sua área de especialização ou, então, enfrentarem novos desafios, trabalhando por iniciativa própria.

        Nos jovens, a ansiedade adquire força quando têm que enfrentar grandes desafios e competições face aos seus semelhantes. Todos aqueles que enfrentaram ou passaram por um exame de vestibular para ingressar em uma escola superior e tiveram que competir na proporção de uma vaga para dez a vinte candidatos, sabem muito bem as noites maldormidas que tiveram que passar em situações de muita angústia, quer antes e durante as provas, como também enquanto aguardavam os resultados de classificação.

        Na vida não há quem não tenha passado por grandes momentos de dissabores e ansiedades, até mesmo diante de momentos que antecedem situações que, normalmente, deveriam ser de alegria. Na fase de noivado e casamento, por exemplo, quando o futuro das criaturas vai depender tanto da compreensão e tolerância mútuas para a adaptação de duas personalidades totalmente diferentes, cada um com virtudes e defeitos, os consortes terão que se ajustar e se harmonizar para manter viva a chama da vida em comum. No outro extremo, muitos enfrentaram outras tantas angústias e inquietudes diante de uma doença, por mais simples que fora, de um filho, ou que tiveram de chorar diante da morte de um ente querido. As criaturas precisam aprender a compreender que há coisas que não podemos mudar e que na vida tudo passa, nada acontece por acaso e após a tempestade vem a bonança, com a vida seguindo a normalidade de seu curso. Precisam aceitar o ditado popular que diz: “não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe”. A boa reação da criatura a essas situações de terrível sofrimento é o melhor remédio, não deixando se abater de forma alguma para o que não deve prolongar a sua atenção sobre tais fatos.

        Os ansiosos e angustiados são, de modo geral, pessimistas, retraídos e recalcados. Não sendo expansivos, carregam a tristeza na alma. Deformam os problemas, ampliam-nos, tornando mais difícil a sua solução. Com essa atitude, praticada seguidamente durante anos a fio, as tensões vão se acumulando e causando terrível mal-estar, que se não resolvidas logo, instalam-se em suas mentes, martelando-lhes a cabeça o tempo todo, sem lhes dar um instante sequer de trégua, calma e paz de espírito.

        Para minimizar ou afastar definitivamente a ansiedade de sua mente, a criatura precisa conscientizar-se que veio ao mundo para evoluir e não para usufruir. A luta é própria da vida, inseparável da evolução. Enfrentando os desafios com naturalidade e otimismo, colocando um pensamento positivo em tudo que fizer, procurando ver em cada outro ser uma alma irmã, também em evolução, a calma advirá e prevalecerá, e tudo fluirá a seu contento. Compenetre-se que não adianta represar sentimentos; é preciso expandi-los se forem bons e extirpá-los se forem ruins.

 

A autocompaixão

        A autocompaixão é um sentimento negativo e muito prejudicial ao desenvolvimento da personalidade e, portanto, da espiritualidade da criatura. Nada impede mais que o homem conheça a si mesmo como Força e Matéria do que o sentimento de autocompaixão.

        As primeiras tendências à autocompaixão desenvolvem-se na infância, provenientes de uma educação defeituosa dos filhos pelos pais, principalmente pelas mães, quando exageram no costume de cobrir seus filhos com excessos de atenção e mimos e outras atitudes incorretas. Isto é tanto mais verdade quando o casal possui filho(a) único(a). Tais excessos dão à criança a impressão de que se acham desamparadas no mundo, que há forças destrutivas que as perseguem, incutindo-lhes, desde cedo, sentimentos pessimistas. É comum ouvir a toda hora as mães rotularem um ou mais de seus filhos de “coitadinhos”, marcando-os indelevelmente com o estigma de fracos, moleirões e sem sorte na vida. Isto quebra-lhes a força de vontade latente, a natural curiosidade que toda criança tem para se desenvolver e, em conseqüência, a sua iniciativa. Essas ações impróprias vão aparecer somente mais tarde, quando forem criaturas adultas, afetando o seu caráter na forma de desvios da personalidade, indolência, mau humor e revolta contra tudo e contra todos.

        Assim, podemos definir a autocompaixão como um sentimento que a criatura carrega como traço de seu caráter, incutido pelos pais durante a sua infância, consistindo no enfraquecimento da força de vontade para atuar, para conquistar seu direito à vida e processar sua evolução de forma natural e ativa.

        A autocompaixão leva as criaturas a se queixarem das condições precárias, de graves inconvenientes e, até mesmo, da fatalidade de que se julgam vítimas. Queixam-se da família em que nasceram, do sistema e da sociedade em geral, do convívio com as pessoas, da forma de governo, das condições do país, da falta de apoio, enfim, de todos e de quase tudo. E o pior de todo esse quadro é que não tomam medidas adequadas para remediar seus males e modificar a sua conduta, em que a sua força de vontade acha-se “quebrada” ou enfraquecida para empenhar-se num esforço decisivo de correção.

        O quadro descrito é mais comum do que se poderia imaginar. Basta observar ao seu redor para ver que há criaturas que nunca cresceram, que continuam uns meninões ou meninonas, que necessitam sempre de palavras consoladoras, que se tornam lamurientas e que se julgam perseguidas e marcadas pela adversidade. Em uma sociedade competitiva, marcada por um desenfreado capitalismo selvagem que devora os mais fracos, estas criaturas sofrem muito. O pior é que fazem os outros sofrerem, pois não conseguem carregar a sua cruz sozinhos. Procuram sempre pôr culpa nos outros quando algo sai errado pelo que fazem, infernizando a vida de quem com elas convivem, até mesmo das pessoas de quem mais gostam. Não raro, suas descargas emocionais causam danos irreparáveis.

        A autocompaixão leva as criaturas a esperar um estímulo ou gesto de alguém para tomarem a iniciativa de fazer o que é preciso fazer e conseguirem o que desejam. Outras vezes, esperam que uma dada situação ocorra para conseguirem se mover e agir. São dominados pela passividade; estão sempre esperando serem alcançados pela iniciativa dos outros, já que a autocompaixão não estimula ninguém a lutar, a persistir, a se esforçar. Ela envolve a criatura em um círculo de idéias negativas e perniciosas que acabam por abater o seu ânimo, por terem força de vontade fraca. Perdem a disposição para a luta e desanimam com facilidade.

        As criaturas dominadas pela autocompaixão não têm ímpeto forte, impulso criador para conquistar o seu lugar ao sol, sozinhas. Estão sempre precisando de ajuda, de um empurrão dos mais fortes e bem-sucedidos; se fracassam, o que mais querem é um refúgio, um porto seguro para abrigar-se e chorar as suas lágrimas.

        É preciso que se lhes diga que tudo depende de si mesmos, que precisam reagir e afastar as forças negativas com um pensamento vigoroso orientado para a realização de seus desejos e ambições, que ponham a força de vontade em ação com determinação e entusiasmo. Só assim, esse quadro se modificará. Pode levar o tempo que levar, mas é preciso dar o primeiro passo.

        Não adianta ficar por aí “deitado em berço esplendido”, gemendo ou lamuriando-se, à procura de alguém que os anime, que os console e conforte. As mãos piedosas são poucas e, normalmente conduzem mais à indolência que à coragem para mudar as posturas das criaturas que sofrem do mal da autocompaixão. As dádivas, de uma maneira geral, contrariam as leis universais, desestimulam as criaturas para o trabalho digno, que é luta. Sem luta, não há conquista, não existe nem o progresso material nem a evolução espiritual. Viver é lutar com empenho, dignidade e coragem para vencer.

        Em um quadro mais grave, a autocompaixão pode levar a criatura ao ódio, tema que foi tratado em outra parte desta obra. Aí, a criatura estará a mercê das forças do mal, anestesiada por idéias confusas e contraditórias. Sonham que são vítimas de perseguições, injustiças e fatalidades, que nada dá certo por mais que pelejem. Se chegar a este ponto, precisa de muita ajuda espiritual de outras criaturas bem intencionadas e de pensamento puro, forte e que saibam orientar com bons conselhos a sua recuperação, para poderem sair dessa situação constrangedora.

        É preciso notar que os sentimentos de autocompaixão não prosperariam se não houvesse o sentimento de compaixão de outras pessoas, sempre solícitas e dispostas a fazerem uma falsa caridade, frutos da hipocrisia de muitos, principalmente de pessoas ricas e afortunadas que ganharam muito dinheiro fácil lesando os seus semelhantes. Veja em outra parte dessa obra o tema “A hipocrisia”.

 

A avidez

        A avidez é um sentimento negativo que consiste em desejar imoderadamente alguma coisa, isto é, prover-se de qualquer coisa com excesso.

        A subsistência do homem e a luta pela vida leva-o a procurar alcançar o mais que puder dos recursos materiais da existência, dentro do critério de posse, já que, para as criaturas sobejamente materialistas, tudo não passa de dinheiro e poder para garantir sua prepotência sobre seus semelhantes. Este é o fundamento da filosofia de Nietzsche, filósofo alemão, para o qual, tudo girava em torno da posse: “tudo para o homem gira em torno da posse: a posse sexual, do abrigo e do alimento” [KEHL, 1951, p. 142].

        Diante desse conceito materialista, nada mais natural para a criatura do que afogar-se no vício da imoderação. Daí, o exagero na comida e na bebida, nos prazeres sexuais, na acumulação de bens úteis e inúteis, na ostentação da riqueza e até mesmo na ambição da posse e do poder, seja no trabalho, na política, enfim, em toda e qualquer atividade social. Para darem largas à sua ambição, ao desejo de ter, pisoteiam seus semelhantes e chegam a orgulhar-se de acumular bens de uma maneira insaciável. Neste aspecto, são mais desprezíveis que os animais, que limitam-se à posse do necessário aos seus instintos e, satisfeitos estes, descansam e dormem tranqüilos. Muitas criaturas vão além dessas necessidades, entregando-se aos condenáveis vícios da gula, da cupidez, da concupiscência e da usura.

        Esta inquietação pela posse exagerada, não raro denunciável pela personalidade da criatura, com atitudes, modos de ser, arrogância e dissimulada humildade, é encontrada por toda a parte, em todos os tempos, em todas as raças e camadas sociais. É própria das criaturas insensíveis e desprovidas de um mínimo grau de espiritualidade.

        O problema principal está no controle da vontade e, através dela, dos ímpetos do indivíduo. Não sabendo controlar seus ímpetos, não os refreando como as pessoas de bom senso o fazem, querem sempre ser os primeiros, os mais fortes e, para atingir este objetivo, desrespeitam as convenções sociais, parecendo prepotentes e mal-educadas. Transgridem sinais de trânsito, furam filas, cobiçam os melhores lugares, avançam sobre a comida posta à mesa; nos cinemas e teatros, querem e obtêm a qualquer custo, as melhores poltronas, enfim, são oportunistas e aproveitadoras, hábitos já adquiridos desde a infância quando avançavam e se apossavam dos brinquedos, dos doces e das merendas de seus coleguinhas.

        Uma outra característica bem conhecida das criaturas ávidas é julgarem-se sempre com o direito à preferência: por pensarem serem os melhores, acham que os outros sempre lhes devem dar preferência. Isso chega a ponto de se tornar uma obsessão para os indivíduos menos inteligentes. Já os mais inteligentes discernem o que é conveniente ou inconveniente e sabem aguardar as oportunidades e, por serem dotados de extrema paciência, esperam a hora certa para “dar o bote”, como se diz na gíria. Assim o fazendo, assumem atitudes sociais desprezíveis e, como egocêntricos que são, neles a ganância se acha exaltada. Daí, encontrar-se esse tipo entre os negociantes desonestos que usam táticas de açambarcamento de mercadorias para tirar maior lucro, especulação de preços, armação de esquemas e tramóias comerciais, concessão de empréstimos a juros escorchantes e outros ardis, muitas vezes mantendo uma aparência amável, com sorriso nos lábios e trato sociável, parecendo “bonzinhos”.

        Vê-se, pois, que a este tipo de criatura se ajusta perfeitamente o “capitalista” por natureza, isto é, aquele que organiza e lida com grandes negócios financeiros e, portanto, aí incluídos os financistas e banqueiros. São tipos que têm verdadeira obsessão por negócios fáceis, principalmente de intermediação e que levam a grandes lucros. Vistos sob um ponto de vista social, concorrem para tornar mais miserável a vida dos pobres, porque sugam-lhes o parco dinheirinho que têm, de todas as maneiras possíveis, através de grandes organizações atacadistas e varejistas, empresas de capitalização, bancos, fundos de empréstimos e muitas outras arapucas. Curioso é notar que muitas dessas criaturas se dizem benfeitoras e caridosas, retirando migalhas de seus extraordinários ganhos para obras de caridade, devolvendo assim, muito pouco do muito que tiraram dos desavisados das classes pobre e média. Não raro, assim procedem em proveito próprio, para economizarem em pagamentos de impostos sobre a renda por ganhos extraordinários, já que nossas leis, criadas sob pressão política dos “lobies” que eles organizam, os protegem. Que verdadeiros velhacos!

        No extremo mais distante, encontram-se os avarentos, cuja principal característica é guardarem dinheiro e bens para seu sustento e necessidade na última fase de sua existência. No fundo, trata-se de um comportamento de defesa, exaltado pelo medo de não terem com o que nem com quem contar quando se aposentarem, e não mais puderem encontrar trabalho remunerado ou, quando já estiverem alquebrados pela velhice. Nesses indivíduos, os hormônios das supra-renais e da tireóide acham-se superativados.

        Do ponto de vista psicológico, esses comportamentos são típicos de personalidades paranóides, grandes impulsionadores do progresso material da humanidade, mas que, também, têm trazido grandes desigualdades sociais pela má distribuição da renda.

        Convém destacar que estamos nos referindo à personalidade paranóide e não paranóica. A paranóia é um estado de desajustamento psíquico grave, encontrado em indivíduos que não possuem bom senso nem se adaptam à realidade, normalmente incluída na categoria de psicoses. Já a paranóide é um estado mais brando de desajustamento, normalmente classificada como parapsicose. Isto é bastante para quem não é psicólogo.

        No tratamento que estamos dando à cobiça e avidez estamos sempre nos referindo aos paranóides, isto é, aos de caráter manso, cuja características principais são: excessivo amor-próprio e exagerado narcisismo, julgando-se incomparáveis e irresistíveis. Exibem-se como importantes e com empáfia inofensiva. Não raro, chegam ao extremo da megalomania ou mania de grandeza, caracterizando-se pela mania do luxo, da exibição, das honrarias, dos títulos e das condecorações dos cargos de destaque. Adoram elogios exagerados e de manifestações de apreço, o que exalta e exulta a sua vaidade. Chegam até mesmo serem versados no auto-elogio.

        Somente para completar estes aspectos psicológicos, ressaltamos que os paranóicos possuem as seguintes características: excessiva arrogância, orgulho e despeito; sensibilidade doentia; não fazem concessões e adoram as controvérsias, não aceitando conciliação; têm especial prazer em encontrar defeito em tudo, a criticar; chegam a ficar ferozes na discussão de certos temas; finalmente, são agressivos. Muitas pessoas em posição de mando e autoridade, freqüentemente, exibem esta personalidade.

 

O ciúme

        O ciúme é um sentimento muito negativo tanto para a criatura que o tem como para aquela que o induziu, seja ele motivado ou não. É um dos mais nefastos sentimentos, juntamente com o ódio e a inveja. Ele resulta de pensar que seu amor por uma criatura está sendo desviado por esta para uma terceira pessoa. Dessa forma, sendo rompidos os laços de confiança recíproca, a criatura ciumenta é assaltada por atroz sofrimento.

        O sofrimento resultante do ciúme tem raízes no desejo frustrado. O sentimento de amor vivido através de uma relação profunda é, de repente, deturpado. A criatura sente-se então mordida pelo ciúme, que é uma reação à perda ou ameaça de perda do equilíbrio amoroso. Não obstante os laços de ternura que possa haver, para muitas pessoas o amor é, também, uma forma de posse e, ao perdê-lo, estas criaturas sentem-se despossuídas. Ela ou ele pensa: se alguém pode amar outra pessoa ao mesmo tempo que nos ama, é porque não nos ama mais, ou seja, minhas qualidades não sustentam mais a atração que até então o meu parceiro tinha por mim. Esta ótica de encarar o amor dessa forma é errônea, exclusivista. A criatura ciumenta prefere aceitar o ciúme como resultante do apego a uma pessoa à qual pede pelo menos reciprocidade, uma contrapartida mínima de certeza, já que é impossível ao ciumento conviver com a incerteza. Agrava esse quadro o fato de que, por detrás do ciúme atuam, também, o egoísmo e a inveja, sentimentos supernegativos que conduzem ao ódio e à raiva incontrolada, às vias de fato e aos crimes passionais. Estas são as grandes pinceladas sobre o ciúme.

        Perder a criatura a confiança e passar a ter desconfiança, ser assaltada pela dúvida da traição e da infidelidade, não confiar mais na pessoa amada significa, também, não confiar em si mesma, em seu valor como ser humano, o que lhe traz grande sentimento de impotência e de frustração, tornando-a deprimida e arrasada. A criatura começa a se questionar: o que a outra pessoa tem que eu não tenho? Há muitas respostas a essa pergunta, conforme veremos no desdobramento desse tema. O certo é que o amor, como sentimento nobre que deveria ser, decai daí para a frente de uma forma assustadora.

        Esse sentimento de desvalor é que invade a criatura e provoca o ciúme. É próprio das pessoas inseguras que são mais sensíveis ao ciúme. Essas pessoas não têm ou têm pouca confiança em si mesmas e, por isso, não têm poder ou capacidade de segurar e manter um amor profundo. Sua baixa auto-estima põem-nas a esperar que um dia a pessoa amada poderá traí-la. Daí, deflagrado o ciúme, tudo o que a criatura prezava no outro ou a respeito dele passa a ser posto em dúvida, a não ter mais valor, como na história da raposa e as uvas.

        O medo de perder o amor de alguém traz, como conseqüência, a insegurança de que o outro ou a outra possua maiores e melhores qualidades a oferecer, capaz de “virar a cabeça” do seu amor, principalmente se este for, ao contrário, muito seguro de si, a ponto de arriscar uma nova alternativa, sem desfazer a relação anterior. Essa é uma situação mais comum do que poderia parecer à primeira vista e, quando a situação de ambivalência é descoberta irrompe, de forma atroz e cruel, o ciúme. Daí para a frente, a situação entre os dois se agrava, se deteriora a ponto de só um amor profundo poder reverter a ruptura iminente.

        O ciúme pode levar a um sentimento mais forte e poderosamente destrutivo que é o ódio. A criatura que se sente traída, dependendo do seu grau de espiritualidade, pode não se conformar, não se resignar e resolver tirar suas dúvidas a limpo. Para isso, passa a vigiar obsessivamente o seu parceiro ou, em casos extremos, a contratar um detetive. Quando menos espera, vê-se transformada em espião, passa a vasculhar e mexer em tudo, a revirar os bolsos do terno ou a bolsa, quando o parceiro volta do trabalho, a procurar escutar as conversas ao telefone, tudo à procura de evidências. E, se encontrar alguma pista, por menor que seja, a confirmar suas suspeitas, pode armar a maior confusão, chegar às vias de fato e, em muitos casos, ao exaspero do crime passional. Isto tudo é muito doloroso, triste e desprezível, porque ninguém é de ninguém, e para tudo existe solução. E se as dúvidas forem infundadas, criam-se ressentimentos que abalam a relação para o resto de suas vidas, não podendo a relação jamais voltar ao que era.

        O ciúme é um sentimento possessivo, castrador e dominador. Ele domina as preocupações da criatura a ponto de infernizar-lhe a vida. No linguajar dos psicólogos, é um sentimento regressivo, significando que a criatura deixa de crescer espiritualmente, sua auto-estima decai consideravelmente e parece encolher-se dentro de si mesma. Enquanto durar o ciúme, a pessoa parece ter um nó na garganta, uma verdadeira angústia ou sufoco. E tudo chega a esse ponto porque a criatura não sabe reagir, não sabe pensar com clareza que o ciúme não leva a nada, não repara nenhum mal, antes o agrava, por ser um sentimento desagregador que envolve a criatura numa teia ou rede de pessimismo difícil de se livrar, sem a ajuda de um bom amigo. A raiva que resulta desse pessimismo pode crescer e consumir todas as forças que ainda possam restar na criatura, levando-a a uma situação deplorável de estresse, capaz de induzi-la, pela influência de forças negativas, ao suicídio ou ao crime passional. Deve-se evitar, a todo custo, como veremos mais adiante, caminhar nessa direção, neste beco sem saída.

        O ciúme ocorre principalmente nas relações mais profundas, quando a relação intensa de amor é sentida de forma possessiva e não como um sentimento de respeito mútuo que pede reciprocidade de atenções e carinho. O relacionamento amoroso profícuo requer maturidade, compreensão mútua, respeito e muita tolerância de ambas as partes. Se isso ocorrer, não haverá campo propício para o ciúme.

        O ciumento contumaz, que parece ver traição em tudo, até num simples e furtivo olhar de seu companheiro para admirar a elegância de outra criatura, num comentário lisonjeiro dirigido a alguém ou, ainda, em uma conversa simples e despretensiosa com outra pessoa do sexo oposto, sofre sempre e muito. Sofre, primeiro porque se critica por ser ciumento; em segundo lugar, porque receia que seu ciúme possa ferir o seu amor; sofre, ainda, porque se deixa dominar pelo ciúme, isto é, por uma banalidade; finalmente, sofre por ser excluído da relação e pela agressividade que, em conseqüência, lhe acometerá. É um infeliz que se vê na contingência de resignar-se e silenciar-se a respeito, ou, na melhor hipótese, dar a volta por cima e reorientar a sua vida. A outra saída, a reconciliação, exige muito desprendimento e muita tolerância e, nem sempre, retoma e reconquista os encantos anteriores.

        A insegurança no ciumento é uma constante e começa a agir quando a criatura se depara, enfrenta uma situação de fato, em que outra pessoa parece estar ocupando o seu lugar na relação. Quando isso acontece, nada mais poderá reverter esse processo, a não ser a vontade e o raciocínio que sobrepujam o desejo, que oferecem outras alternativas sentimentais e lógicas, isto é, lhe aponta novos rumos. Isso na hipótese de a pessoa procurar dar a volta por cima e reorientar a sua vida, dar um balanço nos erros e estragos e ver o que sobrou. Terá que ter muita força de vontade para não se ver novamente jogado no torvelinho das emoções enganosas, evitando enredar-se nos mesmos erros das aparências inúteis e traiçoeiras. Mas, também, deve evitar tripudiar ou tratar com desdém a relação perdida, não procurando desclassificar ou denegrir o parceiro que não deu certo. Isso de nada adianta. O importante é ter em mira que, desmerecido o objeto do amor, fica mais fácil carregar o fracasso, o fardo do insucesso, enquanto não colocar sua vida novamente nos trilhos.

        Parece fora de dúvida que o ciúme desponta muito cedo na vida das pessoas. Tanto é assim que, segundo a psicologia freudiana, o ciúme é considerado um estado afetivo qualificado de normal. Quem não sentiu ou viu uma criança ciumenta? Desde a tenra idade, a criança demonstra ciúme motivado pelo desejo que outras crianças têm pelo seu brinquedo, pela sua bicicleta, pela sua boneca. Ou o ciúme que ela sente quando a mãe ou o pai a provoca, demonstrando ter mais carinho pelo seu irmãozinho ou por outra criança. Tais provocações, diga-se de passagem, nocivas na formação da personalidade da criança, chegam a deixá-la irrequieta, raivosa e chorosa. Elas alimentam a manha da criança que pode recalcar estas situações. Tudo o que temos a fazer é atenuar esses arroubos de ciúme, não estimulá-los de forma alguma, explicando às crianças a transitoriedade de tudo o que possuímos.

        Há que considerar, ainda, as diferenças peculiares ao ciúme masculino e feminino. Nas relações amorosas, os homens centram sua atenção na beleza e no erotismo, como machos que são da espécie, refletindo nesta postura o instinto sexual. Já as mulheres parecem se preocupar mais com os sentimentos afetivos, com o carinho e a ternura de que esperam poder desfrutar. Assim se explica, quando o ciúme desponta, a sensação de aniquilamento, de quase-morte, de sufoco que atinge a grande maioria das mulheres, transformando estas situações em verdadeiras tragédias e dramas. Já os homens, parecem pouco se importarem, procurando manter o seu orgulho de macho da espécie, no mais elevado grau, pretendendo parecerem-se indiferentes, e, mais facilmente saem do problema e, se feridos, curam suas feridas mais rapidamente.

        Embora este livro não pretenda ditar regras ou enumerar conselhos e recomendações para sair de uma situação criada por ciúme, alinhamos os seguintes pontos:

 

        01) Reconheça que existe uma situação de ciúme e resolva-a.

        02) Resolvida a situação, não fique a remoer visitando os lugares, restaurantes, etc.

        03) Procure sair de férias, viajar, conhecer outros lugares e pessoas.

        04) Enturme-se novamente. Converse com os amigos. Desabafe com eles.

        05) Relaxe e medite.

        06) Dedique-se a atividades envolventes: pesca, esportes, etc.

        07) Entregue-se a leituras de bons livros.

        08) Não despreze outras oportunidades amorosas.

        09) Não se torne um desiludido.

        10) Dê a volta por cima. Ao final, tudo vai passar, como tudo passa na vida.

 

A compulsão

        A compulsão é uma excitação que nos atinge para agirmos com base em estímulos que nos vêm de fora; a impulsão, ao contrário, tem origem em nossas forças interiores, mediante impulsos derivados do pensamento, que a vontade põe em ação de acordo com o nosso livre-arbítrio. Trataremos aqui de ambos.

        No primeiro caso, quando nossa ação se baseia em exigências e motivação exteriores, nosso esforço é menor, porque nos sentimos dominados por um desejo, sem nenhuma participação da vontade. Dessa forma, a compulsão nos atropela, nos abala, nos invade e nos envolve de tal maneira como se fosse uma força dominadora que nos priva de exercer as prerrogativas de nossas faculdades. Estas, não participando do processo que nos foi imposto de fora, tornar-se-ão fracas e deficientes.

        No segundo caso, quando agimos por impulsão, usando nossas forças conscientes, resulta uma ação mais acertada e produtiva. Sempre que programamos e planejamos uma ação, mediante previsão e estudo da situação, estaremos intensificando nosso próprio poder, usando as nossas três faculdades espirituais: pensamento, vontade e livre-arbítrio. Aqui, estamos juntando interesse, energia e entusiasmo como substrato de nossa vontade. Estamos definindo a nossa conduta e modo de proceder de uma forma racional, atuando com determinação para realizar nossos propósitos e metas e, assim, obter o que queremos. É fato sabido que o querer resultará fortalecido se, ao planejarmos nossas ações, fixarmos determinadas metas a serem alcançadas.

        Do exposto, é obvio, é fundamental que, sempre que possível, devemos agir por impulsão através de planos bem orientados e elaborados. Se por detrás da impulsão, houver uma forte ansiedade de busca e realização, devemos procurar canalizar estas forças e torná-las conscientes, para dar valor ao que estivermos realizando. Se sentirmos estes estímulos interiores, conduzir-nos-emos ao seu controle e a ação resultante será profícua.

        Os estímulos interiores apóiam-se diretamente na vontade e se submetem ao controle desta. Trata-se de ato consciente, amparado na vontade e, portanto, com maior probabilidade de melhor aplicação e resultados eficazes.

 

O desespero

        O desespero é um sentimento de frustração de quem é infeliz, sendo portanto, um estado aflitivo muito negativo, ao contrário da esperança que é um sentimento altamente positivo. É um estado de confusão mental de quem passou por grandes dores, separação ou perda de entes queridos e busca por amparo e explicação do desconhecido.

        O desespero ou desesperança é a morte em vida de quem despreza a simpatia, o amor e a amizade dos seus semelhantes

        Focalizamos, por exemplo, a fusão que existe (ou deveria existir) no casamento. Esta fusão de um no outro significa “estar completo” (aparentemente). Na verdade, mesmo quando existe uma união muito forte, a unidade, “unidade integrada”, não é completa, já que antes (e sempre) cada um não se desliga de seu “eu”, nem poderá dissolvê-lo, não poderá destruí-lo. Portanto, fusão com o outro é ainda, um estado “incompleto”, sendo uma ilusão pensarmos que nos tornamos completos com o(a) outro(a). A fusão com outra pessoa é, pois, sempre frágil, deixa de existir constantemente, freqüentemente e, sendo incompleta, há sempre um término para o que é incompleto. Então, quem busca a integração deve primeiro buscá-la dentro de si mesmo; só então, a fusão pode tornar-se indestrutível.

        Embora a felicidade pela fusão ou integração seja relativa (das modinhas de roda de nossa infância: “...o amor era pouco e se acabou...”) há numerosos casos em que ela ocorre. Quando essa fusão desaparece (separação, perda de entes queridos, na morte, etc.), ocorre um grande “vazio” de infelicidade em nós. A infelicidade, a insatisfação, cria o futuro, a esperança ou o desespero porque estamos infelizes. Se estamos infelizes o tempo não existe, o ontem e o amanhã estão completamente ausentes, não nos preocupamos nem com o passado nem com o futuro.

        Mas, como nascemos com a esperança (sempre pensando no futuro) e levâmo-la até a morte, não há como viver sem ela. Krishnamurti, o grande filósofo indiano de nosso tempo, disse: “A esperança é o amanhã, o futuro, a ânsia de felicidade, de dias melhores, de progresso pessoal; é o desejo de ter uma casa aprazível, um piano ou um rádio melhor; é o sonho de uma ordem social melhor, de um mundo mais feliz” [KRISHNAMURTI, 1972, p. 106].

        Pode a esperança estar no passado, “no que foi” ou só será possível situá-la no “que será”? É um processo regressivo ou progressivo? Se imaginarmos a esperança como um “processo do tempo”, a resposta é afirmativa. Vamos buscar no passado o desejo de continuação do que é agradável, do que é suscetível de melhoria; o seu oposto é a desesperança, o desespero. Mas ela está principalmente no futuro: dizemos que vivemos porque existe a esperança de dias melhores para viver com mais segurança, mais otimismo ou, se estamos numa situação muito mal (de saúde) os médicos dizem, quando perguntados sobre o estado do doente, “que ainda resta uma esperança”.

        Neste ponto, cabe perguntar: é viver quando existe a preocupação do futuro ou devemos nos preocupar apenas com as nossas ações de cada dia? É porque o amanhã se tornou tão importante que existe a desesperança, o desespero. Pela esperança do amanhã, muitos sacrificam o hoje e, como a felicidade só existe no agora, tornam-se infelizes. Assim, só os infelizes enchem suas vidas com a preocupação do amanhã, o que chamam esperança. A pessoa que “se deu” à esperança não é uma pessoa feliz; ela conhece o desespero e o estado de desesperança “projeta” a esperança ou o ressentimento, o futuro feliz ou o desespero. Então, devemos buscar um estado que não seja nem de esperança nem de desesperança, mas um estado de contínua felicidade e segurança.

        Perseguir um objetivo exige ter-se esperança, e daí, ser infeliz. O caminho da esperança é o caminho do futuro (denota desejo de ganho, de aquisição, de “vir a ser”, de chegar, de fazer acontecer, etc.), mas a felicidade é uma questão de tempo. Quando se é feliz não se pergunta como continuar feliz, o que nos levaria à preocupação com o futuro, porque esta simples pergunta já nos levaria a provar o sabor da infelicidade.

        Pela falta de compreensão de um problema, criam-se vários outros problemas. O problema é a infelicidade; para compreendê-la é preciso estar livre de todos os demais problemas, o que não é tão fácil.

 

O egoísmo

        O egoísmo é um sentimento negativo e consiste na conduta que a criatura tem de procurar, em todas as suas atividades, dar excessiva preferência ao bem próprio, sem considerar os interesses alheios. Trata-se de cultivar o exclusivismo e o egocentrismo, acima de tudo, nas relações interpessoais em todos os estratos da atividade humana. Pelo egoísmo, a criatura procura subordinar o interesse dos outros ao seu próprio.

        A maior parte dos nossos pensamentos são conseqüência de forças e estímulos emotivos e instintos egoístas. O mundo exterior nos produz sensações que nos incitam constantemente a pensar, na maioria dos casos, não de forma desprendida e construtiva, mas de forma egoísta, visando o nosso próprio interesse.

        Nossas demandas sensuais, resultantes de nossas carências, tendem a ser solicitadas pelo nosso “eu” de forma sempre absorvente. Com o tempo, na tentativa de sempre procurarmos satisfazer nossos gostos e caprichos, nossas carências se impõem à nossa vontade e se tornam nossa segunda natureza. Nessa situação, nosso pensamento se rende aos hábitos, quando não aos vícios, sendo difícil romper com essas coisas tradicionais.

        Nós estamos inseridos, primeiramente, no nosso pequeno mundo próprio, mas também temos de arcar com deveres e responsabilidades com relação a assuntos e pessoas que nos cercam. O primeiro concerne à esfera da satisfação individual, que tende a converter-se no eixo de nossa vida, enquanto que o panorama do mundo de relações nos demanda, a toda hora, com as obrigações que de nós são esperadas. Nesse contexto, temos de “dançar conforme a música”, elaborando nossos pensamentos e desencadeando nossas ações, baseando-nos em hipóteses, suposições, enganos, sofismas e vaidades efêmeras.

        Ao darmos continuidade e dinâmica a tudo isso, nosso principal erro consiste em alimentar a idéia de que tudo deve servir primeiramente a nós mesmos e que fala mais alto a lei que nos direciona a agradar o nosso “eu” acima de tudo. O egoísta não aceita nenhuma idéia que fira a sua vaidade e detesta todo pensamento que se opõe a isso, isto é, que venha ferir o seu amor-próprio. Por isso, fecha os olhos diante da realidade e cria a sua própria, isto é, idealiza um mundo fictício e enganador. Por lastrear seus pensamentos em idéias falsas, os resultados são duvidosos e isto é realçado mais ainda quando por detrás das ações está uma criatura de temperamento egoísta.

        O egoísmo tem seu fundamento no arraigado sentimento de posse que as pessoas de todas as idades e níveis sociais têm. Nas crianças já de tenra idade é comum ver-se desenvolverem sentimentos egoístas pela posse de seus brinquedos, e isto fica claro quando não desejam compartilhar suas “coisas”, seja o que for que lhes pertença, com seus amiguinhos e colegas. Tornam-se birrentas e briguentas. Elas temem perder ou verem usufruídos por eles seus brinquedos, sua bicicleta, seus livros prediletos, e assim quase tudo. As palavras “eu”, “meu” e “minha” são usadas com muita freqüência e têm forte conotação com o egoísmo que se manifesta dessa forma, às vezes com forte reação de brigas, choros e encenações de desespero. Muitas vezes, esse sentimento é levado do lar para as escolas.

        Nos adultos, o exagerado sentimento de posse desponta com força quando são contrariados ou obstados por qualquer circunstância, de exercerem seus desejos e vontades, de forma inteiramente livre, sobre seus objetos de uso pessoal como o carro, o computador e até de suas conquistas amorosas. De regra, são voluntariosos, negando-se de forma bruta a qualquer pedido de empréstimo.

        Se a criatura ocupa posições de destaque e mando na política, nas empresas, nos clubes, enfim, em qualquer organização e possui sentimentos egoístas, isto se faz sentir de modo bem claro em suas atitudes de autoridade excessiva, arrogância e prepotência. Negam-se a prestar qualquer ajuda a quem está precisando ou, quando o fazem, externam sem a menor cerimônia aqueles sentimentos. Por isso, não são polidos nem educados no trato com as pessoas.

        O sentimento oposto ao egoísmo é o altruísmo. Este é um sentimento nobre, próprio das pessoas que desejam ajudar e, nos momentos mais críticos, são capazes até de atos de desprendimento e heroísmo para salvar seu semelhante de alguma dificuldade, desastre ou catástrofe, sacrificando às vezes, até a própria vida.

        O altruísta está sempre de bom humor, sempre disposto a cooperar com as pessoas, presta serviços de assistência sem pedir qualquer remuneração, tomam iniciativa nos movimentos de solidariedade. Os altruístas são sempre solidários e, de modo geral, são sempre bons amigos, já que o amor ao próximo e a amizade são características de seu temperamento e personalidade. Em geral, são ótimos médicos, enfermeiras, professores, representantes de classe, guias turísticos, só para citar algumas profissões que lhes são adequadas.

 

A emulação

        A emulação é um sentimento negativo que consiste em não usarmos todo o poder de nossos atributos essenciais — o pensamento, a vontade, o raciocínio e o livre-arbítrio — na busca e realização de idéias originais. É o oposto da originalidade. Ela resulta da inércia e da preguiça mental que nos leva a emular, imitar o que outros pensam e fazem.

        Na nossa vida de relação recebemos influências de muitas pessoas que, de uma forma ou de outra, admiramos. Seus predicados, seu modo de ser e atuar, suas realizações e façanhas nos influenciam. Elas exercem um poder sobre nós e nossa reação consciente ou inconsciente leva-nos à emulação ou imitação. Muitas de nossas ações resultam desse poder que tem certas pessoas de vontade muito forte, de influenciar e cativar outras. Assim, na forma passiva, copiamos, imitamos e adaptamos nossos pensamentos e atos aos de outros. É óbvio que a prática constante dessa imitação nos prejudica, diminuindo o nosso interesse, inculcando em nós o receio de fracassar. Em conseqüência, somos induzidos à passividade, tirando-nos todo o poder de iniciativa e originalidade. Debilitada a nossa vontade, viramos simples seguidores, “maria-vai-com-as-outras”, meros imitadores.

        A causa da emulação é a falta de educação e fortalecimento de nossa vontade. Pela passividade acabamos por nos inspirar nos inativos e nos tornarmos escravos das ações dos outros. Nosso pensamento criador enfraquece e uma vez debilitado, caímos na indolência, na lei do menor esforço, para tirarmos vantagens dos outros. Isto não significa que não devemos aprender e seguir os bons exemplos. Daí a importância, a felicidade mesmo de termos podido encontrar bons pais de família e bons professores, capazes e dedicados e não medíocres e ignorantes. Só assim o nosso aprendizado poderá tornar-se profícuo, eficaz. Já o péssimo exemplo retira, rouba-nos a iniciativa de sermos nós mesmos, autênticos e progressistas, homens de vontade e ação. Bons professores em qualquer matéria ou disciplina não fazem o aluno, mas despertam-lhe o interesse e ajudam muito na sua formação.

        Devemos, sim, sermos otimistas e buscar boa inspiração. Temos que nos inspirar naqueles que edificaram, construíram suas vidas e seu futuro através do trabalho fecundo, do otimismo, da persistência, da perseverança e da inteligência. Para buscar incentivo, para adquirir força de vontade, devemos conhecer as biografias de grandes vultos de nossa História, da cultura e da ciência, das artes e da música. A boa leitura de obras desse tipo só pode nos enriquecer o espírito e aumentar o nosso ânimo e entusiasmo, deflagrando em nós forças de que precisamos. Decisão e esforço próprio são necessários. Investigue, procure saber a causa do sucesso de muitos homens de negócio que venceram na vida partindo do nada ou quase nada, que tiveram êxito e ocuparam lugar de destaque na sociedade, granjeando a admiração de seus contemporâneos. Mas, não se deixe influenciar demasiadamente pelos excessos, principalmente pelo dinheiro ganho fácil ou penosamente. Use este para suprir suas necessidades e viver com parcimônia, mas não avaramente nem perdulariamente. Use-o ainda, para multiplicar suas ações e beneficiar pessoas, criando novos negócios e empregos para muitos. Portanto, é preciso adequar necessidade e interesse, distinguindo-se pelos seus próprios méritos. Jamais se deixar impressionar pelos indolentes e pobres de espírito que nos tiram a iniciativa para não se tornar um deles, engrossar suas fileiras. Reaja sempre com muita força de vontade, garra e ação!

        Devemos nos convencer de que todo sucesso ou triunfo nasce da luta e isto é válido no trabalho como nos campos de batalha ou em qualquer atividade útil. Portanto, para sobrepor-se, virar as costas à emulação é preciso lutar constantemente contra a adversidade e, sobretudo, não confiar na sorte para não depender dela.

        Existem numerosos exemplos no mundo inteiro de pessoas que foram ou são bem sucedidas, até famosas, porque deram tudo de si. A grande atriz francesa Sarah Bernhardt, levava sempre pelas suas “tournées”, pelos palcos do mundo, um cartaz que dizia: “apesar de” e somente isso! Com isso, pretendia mostrar, e de fato conseguia, a sua tenacidade para vencer os obstáculos e triunfar. Esta artista famosa perdera uma perna e apesar desse rude golpe, apresentava-se com estrondoso sucesso. Cada vez que esse cartaz subia ou descia punha em evidência a sua vontade firme e resoluta para, com tanta coragem, enfrentar o infortúnio.

        O que prova isso? Caráter forte, força de vontade firme e indomável, entusiasmo capaz de atrair a admiração de todos. Nas pessoas de fibra, a vontade sempre teve a colaboração da sua própria confiança. Veja o tema “A Confiança” em outra parte desta obra.

 

A frivolidade

        A frivolidade e a futilidade são formas de pensar e agir das criaturas que não levam a nada ou quase nada de útil e sério. Por esses sentimentos as pessoas procuram dar expansão ao vácuo mental, à sua estreiteza de espírito, desperdiçando o seu precioso tempo e empatando o de seu semelhante com ninharias de todo tipo. Embora haja certa semelhança entre o significado dessas duas palavras, a futilidade tem mais abrangência que a frivolidade. Trataremos aqui do desenvolvimento de ambos os temas.

        Frívolo é o indivíduo dispersivo que não se fixa em nada, que passa a vida em conversas fiadas, sem conteúdo, improdutivas e até mesmo nocivas, que só se importa com ninharias e picuinhas. Tem por principal preocupação satisfazer seus desejos medíocres. Gosta de exibir-se. Vive arquitetando, matutando alguma coisa vã, sem importância, para fazer. Preocupa-se com a aparência física: o penteado de seu cabelo, o polimento das unhas, os trajes extravagantes, alguma particularidade do corpo, mais como um todo, que chame a atenção de forma ridícula ou acintosa. Gasta horas pensando em devaneios e fantasias ou em levianas palestras, conversas ou consultas sem significado. Joga conversa fora, como se diz vulgarmente. Basta observar, no seu convívio diário, que se encontrará esse tipo de criatura com mais freqüência do que se espera. Ele se denuncia com facilidade ao bom observador, pela sua maneira de ser, de se apresentar e até mesmo pelo tom de sua voz.

        O frívolo detesta leituras instrutivas, conferências e palestras sérias sobre temas morais, filosóficos ou instrutivos e, se tiver que comparecer, sente-se impaciente, irrequieto e entediado o tempo todo que durarem tais eventos. No entanto, gosta de modas, bailes, festas em geral, corridas de cavalo, jogos em geral, como futebol, voleibol, basquete e outros. É uma conseqüência da lei da atração que, nesses ambientes, os frívolos se encontram com outros que lhes são afins, predominando sua presença. Sua atenção está sempre dirigida para eventos banais: descreve um acidente qualquer, por mais insignificante que seja, com minúcias; observa com atenção desmesurada os penteados e os trajes que os convidados usam em uma festa ou em um casamento; adora espiar e escutar conversa de outras pessoas. Enfim, atua de maneira banal, leviana. Pensa e fala coisas de pouca importância e seus cuidados se dirigem a coisas de pouco valor.

        O fútil, que também é um tipo vulgar, como o frívolo, tem outras características, embora algumas sejam comuns ou quase. Ele se denuncia de várias maneiras, principalmente pela conversa. Detesta tratar as idéias e pensamentos mais profundos, doutrinários e filosóficos. Tem aversão, é contrário a qualquer esforço intelectual, ao estudo de coisas sérias e à análise e reflexão. Contudo, é palrador, gosta de falar com fluência, às vezes com muita eloquência. Fala de tudo e julga entender de tudo, pretendendo ter competência quando dá sua opinião sobre questões que desconhece. Sobretudo, detesta ouvir. É comum ver a criatura fútil se entusiasmar pelos acontecimentos do dia-a-dia, tomando partido pró ou contra, de forma apaixonada, fazendo questão de deixar claro seu ponto de vista. A atitude da criatura fútil é sempre baixar o nível de qualquer conversa ou palestra, banalizando as questões e levando as conversações ao sabor de suas conveniências vulgares ou de ordem pessoal. Fala muito de si e de seus parentes, chamando a atenção para a importância que não tem.

        Algumas características são comuns aos frívolos e fúteis. Uma delas é a afoiteza e a ligeireza ou pressa com que julgam os problemas. Desprezam a opinião alheia e preferem sua própria para tudo, até mesmo para o que não sabem. Têm estreiteza de espírito, isto é, são vazios, nada é profundo em seus conceitos e idéias. A teimosia é uma constante em sua atitude. Adoram as discussões e as polêmicas infindáveis que não levam a nada, sem resultado. Não se rendem às evidências, isto é, jamais dão o braço a torcer nas discussões, não se deixando esclarecer, convencer ou apaziguar. Detestam se alguém lhes aponta contradições, irritando-se ou desviando-se para longas e intermináveis querelas.

        Ainda, outras características comuns podem ser lembradas. Não gostam e até têm acentuada antipatia pelos livros, pela boa leitura: é o caso dos que só aprendem por intuição ou ouvindo informações, notícias e histórias. São palradores, falam muito e pensam pouco. São intolerantes em suas crenças. Enfim, são vulgares e adoram manter longas conversas fiadas, sobre os mais banais assuntos. Ao observador atento, é fácil identificar estas criaturas em toda parte, nos ônibus, trens, nos escritórios, onde são considerados indesejáveis, pois estão sempre procurando quem os ouça, fazendo “rodinhas” de piadas ou para conversar banalidades. Procuram distrair a sua e a atenção dos colegas e, por isso, são constantemente advertidos para melhor cuidarem do que lhes compete. Dessa forma, acabam sendo despedidos e perdem o emprego.

        É óbvio que nem todos os freqüentadores de clubes esportivos são fúteis ou frívolos. É até recomendável que cada um escolha e pratique o seu lazer de fim de semana para descarregar as tensões acumuladas no trabalho, que nem sempre é ameno. A vida poderia tornar-se intolerável sem o trabalho, que é uma alavanca de progresso e evolução espiritual da criatura. Por isso mesmo, as distrações e o lazer, gozados e praticados em momentos próprios são uma necessidade. Assim, ler um romance, ir ao cinema ou assistir em casa a um vídeo, decifrar palavras cruzadas ou se dedicar a um jogo no computador, tudo feito com moderação, sem se viciar, constituem práticas normais que servem para aliviar as tensões e diminuir o estresse mental.

        Finalmente, observando que se costuma dividir o dia de 24 horas em três partes de 8 horas cada, cabendo uma ao trabalho, outra ao repouso, a terceira aos demais afazeres, nesta devemos incluir, diariamente, algum tipo de recreação ou lazer ou atividade leve, de preferência que nos ajude a relaxar, a retemperar as forças para melhorar nossa disposição corporal e mental. A escolha dependerá do gosto de cada um. O importante é habituar-se a essas práticas, estabelecendo-as como rotina ou uma segunda natureza benéfica e salutar.

 

A hipocrisia

        A hipocrisia é um dos sentimentos mais baixos, denegrindo a criatura de forma irremediável, já que toda a sua ação se baseia na falsidade de propósitos que o hipócrita procura esconder, simulando ser virtuoso quando não o é. É comum nos temperamentos vulgares, o que lhes permite prosperar na mentira e nos ardis inescrupulosos que sempre armam, para tirar vantagem de tudo e de todos. Têm absoluta certeza de que praticam atos indignos, mas jamais confessam isso.

        A hipocrisia reveste-se de numerosos matizes ou graus, já que o hipócrita finge sempre ter o que não tem. Assim, suas virtudes são pseudovirtudes, falsas, fingidas, simuladas, agindo sempre como um impostor. Para que a criatura de bons propósitos possa proteger-se da falsidade e dos falsos, vamos, nos parágrafos seguintes, apresentar alguns desses matizes, artifícios e subterfúgios.

        Os hipócritas sempre projetam uma sombra sobre o ambiente em que atuam para melhor poderem simular as qualidades e aptidões que consideram vantajosas. Usam artifícios sutis e requintados e armam defesas de todo tipo para não serem desmascarados. Sua honestidade é indecisa, insípida, camuflada e, assim também, a sua moralidade. Não sabem ouvir a voz interior de sua consciência, isto é, procuram cúmplices para melhor facilitar a sua ação nefasta.

        Os hipócritas não são movidos por nenhuma firmeza e, ao contrário dos virtuosos, não têm caráter digno. Esquivam-se à responsabilidade de seus atos, são ousados na traição e tímidos na lealdade. Sua habilidade de difamar, conspirar, confabular e agredir, muitas vezes com simulada suavidade, é ilimitada. Jamais se expõem ou revelam sua personalidade verdadeira, ostentando uma espécie de armadura, para não deixar visível o seu caráter. Têm absoluta certeza de que seus atos são indignos, mas não confessam isso nunca.

        Procura abafar a dignidade dos simples, emudecer os escrúpulos dos incapazes de resistir à tentação do mal. Ao hipócrita faltam virtudes para renunciar ao mal e coragem para assumir a responsabilidade de seus atos. Nesta mesma linha de raciocínio, procuram destruir os sonhos, planos e projetos dos que têm entusiasmo, colocando defeitos em tudo.

        Gabam-se simploriamente de serem honestos e bajulam os virtuosos, de quem têm inveja que não confessam. Procuram igualar-se às criaturas superiores, mas com um pouco de argúcia pode-se perceber esse disfarce. Às vezes, simulam submissão e até amor àqueles que detestam e carcomem. Sua perversidade os inquieta com escrúpulos que os envergonha, mas apenas em silêncio, em segredo. Se desmascarados, descoberta a sua falsidade, sofrem o mais cruel dos castigos.

        O hipócrita tem grande apetite por valores materiais, principalmente pelo dinheiro, e este o impele a descoberto. Não retrocede diante das artimanhas de seus adversários e costuma acumpliciar-se para vencê-los. Gosta de ser reverenciado, bajulado. Sabe farejar o rastro de negócios escusos, vende-se ao melhor ofertante, prospera através de maracutaias. Assim, parece triunfar sobre os sinceros e incautos, sempre usando ardis e motivos vis. Se, para obter os seus inescrupulosos propósitos vier usar a intriga, sua “honestidade” se macula e se torna capaz de todos os rancores. Por isso, é preciso tomar muito cuidado para não se colocar em seu caminho; se o fizer, desmascare-o logo de início, retire a sua máscara de forma a desestimulá-lo de prosseguir nos seus intentos, embora sabendo que, daí por diante, será por ele desprezado e odiado.

        Em certo sentido, em muitas ocasiões, a hipocrisia pode causar mais mal que o ódio, embora este seja um dos sentimentos que mais corrói a alma humana. O homem digno é valoroso, mas o hipócrita é amedrontado. Por isso, o homem digno desabafa-se, enquanto o hipócrita simula, escamoteia, disfarça; aquele, sabe cancelar ou anular seu eventual ódio, enquanto este nem sequer admite que o tenha. Por isso, não abre o seu coração a ninguém e, sempre que necessário, finge ter ódio.

        Com relação às crenças ou religiões, o hipócrita professa a que lhe é mais vantajosa. Dessa forma, escolhe ou adota uma religião por conveniência, não por convicções morais, ou seja, sua religião é uma atitude, não um sentimento interior. Por isso, não raro, costuma exagerá-la, assumindo a posição de fanático. Assim, nas horas de crise em que a fé agoniza no fanatismo, perde o alento e cai no exagero materialista de quase todas, senão todas as religiões, mudando de uma para outra com facilidade, já que não têm um ideal a preservar.

        A moral do hipócrita está no fato de tirar vantagens de tudo e de todos; a moral da criatura virtuosa está nas boas intenções e na finalidade de suas ações, sempre objetivas, claras, honestas e dignas. O hipócrita é constrangido a manter suas aparências, enquanto que o virtuoso cuida de seus ideais com entusiasmo e otimismo.

        A hipocrisia é um estado de ser mais profundo do que a mentira, já que esta é acidental e aquela, permanente. O hipócrita faz o contrário do que diz toda vez que isto lhe traga benefícios. Por isso, vive traindo a sua própria palavra ou embaralhando suas promessas quase nunca cumpridas ao pé da letra, transformando a sua vida interior em uma mentira metódica e organizada. De tão habituado à mentira, tem dificuldade de falar a verdade. Assim, aqueles que o ouvem, isto é, suas vítimas são iludidas por acreditarem que ele está dizendo a verdade. Daí que, o hipócrita, uma vez descoberto, não merece crédito, não se deve mais nele acreditar, é desleal e desonesto. Para se defender, então, o hipócrita se torna calculista, já que não consegue mais disfarçar o seu intento.

        O hipócrita encontra na mentira o instrumento ideal para servir aos seus propósitos, já que nele os atos estão sempre em desacordo com as palavras. Qualquer que seja a sua posição social, o hipócrita está sempre disposto a adular os poderosos e a enganar os humildes, usando a mentira como sua arma. É uma postura totalmente oposta à do virtuoso, em que a verdade é condição fundamental. Enquanto o virtuoso mantém sempre uma condição de respeito e honestidade, o hipócrita é sempre bajulador. Está inclinado ao mal, mas como lhe falta ousadia, contenta-se em cultivar as aparências, desdenhando a realidade, mas não consegue usar o seu disfarce perante todos. Não consegue, porém, enganar a todos ao mesmo tempo e, quando é desmascarado, o mundo parece desabar aos seus pés.

        O hipócrita detesta os homens retos, pois estes, com sua retidão, humilham os oblíquos que não confessam a sua covardia. Por isso, repetimos, simula tudo. Nele, até o sorriso é falso. Difama na surdina e trai sempre que necessário para atingir seus fins. Só pensa em si mesmo, caracterizando com isso sua acentuada pobreza de espírito. Com isso, fica-lhe difícil manter uma amizade verdadeira. Sendo indiferente ao mal do seu semelhante é, freqüentemente, levado à cumplicidade indigna para ajudá-lo a cumprir seus propósitos.

        O hipócrita não hesita em levantar suspeitas se isso lhe interessar, e com sua palavra, destruir ou separar amigos e amantes, envenenando com sua suspeita falsa a confiança mútua que ali existia e, portanto, jogando por terra a harmonia que entre os amigos reinava. Outra vez, a mentira é o seu sustentáculo! Por isso mesmo, não tem sentimento para com a família, a classe, as raças e a pátria, não é simpático a qualquer ideal, mas pode simular simpatia mentindo para explorar melhor esses sentimentos. Dessa forma, o hipócrita só é generoso para obter vantagens e, como exemplo, podemos notar que só pratica uma ação digna quando tiver a certeza de que suas ações serão notadas. Tudo o que é seu tem mais valor, é supervalorizado e o que não lhe pertence, mas é por ele cobiçado, é subvalorizado.

        O hipócrita pratica com freqüência a ingratidão, pois pensa que não deve praticar o bem só para evitar a ingratidão alheia. Por isso, não aceita a gratidão do seu semelhante por interpretá-la, a seu modo, como falsa.

        Como o hipócrita é indigno da confiança alheia, vive desconfiado de todos até tornar-se susceptível, o que representa para ele uma verdadeira desgraça. Isso o deixa em permanente risco de ser desmascarado pelos sinceros. Portanto, a desconfiança torna susceptível o hipócrita, enquanto o orgulho torna susceptível o homem de méritos.

        O hipócrita acumula dívidas morais e materiais, e esquece que as dívidas torpemente acumuladas escravizam o homem. Cada dívida não paga ou resgatada é um ferro em brasa a queimar-lhe a consciência; é como uma cadeia de elos de uma corrente que cresce e se avoluma, deixando-o impossibilitado de viver com dignidade. A vergonha, então, o persegue de modo que o faz cruzar uma rua para não se encontrar com seu desafeto, ou, se não o fizer, desvia o olhar para não encontrar com o do outro. As dívidas contraídas, seja por vaidade, seja por vício, obrigam o hipócrita a fingir e a enganar, e aqueles que as acumulam renunciam a toda sua dignidade.

        O hipócrita, sendo utilitário e oportunista, está sempre disposto a trair seus princípios, se é que os têm, em troca de benefícios imediatos, o que impede de fazer amizades com pessoas decentes e dignas. Não há reciprocidade de sentimentos, só possível entre iguais.

        Finalmente, as criaturas de espírito superior não podem entregar-se à sua amizade, pois estarão sujeitas à infâmia do hipócrita que pode ser por ele deflagrada a qualquer momento. Moliére, o maior comediógrafo francês do século XVII, retratou este tipo de forma maravilhosa em sua sátira contra a hipocrisia intitulada Tartufo, nome do personagem central da peça, de onde provem o termo tartufismo, usado como sinônimo de hipocrisia.

 

A indiferença

        A indiferença é um estado de espírito negativo que acomete as criaturas que não sabem usar o pensamento e a vontade na forma como é devida, isto é, com força e determinação para obter bons resultados em tudo que venham fazer. A pessoa indiferente por natureza desdenha e despreza quase tudo e quase todos. Sua apatia provém da profunda insensibilidade moral e social, passando pelo descaso com que trata seus próprios familiares.

        Há, na vida, pessoas que só pensam no seu interesse o tempo todo, nele centralizando as suas ações, agindo com indiferença às realizações e emoções do seu semelhante. O mundo está cheio de pessoas que se abstraem das coisas e dos acontecimentos. Concentram-se no puro desfrute de sua existência material. São incapazes de oferecer solidariedade até a seus próprios amigos e familiares. Nada conta para elas, a não ser o imediatismo estreito de sua existência “fechada” ou “trancada” em si mesmas. Essas pessoas constituem o grupo imenso dos seres indiferentes e apáticos.

        Essas pessoas mal se dão ao trabalho de enxergarem além de seu nariz, onde termina o seu horizonte; sua visão de vida é estreita e deformada. Mal conhecem seus vizinhos, os nomes das ruas próximas onde moram, os seus parentes mais próximos, não se interessam em ampliar os seus conhecimentos sobre o seu país, o seu povo, a sua história, enfim, estacionam com o conhecimento que têm. Não se apercebem do que está acontecendo no mundo por puro desinteresse. Se sabem ler, lêem mal ou não entendem o que lêem porque o seu raciocínio acha-se embotado. Portanto, nada assimilam através da leitura. Essas pessoas constituem o grande grupo dos seres rotineiros e medíocres de espírito e se sentem satisfeitas dentro de sua própria mediocridade.

        Os medíocres são egocêntricos e, seja por inércia do raciocínio, seja por comodismo, gostam de ser iludidos ou iludirem-se. Falta-lhes iniciativa. Na verdade, não fazendo esforço nenhum para se desenvolverem, conformam-se com o pouco que sabem. Procuram evitar problemas, para viverem em paz consigo mesmos. Por isso, isolam-se ou tornam-se indiferentes. Este é o pano de fundo que explica por que a indiferença abrange um grupo tão grande de pessoas. Estas não têm opinião própria e se a têm sentem medo de expressá-la para não se exporem ou serem criticadas. Por falta de convicção sobre suas idéias, não sabem se defender. Quando possuem alguma cultura procuram sofismar e, mesmo inconscientemente, estão sempre “com o pé atrás”, como se diz popularmente. Estão sempre predispostas a encontrar conclusões que lhes interessam, procurando conciliar a sua realidade com a verdade, sem o conseguirem. Ao emitirem suas idéias e opiniões abstraem-se da lógica, de cuja exatidão ninguém duvida, e preferem associá-la aos seus próprios interesses e prazeres materiais. Criam assim, sua própria “verdade” e impregnam-se dela.

        É sabido que o indivíduo é o produto da hereditariedade, do meio em que vive, dos compromissos assumidos em grupo, dos laços familiares, da tradição e outros. Prevalecem, porém, as influências do meio e dos recalques adquiridos.

        Os indiferentes não têm força de vontade, falta-lhes coragem para abandonar muitas das idéias a que se apegaram. Por isso, da indiferença à indolência é um passo. Seus sentimentos estão endurecidos, empedernidos por sentirem-se comprometidos apenas com a “verdade” que eles mesmos introduziram em suas mentes. Costuma-se dizer que certas pessoas têm “um coração de pedra” para significar a imutável sensibilidade que possuem. Esta permanência de atitude lhes traz um certo conforto e aparente paz de consciência, mas por isso mesmo, sua evolução é lenta. Mas, a verdadeira paz de espírito que acompanha as pessoas boas e puras, esta eles não têm.

        Vítimas de uma segunda natureza que eles mesmos implantaram em suas mentes com o correr do tempo, incorporam o que dizem e o que pensam de uma maneira tão forte, que torna-se-lhes muito penoso romper as suas “verdades”. Tornam-se indolentes, incapazes de reagir, de mudar a sua ótica de ver as coisas, por mais simples e clara que seja a lógica que se lhes apresenta. Possuem antolhos para verem além das aparências.

        Pelo fato de firmarem-se em princípios falsos pelos quais se batem, dominados pelos sentimentos e desprezando a razão e a lógica, defendem suas idéias, princípios e religiões que professam com unhas e dentes, mas com insegurança e dubiedade. Muitos chegam a perceber a enrascada em que se meteram, mas preferem ser insinceros consigo mesmos e carregam esta contradição por muitos e muitos anos, sem coragem para romper esse conflito de consciência. Nunca dão “o braço a torcer”, como diz o ditado popular. Estão nesta categoria de “insatisfeitos da consciência” muitos pregadores, fanáticos, religiosos, aliciadores, demagogos e maus políticos. Todos eles começaram com um conflito pessoal, depois familiar e finalmente, social. Sem idealismo algum, a não ser para servir ao seu próprio interesse material, tornam-se automistificadores e mistificadores da grande massa de rotineiros e medíocres que não querem raciocinar, pessoas suscetíveis à credulidade.

        Usando a lábia dos grandes embusteiros e espertalhões, pretendem iludir a todos com suas “verdades”, inoculando nas mentes dos incautos falsas idéias para delas se aproveitarem materialmente. São os mistificadores de profissão que utilizam toda sorte de ardis e artifícios. Mas, se chamados ao debate, ao exame lógico das idéias que expõem, sentem-se dúbios, gaguejam ou procuram atropelar as razões de seu debatedor e acusam-no de não ter fé.

        É preciso romper com a indiferença. Colocar o pensamento e a vontade em ação. Raciocinar sobre todas as coisas e fenômenos que ocorrem à nossa volta, lembrando-se que nada acontece por acaso. Se cairmos no erro, ao percebermos, colocar de lado o orgulho e a vaidade e redirecionar nossa vida de forma lógica e objetiva. Só assim sacudiremos a poeira dos tempos e evoluiremos mais rapidamente.

A infidelidade

 

        A infidelidade é um sentimento muito negativo e bastante grave, que consiste na quebra ou rompimento da confiança e que se manifesta na forma de traição de um acordo feito entre um homem e uma mulher, qualquer que seja este acordo. Há acordos de diferentes tipos entre um homem e uma mulher, sendo o mais comum o nupcial ou casamento legal. A infidelidade não deve ser confundida com o adultério. Este envolve aspectos legais e religiosos, segundo os quais certos atos são considerados pecaminosos. O adultério é a infidelidade conjugal ou prevaricação, cometida fora do casamento, enquanto que a infidelidade é uma desonestidade de natureza mais ampla, que se configura por um não cumprimento daquilo a que se obriga ou se obrigou, de natureza emocional e desleal. A infidelidade, como tal, é uma deslealdade específica.

        A infidelidade é uma transgressão moral a tudo o que for aceitável e permitido entre marido e mulher, casados legalmente ou de fato. Não basta a dúvida que uma criatura possa ter e perder a sua confiança no comportamento da outra; é preciso ter certeza que, de fato, está ocorrendo ou ocorreu uma traição, e tenha disso pleno conhecimento. A traição, então evidenciada, é a consumação da quebra de um acordo conjugal. Ela revela que necessidades emocionais e outras, próprias da relação a dois, não foram satisfeitas. Isso não significa que existe “culpa”, sempre argüida ou levantada por um dos cônjuges.

        O problema da infidelidade, o seu surgimento, está ligado às expectativas frustradas, e isso porque, todo e qualquer relacionamento implica em alegrias e frustrações, sendo difícil e muito penoso para ambos conviverem quando estas últimas ultrapassam certos limites. É preciso ter claro em mente que nenhum relacionamento preenche todas as necessidades emocionais e outras dos cônjuges. Se a criatura não se der conta dessa verdade, poderá se envolver em sucessivos relacionamentos fora do casamento, todos fadados ao fracasso, além do deslize moral que essa atitude implica.

        Não há dúvida que a infidelidade é um sintoma de que algo na relação a dois não vai bem, não satisfaz mais a um dos cônjuges ou a ambos e sua existência cria uma situação intolerável dentro do casamento. As evidências disso são as desavenças, as brigas violentas e as agressões físicas levando à separação e ao divórcio e, em alguns casos, a crimes passionais.

        A infidelidade tem mais a ver com a fraqueza da criatura que trai, seu temperamento, seus valores, os momentos difíceis por que passa na vida, mas decorre principalmente de insatisfações e frustrações para as quais a pessoa não encontra uma solução ou saída negociada ou honrosa. A causa pode ser falta de maturidade de um dos cônjuges, pode ser que a pessoa avaliou mal suas expectativas e, uma vez desfeitas estas, sente-se que tudo vai desmoronar a sua volta. Sente que a sua vida vai perder sentido e precisa criar uma situação de fato para tomar coragem e decidir novos rumos.

        É óbvio que as dificuldades de cada caso e suas particularidades precisam ser levadas em conta para se poder fazer uma abordagem realista da situação. Quando estiver em jogo personalidades fortes, falta de compreensão, intolerância de um para com o outro, impaciência, falta de esforço de ambos para encontrar solução para os problemas e, sobretudo, desrespeito moral e físico, criam-se mágoas e ressentimentos difíceis de serem superados. Aí, se nenhuma conciliação íntima for possível, através de um minucioso exame de consciência e muita compreensão e, enquanto não houver decisão para uma separação ou mesmo o divórcio, a infidelidade pode tornar-se um remédio amargo para o casamento infeliz. Nesse caso, a infidelidade é o efeito e não a causa dos problemas.

        O relacionamento fora do casamento pode ser de variados tipos ou graus como casual, emocional leve e íntimo, este último com forte envolvimento emocional ou paixão.

        O envolvimento casual, fora do casamento, tem raízes profundas em criaturas imaturas, inseguras e volúveis, que não cresceram psicologicamente para assumir os encargos do casamento. Há homens que têm em si, muito arraigado, o sentimento de machismo, dando largas à sua imaginação e ao desejo de uma experiência excitante e ilícita. Fazem isso por pura vaidade, por afirmação egoística de narcisismo ou pelo prazer da conquista amorosa inconseqüente e irresponsável. Agarram toda e qualquer oportunidade que ocorre em viagens, festas, encontros, comemorações de aniversário, bailes para fazer a sua conquista. As pessoas aceitam porque lhes parece ter pouca ou nenhuma conseqüência. O conquistador acredita que nenhum mal acarreta e que tais práticas não vão abalar as suas convicções em relação à família. Muitas vezes, até pensando que a experiência que vai adquirindo pode enriquecer suas relações conjugais, acaba caindo em armadilhas difíceis de sair. Isso para não se falar no risco de adquirir doenças sexualmente transmissíveis, como a AIDS e outras, bem como, de gravidez indesejável, com todas as suas dolorosas conseqüências. Essas aventuras extraconjugais amesquinham o potencial do casamento e contribuem para a sua deterioração, cavando um fosso profundo nas relações conjugais. Psicologicamente, deixa a criatura cada vez mais vulnerável às investidas do mal.

        O relacionamento sexual leve é a forma mais comum de envolvimento emocional extraconjugal. Aqui, ele já adquiriu raízes mais profundas; há encontros periódicos, mas sem criar expectativas que tais encontros prosperem ou se transformem em algo definitivo e sério para o futuro. Apesar disso, há o risco de que o envolvimento se torne muito intenso, maior mesmo do que se pretendia, já que as emoções são imprevisíveis, e nada garante que as pessoas as manterão sob seu controle. Esse envolvimento pode ser mútuo ou unilateral, mas qualquer que seja o caso, leva a complicações de ordem psíquica, e a criatura se vê desdobrada em duas, passando a viver vidas paralelas, criando situações indesejáveis dentro do casamento, a ponto de se tornarem insustentáveis. Qual a solução? A solução tem que vir bem antes de começar o problema: é ter força de vontade para resistir a todas as tentações que a vida se nos impuser, fugindo das armadilhas com coragem e firmeza.

        No envolvimento do tipo caso íntimo, o casamento se deteriora a tal ponto que não tem mais conserto e, se vier a transformar-se em paixão, fatalmente levará a criatura ao divórcio. Muitas pessoas chegam a esse ponto porque a paixão é um poderoso incentivo para o seu ego, principalmente quando a pessoa chegou a um estado de desânimo muito grande, enfraquecendo-lhe a vontade a tal ponto que não consegue mais controlar as suas emoções ou, então, tem complicações familiares insolúveis. Isso pode ocorrer quando a criatura passou muito tempo resistindo às tentações e não consegue romper a paixão que nela se instalou, achando que ela compensará os sacrifícios que advirão. Puro engano! As desvantagens são enormes e a culpa moral abaterá fatalmente sobre a criatura com efeitos terríveis no presente e no futuro, causando-lhe forte desgaste emocional e psíquico. A maioria das pessoas não consegue sustentar essa situação por muito tempo e a certa altura terá que decidir e fazer a sua escolha, acompanhada de muita confusão e sofrimento.

        O que fica ou resta para o casal é muita raiva, mágoas e ressentimentos que causam grandes males ao seu progresso espiritual, principalmente quando o mal se torna visível, se transforma de desconfiança em certeza. Pior ainda quando essa revelação de infidelidade se faz diretamente, quando o marido ou a mulher revela ao outro a traição, em momentos de briga violenta ou fúria, em que, fora de si, descontrolados emocionalmente, não medem palavras.

        A infidelidade traz seus próprios problemas, mas também, traz a necessidade urgente de se lhes dar solução, principalmente quando o culpado não admite a culpa e não deseja ou não procura uma conciliação. Esta nem sempre é uma solução definitiva e só poderá ser levada a bom êxito se o parceiro traído tiver muito amor à pessoa que causou a traição, já que não é fácil apagar todas as amarguras trazidas e inculcadas com o desenrolar dos fatos.

        A única e definitiva solução para a infidelidade confessada, admitida ou revelada por qualquer forma é, infelizmente, a separação do casal, devendo cada um procurar se refazer e dar novo rumo às suas vidas. Infelizmente, nem sempre isto é fácil de fazer, devido a outros interesses de ordem material ou relacionados com a guarda e a educação dos filhos, os maiores perdedores, as maiores vítimas da infidelidade, qualquer que ela seja.

        Somente com a evolução espiritual, que leva a um melhor conhecimento da vida, da moral cristã, da maturidade antes de se casar, das responsabilidades próprias ao casamento e dos encargos do lar, da existência do amor verdadeiro, do autocontrole para vencer as tentações emocionais, da compreensão e da tolerância poderá a criatura resistir a todas as investidas do mal, e ser feliz no casamento. Mas este ajuste, esta evolução tem que alcançar ambos os cônjuges, que precisam ser mais realistas e menos fantasiosos em seus desejos e pensamentos.

 

A inveja

        A inveja é um dos sentimentos mais negativos, ignóbil mesmo, que atormenta as pessoas de baixa espiritualidade. Isto porque, aquele que se entrega à inveja, rebaixa-se sem que o saiba, confessa-se subalterno. Ela traz consigo a marca psicológica de uma inferioridade humilhante.

        Através da inveja sofre-se em função do bem e da felicidade alheias. Este sofrimento é que caracteriza a inveja, é sua razão de ser, seu cerne moral, corroendo o coração do invejoso como um ácido corrói o metal. É como a ferrugem que ataca e destrói o ferro.

        O sentimento de inveja é tão negativo que jamais se viu um invejoso confessar que o é. Existem pessoas de moral duvidosa que podem até alardear alguns de seus vícios mais infames, mas não têm a coragem de se confessarem invejosas. De outro lado, não reconhecer a importância da inveja é declarar-se inferior ao invejoso. Trata-se, portanto, de uma paixão tão nefasta e detestável que ela é encontrada em todas as camadas sociais, em todas as etnias e em todas as nações. Ela envergonha até mesmo aos mais impudicos e se torna difícil, impossível de se ocultá-la.

        Muitos psicólogos tratam-na como um caso particular do ciúme, mas isto não é correto porque, desde a mais conhecida antigüidade, já a mitologia grega atribuía-lhe origem sobre-humana, das trevas noturnas e, também, porque nos tempos modernos adquiriu tanta virulência que convém ser tratada independente do ciúme. Convém assinalar que na mitologia grega a inveja era representada por uma mulher com a cabeça coberta de víboras, com olhos fundos, dentes pretos e língua untada, segurando com uma das mãos três serpentes e, com a outra, uma hidra e, no seu seio, incuba um monstruoso réptil que a devora continuamente.

        O invejoso não suporta o sucesso alheio. Este o aflige e o deixa sempre angustiado; sofre muito pelo castigo implacável que impõe a si mesmo. Trata-se de um tormento semelhante ao que se sente quando se tem ciúme.

        Há, ainda, os que comparam ou chegam a confundir inveja com ódio. Ambos nascem da maldade e, quando dão as mãos, tornam-se mais fortes. Tanto aquele que odeia como o invejoso sofrem em conseqüência do bem e parecem gostar do mal alheio, mas é só nisso que se parecem. Eis a diferença: o ódio destila o mal que o indivíduo dirige aos outros; ao contrário, a inveja é estimulada pelo sucesso e prosperidade alheia, querendo para si o que pertence aos outros.

        No dizer de José Ingenieros: “Pode-se odiar as coisas e os animais; só se pode invejar os homens. O ódio pode ser justo, motivado; a inveja é sempre injusta, pois a prosperidade não causa dano a ninguém”.

        Estas duas paixões são alimentadas e fortificadas por causas equivalentes: o ódio se dirige aos mais perversos e a inveja aos que mais merecem. Daí Themístocles ter dito, quando ainda jovem, que não tinha realizado nenhum ato brilhante, porque ainda ninguém o invejara.

        Com freqüência o ódio ofende, inspira e é temível; já a inveja conspira e é repugnante. O invejoso é ingrato por natureza. Constata-se, também, que se sofre mais invejando do que odiando. O ódio não teme a verdade e a inveja elabora a mentira. Ambos atormentam aqueles que lhes dão guarida em suas mentes e corações. Há quem diga que o ódio pode até ser justo, quando empregado para derrotar a tirania, a infâmia e a indignidade.

        O homem superior jamais será invejoso, já que possuindo seus próprios méritos não desejará o de outros. Inveja-se o que os outros já têm e o que se desejaria ter; por isso, no fundo, a inveja é um sentimento de frustração. Ela nasce de um sentimento de inferioridade que os espíritos fracos estimulam e carregam consigo. Neste sentido, é uma inclinação de tendência egoística, resultante de uma incapacidade de competir.

        Aquele que já evoluiu a ponto de ver nos outros parcela da Força Universal em ação, capaz de sentir a beleza em todas as coisas da natureza e nas feitas pela mão do homem, que admira as artes e cultiva a ciência e que se comove com os grandes feitos e se deixa arrebatar pelos ímpetos da emoção, enchendo seus olhos com lágrimas, é um espirito avançado e jamais será invejoso.

        A psicologia moderna procura distinguir entre o invejoso passivo e o ativo; o primeiro é hipócrita, servil, irremediavelmente inferior e não vacila em sacrificar até seus familiares para atingir seus fins; já o ativo possui uma eloquência bárbara. Dissimulando suas idéias, pretende desvendar o espírito alheio sem nunca ter podido desvendar o próprio, é virtualmente traiçoeiro, ardiloso e intrigante: é uma víbora no ditado popular. O invejoso ativo, não conseguindo elevar-se, refugia-se em instituições onde o culto da vaidade é alimento a seu caráter medíocre. É capaz de difamar os seus invejados. Nele a inveja projeta-se ao passado, chegando a invejar grandes vultos de nossa história.

        O invejoso olha para as pessoas com olhares oblíquos, nunca os encarando de frente.

        Alinharemos algumas palavras sobre este vasto tema que é a inveja feminina e masculina. A inveja feminina é temperada por filigranas de astúcia e, às vezes, de perversidade e, em geral, utiliza a maledicência no matraquear das conversas fiadas, remoendo-se sem cessar até atingir sua invejada ou invejado. Seu alvo, em geral, é a beleza que ela vê, obliquamente, em suas competidoras. Já o homem vulgar inveja as fortunas e as posições sociais, julgando que a riqueza seja o supremo ideal dos outros, certo que é o seu. Nisto se explica o fato de o proletário invejar o burguês, sem renunciar a substituí-lo: na verdade, ele gostaria de estar no lugar dele. Mas, acima de tudo, o talento em todas as suas formas é o bem mais invejado entre os homens. Basta o indivíduo sobressair-se, em qualquer atividade, para arrastar, atrás de si, numerosa fileira de invejosos que, incompetentes, procuram reunir esforços para destronar seus ídolos.

 

A maledicência

        A maledicência é um sentimento de ordem inferior e bastante nocivo, porque produz prejuízos em ambas as extremidades, no detrator e no detratado. A criatura maledicente é sempre uma pessoa sombria, medíocre, que não respeita a si mesma nem a quem rodeia, sem idéias próprias e sem elevação de espírito. Destituído dos bons valores morais e dos necessários dotes intelectuais, prevalecem no maledicente atributos espirituais ainda não lapidados, grosseiros mesmo. De regra, mantêm-se na superfície, já que lhes falta capacidade de raciocínio para se aprofundarem em qualquer questão.

        Pelo baixo nível de suas idéias e pensamentos poderiam merecer indulgência das criaturas mais privilegiadas se soubessem se manter simples e humildes. Infelizmente, isso não acontece e, em geral, são pretensiosas e, por isso, tornam-se perigosas e nocivas. Como não podem igualar os dotes dos que têm talento e brilho, os ofendem; já que não podem elevar-se até eles, decidem rebaixá-los, carcomendo-lhes o mérito com voraz maldade. A reputação dos dignos os humilham; por isso, cospem todo o seu veneno neles, posto que estão sempre de mau humor e de má vontade para com o próximo.

        As pessoas medíocres são mais inclinadas à hipocrisia do que ao ódio. Por isso, preferem a maledicência silenciosa, sub-reptícia, não ostensiva à calúnia, que é violenta e requer ousadia por parte do caluniador. A calúnia é um crime previsto em artigo no Código Penal Brasileiro e, infringi-lo ou desafiá-lo, leva aos rigores da lei. Por isso, o caluniador tem que ter coragem para desafiar o castigo penal, o que o maledicente não tem, porque age na surdina, sutilmente e normalmente se oculta na cumplicidade de seus iguais.

        Encontramos os maledicentes em toda parte: nos lares, nos locais de trabalho, nos clubes, nas universidades. Eles acometem todos que possuem alguma originalidade. Embora aparentando recato, embargam a voz sempre que falam; na verdade, tartamudeiam, assacando contra a felicidade alheia. Semeiam tempestades em copo d’água, envenenam a vida das criaturas benignas sempre que invejam suas qualidades luminosas. Não se trata apenas do ignorante injuriar o sábio ou o domesticado invejar o digno. Em qualquer caso, o maledicente carrega consigo sempre uma conduta humana vil e abjeta.

        O maledicente derrama o seu veneno de forma sutil, bastando, às vezes, um sorriso ou franzir de testa seu para apontar seu detratado, que pode ser um homem probo ou uma mulher digna e honesta, comprometendo-lhes a reputação, não raro, de forma irremediável. Outras vezes, desanda a falar de forma entrecortada ou mesmo quase em soluços palavras ofensivas, criando situações embaraçosas para si ou seu parceiro, retumbando, num nervosismo crescente, suas palavras, principalmente quando se encontrarem diante de uma “platéia” disposta a ouvir suas sandices ilógicas e atabalhoadas. Desafina-se facilmente de suas idéias e, como não pode igualar os méritos de seu interlocutor procura denegri-lo, lançando mão da mentira espontânea que flui fácil de sua mente. Por ser covarde não afirma nada, apenas insinua, mas chega a desmentir imputações que lhe são atribuídas para fugir de suas responsabilidades.

        Outra característica do maledicente é que ele cala com prudência de todo o bem que sabe sobre alguém, isto é, ele se omite para melhor realçar todo o mal que deseja destilar sobre determinada pessoa. Por isso, é fato conhecido que o maledicente não respeita as virtudes íntimas, nem os segredos do seu lar; nada lhe escapa quando se trata de falar mal da vida alheia, estiletando seu parceiro na vista de seus filhos e amigos, sem respeito algum, nem piedade.

        É preciso sempre desconfiar dos elogios, principalmente quando provêm de indivíduos de má índole, interesseiros e sabidamente maledicentes: eles maldizem elogiando e aplaudindo, mas com reservas, para, com sua baixeza, praticar o mal da maledicência. São irônicos, malignos, pérfidos, zombadores da confiança e da ingenuidade alheia, burlando, portanto, qualquer laço mais estreito de carinho e amizade que pudesse existir em suas relações. Isso porque é mais fácil para o medíocre ridicularizar uma ação sublime de seu semelhante do que imitá-lo, seguir-lhe o exemplo.

        Os maledicentes têm malignidade perversa devido à falta de dignidade. Procuram disfarçar seus ressentimentos para acobertar sua inferioridade humilhada, sempre que descobertos. Caluniam às escondidas, mas sempre encontram uma enxurrada de cúmplices que lhes dão cobertura ou se omitem. Isto é muito comum na mídia, onde a fofoca assume o lugar da maledicência por ser mais elegante pois, não raro, aquela tem o tom bajulador. José Ingenieros, em sua monumental obra O homem medíocre escreveu: “O escritor medíocre é pior pelo seu estilo do que pela sua moral” [INGENIEROS, 1953, p. 87]. Fato é que muitos escritores e jornalistas, que se enquadram nessa afirmação, conseguem ser apenas terrivelmente aborrecedores, com páginas recheadas com lugares comuns, frases feitas, repetitivas ou ambíguas, que bem poderiam terminar no primeiro parágrafo. Enfim, não têm objetividade, tropeçando nas próprias palavras.

        É preciso muito cuidado para não se envolver com os maledicentes. Eles estão em toda parte e sua maledicência oral tem eficácia imediata e esta tem sua raiz na complacência daqueles que os ouvem, sem se indignarem, criando-lhes uma atmosfera propícia à sua difusão e circulação. Assim, evite-os, protegendo de antemão a sua reputação.

 

O medo

        De todos os sentimentos negativos, o medo é o que mais se acha arraigado na mente humana. Ele é criado pelo pensamento, mas tem suas raízes na insegurança que a pessoa sente em face de várias situações que a vida nos reserva. E isto desde a mais tenra idade, até mesmo antes de se formar a consciência no pequenino ser. Por isso, muitas vezes é tratado mais como um instinto do que como um sentimento.

        Toda nossa vida, desde que nascemos até morrermos, é uma luta incessante para ajustar, transformar e tornarmo-nos úteis enfim, evoluirmos. É dessa luta e conflitos que surgem as numerosas causas de confusão, embrutecimento da mente e insensibilização do coração. Vivemos dentro de uma dualidade, de desejos opostos, com seus temores e contradições.

        Os conflitos se manifestam a todo momento entre as atividades do “eu” (o observador) e o “não eu” (a coisa observada, experimentada). O “eu” está impregnado de impulsos, ambições, pretensões, prazeres, ódios, ansiedades, competição e temores de toda espécie; já o “não eu” constitui o conceito, a fórmula, o ideal a ser alcançado. Entre estes dois extremos construímos a “nossa ponte”, tentando ligar “o que é” ao que “deveria ser”. E é aí que reside o conflito, a dualidade, porque não conseguimos ficar só de um dos lados da ponte.

        Neste contexto, nosso principal desejo é sermos totalmente livres no âmbito material, político, social e religioso, com o objetivo final de descobrirmos a realidade no sentido existencial máximo e evoluirmos para a perfeição, isto é, para algo eterno e intemporal — a Força Criadora de tudo o que existe. O importante é não deixar esta liberdade naufragar em um processo de auto-isolamento, sendo necessário mantê-la sempre viva em nossa vida relacional. É natural que neste desejo de liberdade ocorra o medo, já que o excesso de liberdade pode gerar a insegurança. Toda criança deseja segurança, e nós adultos, à medida que envelhecemos, continuamos exigindo segurança e certeza em todas as nossas relações com coisas, pessoas e idéias.

        Ora, é o medo que destrói o amor através do ciúme, que cria a ansiedade, o apego, o desejo de posse e de domínio, o ciúme em todas as relações; é ele que gera a violência. E a violência é um dos grandes obstáculos a uma vida mais saudável e segura, principalmente nas grandes cidades.

        Sem querer examinar como surge o medo, o que lhe dá sustentação e duração e como lhe pôr fim, vamos, no entanto, abordar aspectos a ele inerentes sem deixar de lado a questão de sua realidade.

        Há muitos tipos de medo. Há o medo por instinto, que é uma reação sensorial face ao perigo ou ameaça iminente, e o medo psicológico, este mais conhecido como temor ou fobia, como é o caso do medo da morte, medo da escuridão e outros desse tipo. Para vencer o medo, precisamos desenvolver a coragem, que é a melhor forma de resistência ao medo, embora muitos prefiram utilizar a fuga ou até mesmo o lazer para se lhe opor.

        No contexto mais acima exposto, o medo é o “não eu”. Mas, a coisa se complica porque não existe o observador (o “eu”) observando o medo; aqui, o observador espelha o medo, isto é, o observador se funde na coisa observada, na realidade concreta que é o medo. Neste caso, há uma interrelação dinâmica entre o “eu” e o “não eu”.

        A real causa do medo está no pensamento e no tempo. É o tempo que me “liga” àquilo que eu temo. Tenho, por exemplo, medo que amanhã ou no futuro me faltem recursos para viver livre, que eu perca a saúde, meus bens, meu amor. Do mesmo modo, tenho medo de que não receba uma dívida de um amigo a quem emprestei dinheiro. É fácil observar que nestes exemplos “a ponte” entre o “eu” e o “não eu” é o tempo. E o pensamento, qual o seu papel neste contexto? O pensamento gera o medo, e bem assim, o prazer, ambos dependentes do tempo, qualquer tempo — passado, presente ou futuro. É o pensamento que cria essa moeda de duas faces: o prazer e a dor, esta, conseqüência direta do medo. Se compreendermos este processo poderemos pôr fim ao medo.

        Ora, como o pensamento não cessa nunca, já que ele é o resultado das vibrações do espírito, e seu estado dinâmico define o nosso “eu” em dado momento, voltamos ao mesmo problema do “eu” (observador) e do “não eu” (coisa observada). Portanto, é de se notar que para superar o medo temos que nos valer da força de vontade para tentar quebrar essa dependência, assumindo o risco decorrente do bom ou mau uso de nosso livre-arbítrio. E, sendo o medo uma reação da memória e da experiência acumulada em fracassos e sucessos, torna-se difícil eliminá-lo somente por controle ou repressão do pensamento. Há que se recorrer, então, ao autoconhecimento e à busca do silêncio interior, à paz de espírito, para fazer cessar o medo através de introspeções conscientes. Só pelo conhecimento de nós mesmos como Força e Matéria é que poderemos terminar com o sofrimento e o medo.

        Quem busca refúgio de uma forma exagerada no prestígio social, no trabalho, no ato de ganhar dinheiro e no conforto da vida moderna quase sempre o faz como um processo de fuga, derivado do medo da solidão interior, mesmo quando sob a aparência do subterfúgio da competição. Em geral, as pessoas se dedicam às coisas e fatos superficiais e mundanos que depressa se acabam para dar lugar a novas superficialidades transitórias que, no fundo, nunca preenchem as aspirações mais elevadas do espírito humano. O mesmo acontece com aqueles que exercem, de forma fútil, atividades na área da assistência social ou através de ajuda dita humanitária, quando no fundo estão alimentando um sentimentalismo egoístico e barato. Não havendo desprendimento e altruísmo no exercício dessas ações, desaparece o mérito.

        De outro lado, há pessoas que se sentem bem e são tomadas de grande alegria por estarem sós. Isto parece um paradoxo, porque a solidão é uma forma de retraimento, de isolamento e de refúgio. Mas, essas criaturas podem estar só exteriormente, simplesmente solitárias, o que é bem diferente da solidão interior. E, quando inexiste a solidão interior, isto é, quando a pessoa busca o autoconhecimento imergindo numa meditação criadora, desaparece também o medo.

        Vimos que o medo nasce quando o conhecido (o “eu”) procura apreciar o desconhecido (“o não eu”). Essa atividade é, portanto, a sua causa. Mas, lembre-se que a palavra medo (interior) é a cortina do medo, já que o termo está escondendo o fato, “o que é”, e a própria palavra pode até criar o medo. Assim, “o eu” (o conhecido) não pode absorver o “não eu” (o desconhecido), por não poder experimentá-lo. Conhece-se o termo, mas não se conhece o que está escondido atrás dele. Assim, só se pode pensar ou especular sobre o desconhecido ou ter-lhe medo, mas o pensamento não pode compreendê-lo, porque o pensamento é produto do conhecido, da experiência. Haverá medo enquanto o pensamento desejar experimentar, compreender o desconhecido.

        Concluímos, assim, que o medo é uma reação do pensamento diante do desconhecido. O pensamento não pode atuar sobre o que existe atrás do termo “solidão interior”, mas só pode revelar “o que é”, e este (o conhecido) é inesgotável e mantém a mente sempre ocupada.

        O medo acomete, indistintamente, a todos: ele não tem fronteiras e as criaturas preferem senti-lo em silêncio, para não parecerem frágeis.

 

O medo da morte

        O medo da morte atinge bilhões de pessoas, por viverem dissociadas da vida espiritual, só admitindo a vida material, que terminaria definitivamente com a morte carnal. Mas, o medo da morte é de origem muito mais profunda. O problema é saber se temos que procurar uma resposta confortante, mas enganosa, em busca de uma esperança, uma tranqüila continuidade ou o aniquilamento, ou se desejamos conhecer a Verdade.

        A morte é uma realidade inevitável, inexorável. Não importa o que façamos, ela é irrevogável. Mas, o que mais preocupa à criatura não é a morte em si, é querer saber o que existe além da morte, isto é, é desconhecer que espécie de continuidade existe além da morte, e em que dimensão.

        Ora, para que surja “algo novo” é preciso que exista alguma coisa que venha a findar e que já envelheceu. Isso é verdade para qualquer pessoa, cujo organismo começou a morrer logo que nasceu, num processo contínuo de renovação celular, muitas vezes de natureza revitalizante, mas decaindo com o tempo até se aniquilar por completo. Há uma descontinuidade, já que nosso corpo não dura para sempre, isto é, corpo e mente não são eternos. Parece desconcertante, mas o pensamento não cessa, nem mesmo após a morte do corpo. Isto porque o tempo não é apenas cronológico, mas um movimento contínuo do passado através do presente em direção ao futuro. É através desse movimento que ocorrem as transmigrações de memória, de imagens, dos símbolos, etc. que faz com que o pensamento e a memória tenham existência contínua, por serem faculdades do espírito, que é eterno.

        Mas, o que é o medo?

        O medo não é uma mera abstração, mas tem uma existência real, isolada e independente. Ele surge sempre relacionado com alguma coisa, isto é, não existe o medo independentemente de uma relação. Ora, como a morte continua sendo “o desconhecido”, ela não pode ser trazida para a esfera do “conhecido” para que seja estudada, dissecada, isto é, não se pode tocar o desconhecido com as mãos.

        O problema está em poder ou não poder penetrar além da cortina da morte, estando-se vivo, com a nossa consciência plena, atenta e desperta. Neste estado, que chamamos “vida”, desejamos experimentar (conhecer) algo que não se acha na esfera de nossa consciência. A vida é luta, dor, ódio, todas as sensações conscientes e inconscientes — e desejamos “experimentar” algo que representa o oposto disso. O oposto, neste caso, é o prolongamento do “que é”. Mas, a morte não é o oposto da vida. Ela é o desconhecido. Se pudéssemos experimentar a morte enquanto vivo, sem dúvida o medo da morte cessaria por completo.

        A morte é o desconhecido e é isso que nós tememos. Ora, pode alguém ter medo de uma coisa (fenômeno) que desconhece? Na verdade, temos medo não do desconhecido, mas da perda do conhecido, porque essa perda pode ser dolorosa ou acabar com nossos prazeres, nossas satisfações. Assim, é o conhecido a causa do medo e não o desconhecido, isto porque este não é mensurável em termos de prazer e dor. Assim, podemos afirmar que temos medo do conhecido em relação com a morte, mas não desta propriamente dita. É que sempre temos o conhecido como “coisa garantida”, e por isso mesmo, quase não lhe notamos a presença (do conhecido).

        Mas, para terminar, afirmamos: como muitas pessoas têm medo de olhar a si mesmos, evita-se saber “o que é”, “o que conta” e, com mais razão ainda, fogem (processo de fuga) do desconhecido e, procurando não encará-lo de frente, sofrem com este medo por pura ignorância do “que é”.

        E como se libertar desse medo?

        Para se libertar do medo de qualquer coisa é preciso conhecê-la. É o desejo de não ver que faz surgir o medo. O “que é” tem de ser visto no espelho das relações, relações estas com todas as coisas. O “que é” não pode ser compreendido no retraimento, no isolamento. Só pode ser compreendido num estado de completa passividade da mente, isto é, quando a mente não está se atirando sobre “o que é”.

 

A mentira

        A mentira é um sentimento que se fundamenta no hábito, no costume, no desejo que a criatura tem de enganar e iludir o próximo (mentira consciente ou ativa) ou que se manifesta pela sua omissão (mentira passiva), ocultando algo que, a seu critério, irá ajudá-la ou prejudicar o seu semelhante. No primeiro caso, ela se opõe à verdade e, no segundo, ela omite, oculta a verdade. Trata-se de um sentimento muito complexo, nocivo, altamente difundido em todas as camadas sociais e nas sociedades de todo o mundo, como veremos no desdobramento deste tema.

        O quadro de atuação da mentira é muito amplo, dada a natureza complexa do perfil, das características e dos matizes que ela pode assumir. Guy Durandin, doutor em Ciências Humanas, em seu livro Os fundamentos da mentira, [DURANDIN, 1988, p. 154] esboça o seguinte quadro:

 

        MENTIRAS DE ATAQUE

            * por interesse: aquelas próprias do comércio.

            * por ódio: para enganar pessoas antipáticas.

 

        MENTIRAS DE DEFESA

            * por timidez: para evitar agressão.

            * por proteção: para proteger a personalidade.

 

        MENTIRAS DE ATAQUE E DEFESA

            * como desculpa: uma tentativa de justificar erros.

            * como valorização: para parecer superior aos outros.

 

        MENTIRAS ALTRUÍSTAS

            * piedosa: para evitar a dor dos outros.

            * defensiva: para defender um amigo ou grupo social.

 

        MENTIRAS EXPLORATÓRIAS

            * inventar uma historia por meio da qual se consiga chegar à informação desejada (plantar verde para colher maduro).

 

        MENTIRAS GRATUITAS

              * parte-se de dados verdadeiros, aumentando-os ou tornando-os agradáveis (mentira de pescador, de caçador, etc.).

 

        MENTIRAS INCONSCIENTES

            * involuntárias: aquelas que só são percebidas após dizê-las.

 

        Ainda segundo Durandin, o perfil da mentira se esboça em uma dublê de agressão, uma forma de economizar forças na luta pela vida. Ou ainda, uma arma de ataque e defesa, já que a essência da mentira se encontra no instinto dos animais que se escondem para evitar o inimigo ou para surpreender suas vítimas. É dele: “Se em vez de usar um pedaço de pau contra o meu adversário e derrubá-lo, finjo ser frágil para obter o que ele me daria se conhecesse minha fortaleza, então a mentira está a serviço de meu desejo, da mesma forma que estaria uma agressão”. Aqui, a mentira está centrada no ataque, na agressão, mas as razões que levam a criatura a mentir são bem mais amplas, como esboçado no quadro anterior, do mesmo autor. O quadro ainda nos mostra que prevalecem as mentiras conscientes, sendo mais complicado descobrir-se o verdadeiro intento e as causas das mentiras inconscientes.

        A mentira está tão arraigada na sociedade que para ela foi criado o dia mundial da mentira ou do logro — o primeiro de abril —, como se ela precisasse ser homenageada, cultuada de forma universal. Ela está tão infiltrada na vida de cada um, usada e abusada no dia-a-dia, que poucos se importam com essa data, que está em descrédito. Pior ainda, escritores e poetas louvam a mentira, sonham e fogem da realidade e partem para a ficção, que evidentemente é pura mentira. Mentiras, também, são os contos de fada e as historinhas que fazem a delícia da garotada. É óbvio que nem todas são inofensivas e muitas vezes fornecem munição para a criança mentir, quando descobre que mentir por fantasia para encobrir a realidade de uma admoestação ou pito lhe traz certa proteção. Esta é uma realidade psicológica que quase todas as crianças usam. Há muitas formas modernas de educar, e compete aos pais aprender a usá-las para não comprometer a formação da personalidade de seus filhos.

        São atribuídas a Platão as frases: “A mentira tem pernas curtas” e “A mentira enfeia a alma” [DURANDIN, 1988, p. 155]. Ambas encerram grandes verdades e sobre elas sempre vale a pena meditar e tirar boas lições. Apesar dessas máximas morais, Platão admitia que os políticos e governantes podiam mentir para guardar segredos de Estado, que, revelados, enfraqueceriam os governantes. Assim, vemos que não existe remédio para a mentira dos políticos, porque aqui, mais do que em qualquer outra situação, trabalham com a moral de que os fins justificam os meios e alimentam os interesses desenfreados de riqueza e poder, caminhos abertos para a desenfreada corrupção individual, social e moral.

        Há, também, a considerar neste contexto, o problema da meia-verdade e da meia-mentira. Estas, quando justapostas, encaixadas, viram o que conhecemos como pretexto. Os pretextos ou desculpas esfarrapadas são muito comuns no cotidiano das pessoas. Por exemplo, a pessoa pode recusar um convite para um encontro, um compromisso para jantar e tantos outros com uma desculpa ou evasiva de que tem outro compromisso, está com dor de cabeça, enfim, qualquer recusa educada para fugir a um compromisso que a criatura julga chato ou comprometedor, ou até mesmo feita por inércia ou preguiça. Isso estimula uma conduta ou conveniência que mexe com a nossa consciência moral. Esse mecanismo pode tornar-se um hábito a ponto de nos levar a viver uma farsa permanente, de natureza novelesca. Aliás, os papéis assumidos pelos atores e atrizes de televisão nas novelas mostram às escâncaras estes tipos de farsas e mentiras, além, é claro, do destaque dado à hipocrisia. Veja nesta obra o tema “A Hipocrisia”.

        Usar a mentira para encobrir faltas ou erros é condenável, como também o é quando usada para manipular, explorar e alienar o nosso semelhante. Isso, a despeito de toda a sociedade e suas instituições estarem saturadas de mentira. Vemo-la imperar no mundo político, econômico, religioso e no comércio. A mídia televisiva utiliza, com freqüência, o recurso da mentira para veicular anúncios exaltando qualidades que os produtos ou serviços não possuem, agressão esta conhecida como propaganda enganosa, o que é crime previsto na chamada Lei do Consumidor.

        A corrente da mentira é tão poderosa, tão inserida está a mentira nas mentes das pessoas que até parece ser hereditária. Mentimos por medo e por hábito, porque nossos pais também mentiram para nós e tudo parece se propagar e já não ter mais remédio. Deixamo-nos contaminar como se a mentira fosse um vírus desejável. Poucos, muito poucos optam pela lucidez e pela verdade. Ainda, segundo Durandin, já citado: “O grande mérito da pessoa lúcida é não ser escrava do desejo, de poder julgar e frear seus instintos, de dar valor às dificuldades. O risco é conduzir à cabeça a idéia de que nada valha a pena, nem sequer a vida”.

        A mentira pode assumir muitas formas enganosas e até sutis. Por exemplo, parece ser aceitável por todos os médicos ocultar a proximidade da morte a um doente terminal ou seu parente mais próximo, numa espécie de mentira piedosa e autoconsentida. Mente-se, também, e muito, por amor, pois a verdade dói por dentro e por fora. Aliás, muitas pessoas não suportam a verdade e, de longe, preferem a mentira, serem enganadas, para não ter que enfrentar traumas maiores. Não agüentariam sofrer uma decepção amorosa, principalmente entre as mulheres, que levam tempo para apagar as mágoas e sarar as feridas do coração. No amor, as pessoas vivem encobrindo situações, representando, fingindo e mentindo. Até mesmo quando faz um elogio esporádico à mulher, que lhe estimula e massajeia o ego, o marido pode estar mentindo, parecendo educado e cheio de ternura. Outras vezes é o silêncio que assusta: quando não se diz o que se pensa é sinal de que a intimidade é falsa. É o que acontece quando o casamento vai mal e não queremos admitir, mentindo para nós mesmos.

        Mentir para si mesmo, eis outro grande problema. De ilusão também se vive e esta é uma grande verdade, mas somente para as pessoas tolas. A criatura procura enganar a si mesmo quando não deseja, não quer enfrentar a realidade nua e crua. Aquele que tem o hábito de mentir para si mesmo e de iludir-se perdeu a capacidade de ter prazer nas relações afetivas e suas atitudes comportamentais normalmente não resolvem os problemas. O resultado disso é o cansaço, a angústia, a sensação de tédio e a criatura, por ataque ou defesa, acaba mentindo. No trabalho e no lar julga-se imprescindível, insubstituível e isto é uma grande mentira que a criatura tenta pregar para si mesma, para se valorizar. Na prática, pode ocorrer o contrário: quando está ausente, o serviço pode até andar melhor, porque haverá menos cobrança.

        Mentir para si mesmo parece ter suas raízes na infância. Sabe-se que o caráter das crianças é forjado até os seis anos. Nessa fase, os pais não devem mimar excessivamente os seus filhos, mas deixá-los assumir maiores responsabilidades desde cedo. Evita-se, com esse procedimento, que os filhos se sintam frágeis e incapazes e necessitem fazer um esforço inconsciente enorme para não se magoarem demais. Se isso não for feito, mais tarde vão tratar os que estão à sua volta como inválidos, por terem reprimido o desejo de receberem afeto. Na vida, rejeitarão a retribuição de qualquer coisa que tiverem feito a outrem. Daí, a ilusão de serem imprescindíveis, de imporem essa mentira a si mesmos. Outros traumas secundários podem ocorrer que reforçam essa ilusão. É claro que existem numerosas outras formas de auto-ilusão, em que a pessoa mente para si mesma, como por exemplo, culpar os outros pelos seus fracassos.

 

O ódio

        O ódio é um dos sentimentos mais negativos e nefastos que uma criatura pode ter. O pensamento está permanentemente associado ao Bem, como no sentimento do amor, ou ao Mal, como no sentimento do ódio, seu oposto. Não há meio-termo. Mas, é preciso notar que quando pensamos em uma pessoa que amamos, essa pessoa se torna o símbolo de agradáveis sensações e lembranças, mas isso não é amor. Nesse caso, o pensamento é sensação, e sensação não é amor. O pensamento está sempre em competição, a buscar um fim, a querer resultados; se o pensamento for dirigido para o Bem, o resultado será prazeroso, caso contrário ocorrerá a frustração, que pode se transformar em ódio. Temos de conviver com este conflito, com este antagonismo, com esta dualidade.

        O ciúme, que também é frustração, resultante do medo de perder alguma coisa muito desejada, acirra o ódio. É quase impossível discorrer sobre o ódio sem associá-lo ao ciúme. É de notar que muitos dos que se julgam felizes, bem-aventurados e bem-sucedidos têm ódio, inveja e ciúme. Embora não se deva confundir o ódio com o ciúme, ressaltamos que ambos estão freqüentemente interrelacionados.

        Na vida nós nos movemos de um substitutivo para outro, num processo pendular entre o amor e o ódio, mas todos os substitutivos originam-se do pensamento. Por exemplo, o orgulho é uma forma comum de antagonismo, ora produzindo alívio, ora dor, num processo contínuo e dinâmico.

        É esse processo que dificulta a nossa concentração naquilo que desejamos; por isso, não basta manter-nos passivamente atentos para o processo e deixar o pensamento vagueando de um assunto para outro. É preciso ter interesse naquilo que se pensa e no resultado que se deseja obter.

        Esta batalha deriva do fato de que estamos sempre “projetando” o nosso próprio desejo e até podemos ser bem-sucedidos, mas o que temos é outra substituição e, nestas condições, está reiniciada a batalha. É o terreno minado dos opostos, este desejo de evitar ou ganhar.

        São de Krishnamurti estas palavras: “Vede o falso como falso, e a verdade aparecerá. Não precisais procurá-la. O que se procura se acha, mas o que se acha nem sempre é a verdade. É como uma pessoa desconfiada descobrir aquilo que suspeita, o que é relativamente fácil e estúpido.” [KRISHNAMURTI, 1972, p. 20]

        O que fazer, então?

        Manter-nos passivamente receptivos e cônscios, apenas, desse processo total do pensamento, bem como do desejo de nos livrarmos desse processo, pode não bastar.

        Quando a criatura não invoca a sua força de vontade, o ódio sempre se manifesta, embora algumas vezes de forma disfarçada por leve oposição a alguma coisa ou a alguém. É, então, um sentimento generalizado, arraigado nas pessoas. Outras vezes é um antagonismo tão forte contra todos e contra tudo, virulento, que traz dolorosas conseqüências para quem o pratica e a quem é dirigido, se este não tiver como se defender com pensamentos valorosos de amor. É preciso, então, superá-lo, praticar o Bem, em todos os momentos de nossa vida, não desejando a outrem o que não queremos que nos façam.

 

A perversidade

        A maldade e a perversidade são sentimentos altamente negativos que derivam do mau uso do livre-arbítrio das criaturas. Do ponto de vista da Psicologia, são nevroses que se caracterizam por diferentes graus de malignidade, agravadas com o mau uso do pensamento e da vontade. Os perversos podem ser classificados em fracos, médios e duros, de acordo com o grau de agressividade com que atuam. O agravamento de um grau para outro ocorre, de regra, pela impunidade de nossas leis ou por descaso da sociedade que não lhes impõe a devida correção, tratamento e recuperação. Mas, de outro lado, muitos são perversos por temperamento mórbido ou por maus exemplos adquiridos de outrem, seja de amigos na escola ou fora dela, seja dos pais que, até mesmo por omissão, podem ser responsabilizados pela má educação transmitida aos filhos.

        De regra geral, os perversos são egoístas, invejosos e, na sua forma mais dura, odeiam o seu semelhante quando não toda a sociedade. Por isso, brutalizam as pessoas para obter seus fins e alimentar estes três sentimentos negativos: egoísmo, inveja e ódio. Sua nocividade decorre por serem anti-sociais e, portanto, desprovidos do menor espírito de ética e por estarem afastados da moral cristã. O principal traço é que neles nem a consciência nem os escrúpulos funcionam como nas pessoas normais. Possuem o coração endurecido e a mente empedernida. São incapazes de amar no sentido melhor dessa palavra ou de dedicar amizade a alguém. Mas, possuem cúmplices da mesma laia e organizam bandos e quadrilhas que ocupam as páginas dos noticiários policiais diariamente, principalmente nas grandes cidades, e criam verdadeiro pandemônio, desorganizando e infernizando a sociedade.

        É pelo traço da falta de escrúpulos, acima mencionado, que se caracterizam os perversos: os fracos tentam, ainda que sem sucesso, controlar seus ímpetos e instintos; os médios, aceitando maior influência dos duros, nem sequer tentam evitar as correntes do mal; e, os duros, totalmente sem escrúpulos, instigam e obtêm a prática do mal, aliciando as outras classes, organizando quadrilhas e chefiando-as. O traço comum a todos é que desrespeitam a máxima cristã de “não faças a outrem o que não queres que te façam”.

        É óbvio que encontramos a perversidade em pessoas de todas as classes sociais, não apenas nas baixas camadas das classes desfavorecidas. Nestas, ela é mais direta, mais primitiva e normalmente mais brutal, devido à própria situação, educação e penúria em que vivem tais criaturas. Na classe média e na alta sociedade, de regra, ela se apresenta disfarçada, camuflada. Nestas, a impulsão para o mal é ardilosa, sendo comum o uso da inteligência e do vil metal para atingir seus fins. São os corruptores e corruptos de toda espécie operando na política, no comércio, nas finanças, enfim, corroendo toda a sociedade, solapando-lhe os alicerces, como no ditado popular “água mole em pedra dura tanto dá até que fura”. Mas, mesmo nestas classes, nem sempre a simulação e o disfarce são mantidos e, por vezes, o instinto mórbido se torna explosivo, violento e até selvagem. Exemplo recente que chocou o mundo foi o índio Galdino, incendiado brutalmente numa noite tranqüila, em Brasília. Verdadeiras feras soltas por aí, em feroz desatino!

        Em muitas situações, os perversos utilizam um verniz, sob o pretexto de autodefesa, para encobrir seu “instinto de segurança” que pode explodir, mostrando a face cruel da perversidade encontrada em muitos torturadores, que abusando da autoridade que o cargo lhes confere, humilham, agridem e brutalizam humildes e, muitas vezes, inocentes para deles colherem duvidosas confissões. Esta falsa autodefesa instintiva, usada dessa forma, gera um enorme sentimento de repulsa e revolta na sociedade.

        Os perversos não se governam, falta-lhes o autodomínio da vontade e, não raro, ficam possessos, furiosos e neste estado são altamente perigosos, não medindo o alcance de seus atos, o que facilmente pode levá-los aos crimes hediondos, estupros e atos de selvageria. Em permanente estado de indignação íntima e, por força da inveja que carregam em sua alma, instigam a animosidade, as brigas de rua, os desentendimentos entre amigos, a intolerância, enfim, estão sempre dispostos a armar a maior confusão onde se acharem, criando verdadeiros pandemônios. Promovem, assim, a desorganização nos lares, nas escolas, na sociedade, desagregando estas instituições.

        Muitos perversos agem acintosamente e descarregam o veneno de seu ódio e inveja até em objetos e animais, mostrando como a perversidade é de natureza inferior. Ofendem seus inferiores no trabalho, maltratam animais por gosto ou prazer, chutando cães e gatos, praticando atrocidades, estragando e quebrando objetos que têm valor para seus donos, destruindo carros no trânsito só para descarregarem sua raiva. O nosso cotidiano está repleto de exemplos deste tipo; é só ter olhos para ver e enxergar.

        E, o que leva tais criaturas à exaltação da perversidade sob seus diferentes matizes? As causas podem, também, apresentar diferentes interpretações, mas a verdadeira e única causa é de natureza psíquica. Ela pode ocorrer em virtude de crise afetiva ou moral deflagrada por ciúme, amor-próprio ferido, choque de interesses, ansiedades de toda natureza e outras emoções mórbidas, o que pode levar a situações episódicas de perversidade. Mas também, há situações mais permanentes em que a maldade instalada na mente das criaturas já tem um caráter mórbido, sempre hostil e anti-social. É quando a maldade se torna uma obsessão de difícil controle, já que descamba para o crime e daí para as malhas da Justiça, para as prisões, cadeias e penitenciárias que no Brasil têm um aspecto desolador, angustiante e deprimente, conforme mostram as cenas do noticiário televisivo a cada noite. É a face da violência assustadora e, até agora, sem solução para extirpá-la.

        Somos daqueles que, espiritualistas por formação de caráter e livres-pensadores, acreditamos que todas as criaturas quando nascem, são boas, têm a bondade no coração e na alma. Por isso, não acreditamos no “perverso nato”, isto é, não acreditamos que a perversidade seja hereditária, que haja um genótipo perverso como querem muitos psicólogos. Todas as modalidades de perversidade são, a nosso ver, adquiridas pela má educação e orientação que a criança recebe, influência do meio e das más amizades e, quando adulto, pelo mau uso que faz do seu pensamento e do seu livre-arbítrio. Mais que isso, teríamos que nos estender no campo do espiritualismo, analisando os diferentes graus de avassalamento espiritual das criaturas, por não conhecerem a si próprios como Força e Matéria.

 

A raiva

        A raiva ou cólera é um sentimento muito negativo, que consiste na reação ou explosão do comportamento normal da criatura face a estímulos que se vão acumulando, até chegar a um ponto de tensão que ela não suporta mais e põe tudo para fora de forma agressiva, autodestrutiva e ineficaz. Ela atinge todas as pessoas que não sabem se conter em seus ímpetos. São criaturas de pavio curto, impetuosas. Trata-se de um sentimento ou emoção difícil de se lidar e que acomete principalmente as mulheres. Pior que a própria reação de raiva são os efeitos e as conseqüências oriundas dessa selvagem emoção. No fundo ela é o resultado de uma ou mais frustrações ou desapontamentos.

        Este sentimento atua de forma diferenciada nos homens e nas mulheres. Nestas, que desde a infância são tratadas como criaturas frágeis e, portanto, preservadas e protegidas, a raiva as atinge de uma forma mais direta. Elas usam a raiva como uma reação incontrolada de ataque, tão ajustada à sua índole que, muitas vezes, as mulheres iradas são chamadas por termos pejorativos como megeras, ranzinzas, rabugentas, castradoras. Ainda crianças, as meninas são silenciadas e aprendem a refrear sua própria raiva. Crescem reprimidas e com noções distorcidas de sua própria feminilidade, dominada pela falsa idéia de que uma mulher realmente feminina protege as outras, preserva a harmonia e nunca perde o controle da situação. Isto quer dizer que elas são condicionadas, desde cedo, a pensar que seu melhor valor e identidade repousa no orgulho de amarem e serem amadas. Quando se questiona este aspecto de sua personalidade, sua reação pode tornar-se devastadora. Sua atratividade e feminilidade passam a constituir tabus de sua intimidade preservada e quase intocável.

        A criatura que reprime a raiva tem mais medo de vê-la explodir de forma inapropriada. Tudo está no autocontrole: se a pessoa o tem enfraquecido ou não o tem está propensa aos acessos de raiva com mais freqüência do que as que dominam suas reações. Ela vai consumindo as energias da criatura até explodir. De tanto isso acontecer, a pessoa se apavora com a feiura e a força da raiva, se autocondena, mas não consegue controlá-la. Ao final desse tema, apresentamos algumas sugestões para controlá-la.

        A raiva e seu poder é tão velha que há registros de seus estragos na mais remota antigüidade, entre os egípcios e os fenícios. Os gregos a passaram para a mitologia e, ainda, muitas crenças e religiões introduziram o sentimento de ira, de raiva como poder divino para condenar e castigar os renitentes pecadores, fato somente explicável como fruto de mentes doentias. É difícil, inconcebível mesmo, imaginar a ira de Deus, um ser de infinita bondade e infinito poder. Ainda, referindo-nos ao poder da ira e sua relação mais direta com as mulheres, lembramos que, até bem pouco tempo atrás, todos os furacões, que são forças destruidoras da natureza, eram batizados com nomes femininos. Na literatura, o exemplo mais surpreendente está na peça de Shakespeare A megera domada, em que seu personagem principal, Kate, precisava ser domesticada para que alguém se dispusesse a casar com ela. Modernamente, podemos observar em muitas novelas a força cênica que têm os acessos de raiva dos atores e atrizes para prender a atenção dos telespectadores.

        Parece fora de dúvida que, também nos escritórios e nos trabalhos em geral fora do lar, as mulheres temem expressar sua raiva contra os seus superiores hierárquicos, já que têm que lidar com chefes que reúnem o poder de promover, conceder aumentos de salários e de demitir. Se seus maridos trabalham, também, como chefes ou não e têm salários maiores, resultam discussões intermináveis sobre a injustiça de que são vítimas e de como se encontram em condições de dependência sufocante. Trata-se de uma realidade econômica que reforça a relutância de muitas mulheres em extravasar a sua raiva, nessas circunstâncias. Como têm que se conter, resulta o dilema: reagir ou ser submissa. Daí, sentirem-se inferiorizadas é apenas questão de tempo e, quando percebem esta situação, explodem em acessos de raiva, num sufoco difícil de agüentar, tanto para ela como para o seu marido ou os que a cercam.

        O medo de muitas mulheres em relação à explosão de raiva pode ter suas justificativas. Uma delas é temer ofuscar os outros ao se afirmar através da raiva como elemento de imposição aos seus desejos. Alguns homens se sentem ameaçados por uma mulher que “estoura” livremente, à toa. Muitos relacionamentos acabam por isso, sob a desculpa de que “nossos gênios não se combinam”. Mas também, a raiva pode se tornar positiva quando, ocorrendo com ambos os cônjuges, um deles tenha autocontrole suficiente para dominar a situação pelo seu poder apaziguador e conciliador, servindo de saco de pancada ou válvula de escape para amortecer a ira do outro ou da outra. Assim, contendo a raiva por muito tempo, ela se acumula e quando explode o faz com muita força, promovendo estragos materiais e morais difíceis de remover.

        A raiva reprimida pode ter conseqüências nefastas, já que a frustração, de onde parece emanar, pode levar a um sentimento de culpa, bastante danoso para a auto-estima da criatura. A somatização de certas doenças como dores de cabeça, certas alergias da pele, certos tipos de enxaqueca e até doenças cardíacas têm sua causa na raiva, retida à custa de muita tensão psíquica.

        A raiva é uma força ameaçadora e arrasadora, a um só tempo. Mas também, é usada para chamar a atenção para determinadas situações, como poderoso meio de comunicação. Através dela podemos modificar comportamentos de que não gostamos em outras pessoas ou fazer acontecer coisas que desejamos sejam feitas. Expressar raiva pode ser um recurso útil que nem sempre envolve choro, lágrimas e palavrões. Nesse contexto, a raiva deve ser encarada como válvula de escape para toda e qualquer explosão violenta de nosso comportamento, se qualquer outra alternativa for negada.

        Para a criatura dominar a raiva sem “estourar”, para dominar esta fera, é preciso percebê-la antes de ela aparecer ou surgir. Em segundo lugar, é preciso não ter medo de suas conseqüências. Em terceiro lugar, utilizar e dirigir essa emoção para o alvo certo e não para si mesma. Finalmente, a criatura precisa ter autocontrole, para decidir se vai ou não manifestá-la. É preciso, então, aprender a falar e saber escolher a ocasião apropriada para desabafar, o que normalmente ocorre quando a criatura se julgar oprimida, ofendida ou menosprezada. Faz-se mister espantar o medo e não ficar passiva o tempo todo. Em certos casos, ficar muda ajuda a evitar ou prosseguir na agressão.

        Muitas vezes, a raiva se acumula porque “engolimos” certas respostas ou não aceitamos certas atitudes. Outras vezes, certas pessoas duras não atendem os nossos pedidos e sugestões, considerando-nos intrometidos e mandões. Não reagindo nessas ocasiões, com medo de suas respostas ou com possibilidade de sermos julgados na hora, estaremos adiando a explosão da raiva. É, portanto, necessário avaliar a situação e não nos deixarmos inibir, atuando com cautela, principalmente se à raiva se associa o chilique.

        É preciso saber externar a raiva sem explosões, sem fricotes, sem rompantes de acesso. Para isso, basta que a criatura seja determinada e inflexível nos seus desejos, com entonação certa na voz para demonstrar e manifestar seu aborrecimento ou irritação, face a uma pessoa. É indispensável colocar o que se deseja, o que se quer, com bastante clareza. Parece fácil, mas nem sempre é assim. É preciso um longo aprendizado para saber usar a raiva como um recurso de entendimento sem que seja uma explosão apaixonada. Como começar, então? Fazendo algo oposto à reação habitual, adotando, por exemplo, uma atitude irônica ou, então, usar um tom de voz mais baixa, na hora da briga. No início isso é difícil, mas com o tempo estas posturas funcionam e você não vai se sentir tímido e nervoso. Mas essa é uma transformação radical no seu comportamento.

        Outra coisa fundamental: não se deve adiar a manifestação da raiva, pois ela se acumula com o tempo. Tampouco, não se deve reprimi-la, guardá-la para depois para não se tornar vítima da explosão. Vale a pena dizer o que se pensa, dar a sua opinião na hora certa, estabelecer o bom diálogo. Para evitar que a irritação cresça e o ressentimento aumente, é preciso articular o seu descontentamento de pronto. Com isso, evitará de culpar os outros e de se distanciar emocionalmente de quem mais gosta.

        Para evitar muitas situações constrangedoras, a pessoa precisa se liberar dos pensamentos e desejos antes de perder o controle de si mesma. Um exemplo comum é o da mulher casada que vive reclamando do excesso de trabalho nos afazeres domésticos, mesmo quando possui empregada ou faxineira. Ela não quer consolo ou elogio, ela deseja companheirismo, mas não sabe se expressar, não sabe pedir ajuda, pois o seu orgulho não deixa. Aí, vai ficando tensa, a mágoa cresce e explode num rompante, porque vê que nada muda. Resmunga, estrila mas não esclarece exatamente o que a incomoda. Não dá outra: basta o marido fazer qualquer coisa que a deixa irritada e essa mulher explode, lá vem tempestade em copo d’água. Isto é irracional e tudo continua igual, para se repetir muitas e muitas vezes. Nestas explosões, se partem para a discussão, a violência pode ser o desfecho, quebrando o que se achar à sua frente, ou então, desacatando o companheiro com gestos grosseiros e palavrões, só para chamar a atenção para os seus problemas. E como corrigir isso? Procurar não chegar à discussão, mas usar o diálogo, a conversa racional, amigável, compreensiva. É preciso despojar-se do orgulho, da teimosia, ser tolerante e, sobretudo, não explodir por um motivo fútil ou bobo.

        É possível usar a raiva como fator de autovalorização, não como fator de agressão, embora muito melhor seria não ter raiva. Isto equivale a ser competente, a tomar partido de si mesmo e não descarregar a culpa de seus problemas nos outros. Muitas pessoas equilibradas pedem um tempo para pensar, o que pode surtir bons resultados, já que a ira deixa muitas pessoas desarticuladas, pouco espertas, confusas, impossibilitadas de usar a razão. O seu auto-controle resulta tolhido.

        Como não é possível mudar os outros, temos que mudar a nós mesmos e o nosso modo de lidar e reagir a esse sentimento tão nefasto, devastador e destruidor.

 

O ressentimento

        O ressentimento é um sentimento complexo, bastante negativo, de sutil e poderosa influência na conduta da grande maioria das pessoas. Todos os elementos perturbadores da harmonia social são, de uma forma ou de outra, atingidos pelo ressentimento. Ele é gerador de desejos contraditórios nos indivíduos, os quais reagem ou manifestam-se quando mordidos pela mágoa, de forma exatamente contrária ao que mais almejamos. Assim, por exemplo, uma criatura feia detesta o belo; o indisciplinado não tolera a disciplina; o pobre detesta o rico. E os exemplos se multiplicam! Se, então, tratar-se de uma pessoa medíocre ou vulgar, mais se acentuará o ressentimento por quase tudo, sobressaindo-se, nessas criaturas, o sentimento de antipatia.

        O menosprezo por qualquer coisa de valor que outros possuam, seja material ou não, como no caso de uma honraria, uma medalha ou título honorífico recebido por outrem numa conquista esportiva ou intelectual, caracteriza muito bem o despeitado ou ressentido. Logo se manifestará de forma depreciativa ou desdenhosa contra todo aquele que lhe é superior moral, intelectual e socialmente. O mérito dos outros o afronta.

        Muitos ressentidos mantêm-se em permanente estado de amuamento e, por dissimulação, podem mostrar-se até sociáveis e bons camaradas, mas por debaixo da pele de cordeiro escondem o despeito que sentem. Outros, não conseguindo dissimular suas mágoas e refrear seus impulsos, podem apresentar-se mal-humorados, irritados ou zangados, revertendo antipatia e hostilidade a qualquer pretexto. Nesses, uma mágoa ressentida raramente se extingue e pode pipocar a qualquer momento com grande ímpeto, sobrepujando até mesmo, em certos casos, a raiva decorrente dos sentimentos de inveja.

        Nós vivemos em uma época de grande progresso material, onde a velocidade dos acontecimentos, das descobertas, da tecnologia, das comunicações, da mídia falada, escrita e televisiva deixa as criaturas obcecadas pela posse de bens de toda espécie, de modo geral inacessíveis à grande maioria dos miseráveis, pobres e excluídos. Isso lhes perturba os valores morais e sociais, já que não conseguem obter o mínimo de conforto, tornando-os morbidamente propensos a desordens afetivas, sentimentais e sociais, surgindo, então, casos crônicos e agudos de ressentimento e despeito. Esse processo se propaga até a classe média, onde estão as pessoas que mais desejam progredir e não se conformam em ficar para trás. E por serem as mais assediadas pelos efeitos da propaganda difundida pela mídia, podem tornar-se angustiadas e ressentidas, caso não consigam obter o que desejam. Descomplicar esta situação é muito difícil e penoso, já que o materialismo impera sobre os sentidos e a espiritualização das criaturas se processa de forma muito lenta.

        Nos indivíduos cultos e inteligentes, o ressentimento pode assumir situações imprevisíveis, por se julgarem superiores aos seus competidores e por eles incompreendidos e prejudicados. Isso deriva do sentimento de superestima e não da incapacidade ou inferioridade intelectual. Aqui nesta seara temos de tudo: os audaciosos, aventureiros, críticos de cinema, teatro e arte, especuladores do mercado, invejosos, os que odeiam e até os ciumentos.

        O ressentimento manifesta-se, também, a cada passo e sob qualquer pretexto, na convivência familiar, nas escolas, nos ambientes de trabalho, nas instituições e repartições, na política, enfim, onde quer que haja competição e, como esta aparece em toda parte, o ressentido e o despeitado são figuras muito comuns de ser encontradas. Assim, são observados entre ricos e pobres, brutos e feios, inferiores e superiores, fortes e fracos e onde quer que haja sentimento de antipatia e hostilidade. É lógico que os decadentes, os fracos, os degenerados, os ignorantes, os vaidosos, os sectaristas e todos aqueles que vêem suas ambições frustradas são os mais propensos, os mais atingidos pelo ressentimento.

        Encontramos também os ressentidos na alta sociedade, nos novos-ricos e figurões ou medalhões freqüentadores de festas, banquetes, chás beneficentes e cerimônias de caridade, onde se exibem luxo, títulos, posições, roupas e jóias de valor. Cultivam o dom de agradar e a sociabilidade, onde aparentam a serenidade que na vida real não possuem. A grande maioria que freqüenta estes meios não passa de exibicionistas da posição e fortuna que conquistaram de maneira fácil e até mesmo inescrupulosa e, não raro, são de notória pobreza cultural e intelectual.

        As causas principais do ressentimento, segundo o psicólogo Renato Kehl, no seu livro Psicologia da personalidade, surgem em decorrência de fatores predisponentes, incidentais e subsidiários. De modo geral, o hipotireoidismo ocorre entre as primeiras, causando incapacidade para a apreciação justa dos valores. As causas incidentais estão ligadas ao complexo de inferioridade ou, no sentido oposto, ao estado de superestima ou de hipertrofia do ego. As causas subsidiárias decorrem dos sentimentos provocadores do ressentimento como a inveja, a vaidade, o ciúme, a rivalidade e outros de ordem física, social e étnica.

        Os psicólogos identificam três tipos de ressentimento que atuam diferentemente segundo a constituição e o temperamento individual, a saber: os fortes ou “arrivistas”, os fracos e os críticos de ambos. Os arrivistas procuram vencer sua mediocridade lutando e se esforçando com denodo, atirando-se à conquista da fortuna, de posição e de autoridade, ainda que para isso tenham que se humilhar, passar pelos maiores dissabores. Compensam, assim, sua notória pobreza intelectual, bastante comum nos novos-ricos.

        Os fracos são incapazes de sobrepujarem-se. Revoltam-se contra tudo e contra todos, são anti-sociais, arredios, inimigos do conforto, da alegria e do sucesso de quem quer que seja.

        Os críticos dificilmente conseguem alguma coisa que valha a pena. Tudo que os outros possuem, seja de ordem material, seja de ordem intelectual em forma de dotes e dons, não tem valor para eles, desprezam o sucesso alheio seja sob que forma ele se revelar: ninguém presta, ninguém é sério, ninguém é feliz. Vivem desfazendo de tudo e de todos, porque essa é a forma que encontram de aplacar a sua inferioridade.

        Vemos assim, que por mais benevolentes que possamos ser, não conseguiremos louvar de forma alguma o ressentimento que marca indelevelmente aqueles que são vítimas desse complexo e negativo sentimento humano.

 

O sensualismo

        O sensualismo ou sensualidade é um modo de ser e viver dos indivíduos materialistas que colocam o gozo dos sentidos e os prazeres da carne acima de qualquer sentimento. É, pois, um sentimento negativo e degradante em que a vontade da criatura atua sobre os sentidos, normalmente de forma automática e inconsciente, deturpando-lhes seu verdadeiro valor como faculdades do espírito humano. O sensualismo constitui verdadeiro obstáculo ao autoconhecimento. Sua prática vem acompanhada de outros sentimentos negativos como a desilusão e a depressão.

        O sensualista só leva em conta o que é material, isto é, a reação física dos sentidos. Desconhece a sua face espiritual. Assim, o sensualista é avesso à espiritualidade, está sempre muito distante das coisas do espírito, do mundo transcendental, do sublime. A única linguagem que conhece refere-se ao uso dos sentidos para fins exclusivamente materiais: comer, gozar, experimentar emoções e prazeres sem limites, que levam à pornografia, seja para ganhar dinheiro desenfreadamente, ou ainda, para exibir-se, tudo em prol dos prazeres.

        A textura espiritual do sensualista é precária: vê pouco, percebe menos ainda e só enxerga a superfície das realidades. Dessa forma, vive para o momento e, quando não se corrige a tempo, esbanja uma vida inteira a troco de nada ou quase nada. Seu progresso espiritual, o que vale dizer sua evolução, entra num processo de estagnação.

        Não podemos negar que os sensualistas possuem emotividade acentuada — seu único ponto de contato e apoio com a vida — mas, as sensações que se fazem exageradas e incontroladas se tornam, desde logo, saturadas de excitação. Isso desnatura os sentimentos que dizem ter como dons principais, acima de quaisquer outros atributos do caráter e do espírito. Saciam os seus apetites com tudo que os entretém e os distraem e, com isso, destroem suas esperanças, surgindo o desespero e o ceticismo. Enfim, perdem a noção do que é racional e enfraquecem e degradam as emoções, tornando-se, não raro, devassos.

        O sensualista inverte a hierarquia do valor do pensamento; torna difícil ou impossibilita a aquisição de novos conhecimentos mais exatos e verdadeiros. Isso porque ele só aceita o que deleita os sentidos e, portanto, repele idéias que o afastam do sensual. Vivendo para os sentidos, torna-se seu escravo, abdica da soberania do espírito e do pensamento. Nele, a vontade de reagir torna-se enfraquecida e o pensamento resulta embotado.

        Os sensualistas têm forte propensão a adquirir maus hábitos, encaminhando-se facilmente para os vícios do fumo, da bebida e da libertinagem. Cavam, assim, sua própria desgraça e no desespero, não raro, terminam como consumidores de drogas. Aí chegando, o caminho de volta é muito longo e sinuoso e sua recuperação, quando ocorre, é um terrível processo de sofrimento e dor para si e para os seus familiares. Esta propensão ao vício é explicada pela natureza do desejo, que sempre procura exceder seus próprios limites e, na busca do prazer e da euforia, acreditam que vale tudo para exaltar essas emoções.

        É preciso dar ênfase, destacar o verdadeiro valor dos sentidos: estes são instrumentos especialíssimos do corpo humano para o espírito entrar em contato com as formas, com o mundo do belo, com as realidades materiais que nos cercam, com a música, enfim, apreender a realidade física para melhor conseguir seu plano e objetivo de evolução. E, também, através da linguagem, entrar em comunicação com outras criaturas e promover as relações interpessoais, sem as quais a evolução do espírito se torna inoperante, já que não há a difusão das idéias e conhecimento e, não sendo possível esta difusão, o saber não se propaga.

        Visto assim, segundo esta ótica, que é lógica e sensata, chegamos à conclusão de que nossos sentidos são as sentinelas do espírito, já que eles verdadeiramente servem como instrumentos de apoio e desenvolvimento de nossa personalidade e, portanto, de nossa evolução espiritual.

        Só quem estiver desprovido de um ou mais desses sentidos é que sabe o quanto é penosa a vida da criatura. Imagine-se, por exemplo, no caso de um cego-surdo-mudo, o que não é tão incomum assim, a força redobrada de vontade que uma criatura tem que ter para não desanimar e prosseguir na luta pela vida. Suas impressões do mundo resultariam tão diminuídas que tem que fazer um esforço muito grande para encontrar outras satisfações. Poucos conseguem ultrapassar essas deficiências como foi o caso de Helen Keller, que desde menina foi privada desses três sentidos especiais. Apesar disso, utilizando sua prodigiosa força de vontade, deu exemplos ao mundo de que podia e pôde superar tudo com grandeza de espírito.

 

O tédio

        O tédio é um sentimento deprimente, depressivo, constante. Há criaturas que se enfadam com a rotina da vida, com o prazer, a lisonja e tudo o mais. Há pessoas que passam a maior parte da vida entediadas.

        Qual a causa disso? Frustração de algum desejo profundo contrariado? Há que se conseguir tudo o que se deseja e, ainda assim, manter-se entediado?

        O principal remédio contra o tédio é alimentar o interesse profundo por uma ou muitas coisas como o trabalho, os passatempos e as diversas formas de lazer e não largá-las facilmente. Isto é, ter garra, mesmo que os interesses sejam intermitentes. O interesse é fundamental porque sentimos interesse por aquilo que nos satisfaz, que nos agrada. O interesse mantém-se enquanto se está adquirindo alguma coisa; esse processo de aquisição, que é outra forma de encarar o interesse, cessa quando nos desinteressamos. Enfim, o interesse quando realizado, nos deixa bem conosco mesmos.

        Toda aquisição é uma forma de tédio ou fastio ou nele vai se transformar. Sempre nos animam propósitos de aquisição quando recorremos a alguma coisa; há aquisição no saber, no prazer, na fama, no poder, na eficácia, no ter filhos, enfim, em quase tudo. Até uma criança que troca de brinquedo, buscando outro sempre que perde o interesse em um, está adquirindo. Quando não há mais nada para adquirir como, por exemplo, em uma religião, perdemos o interesse e passamos a outra, num processo de busca, de expansão do pensamento, de progresso, embora haja muitos seres que embotam o raciocínio e nunca mais despertam, mantendo-se presos aos preconceitos, misticismos e dogmas.

        A conclusão é que o interesse é sempre uma aquisição e resulta de uma estimulação, provocada por estímulos ou alteração de nosso estado mental. Basta perder o interesse, e não adquirir, e lá vem o tédio. Assim, toda aquisição é um peso que acaba em tédio. Isso é verdade, quando encarado no seu estrito sentido material.

        E como libertar-se do tédio?

        Primeiro, é preciso compreender o processo interesse — aquisição — tédio e encontrar a liberdade para agir ou deixar de agir. A liberdade não pode ser adquirida; se for adquirida, muito em breve ela enfadará ou entediará a mente. Assim que adquirimos e desfrutamos dessa aquisição ou cessado o esforço para adquirir, perdemos o interesse.

        E como compreender esse processo?

        A posse faz a mente cansar-se. A aquisição, qualquer que seja, de propriedades, de bens materiais ou dos prazeres materialistas, de querer desfrutar de tudo, enfim, de qualquer coisa, leva-nos à insensibilidade. Por esse processo de natureza aquisitiva, a mente acomoda-se a um padrão de aquisição, criando, por isso mesmo, o seu próprio tédio. O interesse e a curiosidade dão início e estimulam a aquisição, que logo que satisfeita se transforma em tédio.

        E como ficar livre de adquirir sem fazer outra aquisição?

        Somente com a aquisição de valores morais, de virtudes, que se conseguem pelo raciocínio e sofrimento, usando o seu livre-arbítrio para o bem e não praticando os sentimentos negativos, a criatura poderá livrar-se desse círculo vicioso e interminável. Isso não significa que devemos nos abster de adquirir tudo aquilo que for necessário, de forma comedida, para o nosso progresso material, já que este é necessário para a nossa evolução espiritual.

        Tornarmo-nos não-aquisitivos e completamente desapegados não é possível neste mundo Terra. Temos que cuidar de nossas necessidades básicas e essenciais. Assim, não basta compreender verbalmente o que foi acima exposto, mas temos que experimentar e vivenciar o que for necessário para completar a nossa evolução, procurando reconhecer o que é efêmero e o que é permanente e eterno. Assim procedendo, estaremos nos afastando do tédio.

        Conhecer a verdade através do reconhecimento do que é falso é o começo da sabedoria. Para isso, o pensamento tem que estar quieto e sereno, o que é dificílimo, já que ele está sempre em contínua vibração no espaço-tempo e dificilmente pode ocorrer um intervalo entre pensamentos. Os pensamentos se sucedem sem interrupção. A mente, que recebe os reflexos dos nossos pensamentos e os de outras criaturas neste processo, está a aguçar-se incessantemente e, portanto, a desgastar-se. Se fizermos ponta em um lápis sem parar, num instante nada mais resta do lápis; de modo semelhante, a mente desgasta-se constantemente, até se esgotar pelo envelhecimento natural de tudo o que é material. Por isso, a criatura materialista sempre teme chegar ao seu fim, o que não acontece com o espiritualista que se conhece como Força e Matéria e sabe que a morte do corpo físico não interrompe a vida. Daí, o espiritualista não se preocupar em adquirir bens materiais além do que lhe for necessário, estando, portanto, mais preparado para suportar e enfrentar o tédio.

        A purificação do espírito decorre deste processo de experimentar e vivenciar. A tranqüilidade e a perfeição que certamente viremos a adquirir com o decorrer de nossa evolução advêm dessa compreensão.

 

A timidez

        A timidez é um sentimento de natureza negativa que se manifesta em criaturas inseguras, incapazes de enfrentar, de pronto, o forte sentimento de medo, e têm receio de fracassar ao menor esforço.

        Os tímidos tentam encontrar a força necessária para parecerem normais e calmos perante qualquer situação de exposição aos outros. A timidez ocorre principalmente quando a criatura tem de fazer algo na presença dos outros e lhe acomete o medo de não fazer igual ou melhor que eles, expondo, então, seus pontos fracos. Pode-se presumir que este “algo” que deve ser feito, normalmente à primeira vez, perante outros, assoma-se-lhe como uma grande responsabilidade e, portanto, ele não pode falhar.

        Os tímidos se colocam em pólo oposto aos ousados. Veja, nesta obra, o tema sobre “A Ousadia”. São normalmente inteligentes, mas introspectivos, voltados para dentro de si mesmos, introvertidos, dotados de alta sensibilidade. Por isso, são classificados pela Psicologia como hiperestésicos. Possuem elevado sentimento de auto-estima, são delicados e geralmente são criaturas de boa índole que trazem a bondade em si mesmos.

        Para muitos psicólogos, a timidez é prova de inteligência e de tolice reunidos em um único comportamento, isto é, é como se o tímido fosse excelente e medíocre ao mesmo tempo, o que é paradoxal, um contra-senso. Outros tentam ver no tímido os traços do orgulhoso e do humilde reunidos, o que também parece uma besteira muito grande. Ainda, segundo eles, estas inclinações ambivalentes e em desajuste ou desbalanço, que mais parecem uma esquisitice, colocariam o tímido como uma criatura antipática perante seus semelhantes. Como isso não acontece, é preciso encarar essas opiniões sob crítica cerrada.

        A timidez já aparece na formação das crianças. Compete aos pais criar circunstâncias e fatores favoráveis para evitar que elas passem a sofrer certos recalques e deformações da personalidade que tornarão a timidez mais acentuada, quando adultos. Para isso, é preciso estimular as crianças a reagirem quando tenderem exageradamente para uma vida interior, isolando-se dos demais, entregando-se ao amuamento, procurando trazê-las o mais rápido que puder ao convívio de outras crianças, levando-as às festinhas, ensinando-as a não terem medo de nada. Evitar, sobretudo, impor-lhes exagerada autoridade que estimula a timidez nelas; da mesma forma, evitar um ambiente acanhado que pode ter o mesmo efeito, mas por falta de estímulos. O estímulo é necessário para vencer o medo aos contatos sociais, aos obstáculos no relacionamento cotidiano.

        A timidez é apreensão exagerada e, mais que isso, é falta de confiança nos próprios valores e méritos. Veja o tema “A Confiança”, nesta obra. O tímido fica “matutando” como fazer antes de fazer e, quando tem que fazer, não o faz ou faz de forma defeituosa, nervosa ou incompleta, apesar do seu empenho para que tudo saia perfeito. Parece que neste processo de apreensão o cérebro deixa de comandar mecanismos químicos apropriados, deixando de liberar certos hormônios no organismo que incite o indivíduo à ação. Daí, o rubor facial que denuncia o tímido quando tem que atuar. Mas, daí inferir que a timidez é uma manifestação mórbida do psiquismo é um exagero que muitos psicólogos cometem.

        O que é desastrosamente curioso é que a timidez é um fator de repressão interna da capacidade de pessoas intelectualmente bem dotadas, dificultando-lhes ou até mesmo anulando sua capacidade de manifestação, já que acomete os inteligentes de alto espírito crítico, ético e estético. Contudo, muitas vezes, estes indivíduos, que têm grande dificuldade de expressarem-se verbalmente, escrevem e argumentam muito bem suas idéias em magistrais artigos de jornais, revistas e livros.

        O tema timidez tem sido objeto de muitos ensaios, artigos de revistas e livros. Todos acabam reafirmando que o tímido é inteligente, mas tem a inteligência reprimida em si mesmo, é hiperestésico, com a sensibilidade bastante aflorada, mas incapaz de pô-la em ação de forma natural, sem tropeços, sem medo. O que é fora de dúvida é que falta ao tímido a autoconfiança, sendo, todavia, suscetível de treinamento e aperfeiçoamento individual.

        Pelo exposto, observa-se que o tímido tem todas as condições para vencer, já que possui méritos. O que lhe falta é autoconfiança para por suas qualidades em ação. Para vencer este único obstáculo é preciso persuadir-se de seus méritos. Existem muitas técnicas para a correção da timidez. Surte bom efeito ler em voz alta, gravar suas leituras, observar os erros e corrigi-los. Repetir todo esse processo, cuidar da entonação da voz, colocar vibração nas palavras. Estes exercícios melhoram sua autoconfiança e o orgulho exagerado, que pode estar na base das causas da timidez, é aplainado. Assim, o medo de sofrer humilhação, chacota, vergonha de apresentar-se em público, o medo de “fazer feio”, de errar, de tomar a iniciativa desaparecerão ou resultarão atenuados.

        O tímido só precisa convencer-se de que tem tudo para dar certo, não duvidar de sua capacidade, ser moderado e confiante em si mesmo, usando seus conhecimentos em seu favor. Com esforço próprio, o tímido conseguirá vencer o inimigo que tem dentro de si, refletindo sadiamente no que vai fazer. De um lado, procure colocar-se em um plano acima dos estouvados e dos ousados; de outro, aplique sua sensibilidade com inteligência e galhardia e verá que os resultados serão positivos.

        Se o tímido convencer-se de que “errar é humano e persistir no erro é condenável”, verá que só não erra quem nada faz e nada produz, não terá medo de “fazer feio”, porque tem tudo para acertar, para “fazer bonito”. Ser tímido não é uma doença, pode até ser um mero defeito de comportamento, mas, se percebido e tratado no tempo certo, a criatura nada receará e tornar-se-á mais confiante em si mesma, para desempenhar seu verdadeiro papel na vida.

 

A tristeza

        A tristeza é um sentimento negativo que ocorre nas criaturas que perdem algo que é fortemente desejado e valorizado, estando, portanto, intimamente ligada ao sentimento de perda. É falta de alegria, seu oposto. É diferente da alegria, cólera e medo, que se ligam à busca de objetivos ou à fuga de perigos. Enquanto estes são sentimentos ativos, envolvendo grande tensão psíquica, a tristeza é um sentimento passivo, que envolve desalento, consternação e pena. Ela revela, nos casos crônicos, a existência de mágoa ou aflição.

        A tristeza se presta a diversos graus, podendo ser intensa e duradoura ou leve. A intensidade da tristeza depende do valor da perda e de sua duração, podendo ser leve, profunda ou muito profunda. A tristeza é leve quando se manifesta com um simples desapontamento ou aborrecimento; é profunda ou muito profunda quando causada por uma perda irreparável como a morte de um parente muito próximo ou do cônjuge, quando este(a) é amado(a).

        A tristeza é uma emoção passiva que se manifesta mais por uma espécie de quietude do que pela ação ou atividade da pessoa. Ninguém procura ter tristeza. Daí, ela ser um estado de espírito que resulta da inação da vontade, da derrota psíquica diante dos fatos incompreensíveis ou de ocorrências inesperadas que, de repente, quebram o equilíbrio emocional e as expectativas da criatura. Mas também, há casos de tristeza ativa que se exprime pelo choro e outras expressões ativas no semblante e que ocorre diante de fato inesperado ou não desejado, como, por exemplo, o choro da criança que vê seu brinquedo destruído, de um torcedor fanático que vê seu time perder ou, mais intensamente, no último adeus a um ente querido.

        A desolação é uma forma aguda de tristeza que se mantém retardada ou incubada na criatura. Muitas vezes, a criatura se surpreende com um fato entristecedor e não demonstra tristeza na hora. A tensão vai aumentando, a compreensão toma uma forma mais clara da perda e, então, irrompe em torrentes de tristeza — é a desolação. A perda da criatura amada, por exemplo, impede ou rompe para sempre o gozo, o desfrute de muitas coisas desejadas e necessárias, antes providas sem dificuldades. Há um torvelinho, uma torrente de pensamentos e emoções que se converte em saudade, emoção muito forte que se agrega à tristeza nessas ocasiões, tornando mais difícil de suportar o sofrimento que vem à tona, à superfície, que se revela assustador.

        Para superar a desolação ou a consternação, a criatura tem que assumir uma postura realista frente aos fatos da vida, às leis universais da evolução espiritual e saber que a morte não interrompe a vida, apenas a desloca, a transfere para outro plano. No plano material, para eliminar este flagelo é preciso tirar da vista as lembranças ligadas à pessoa que partiu, como roupas, objetos de trabalho e de estimação, livros, certas fotos e até brinquedos, se tratar de criança. Essas coisas que se ligavam à pessoa perdida são liames que prendem, remoem e reacendem a memória da criatura, que fica, então, sujeita a renovadas explosões de tristeza. Se algum objeto foi esquecido e encontrado muito tempo depois, e que faz irromper a tristeza, afaste-o ou elimine-o. Guarde somente lembranças boas, nobres e espirituais, mas não fique toda hora a relembrar da pessoa. Uma boa sugestão é tirar férias, presenciar novos ambientes, retornar à vida que lhe pertence, fazer ou reencontrar amigos, tudo para reacender o interesse pela sua própria vida. Dê à sua vida o seu verdadeiro valor.

        Nem sempre o simples fato da perda traz tristeza. Existem certas sociedades e culturas em que a morte é venerada como um renascer. Nessas culturas a perda de um ente querido é menos sentida e o fator decisivo não é mais a perda, mas o modo, a maneira de se perceber a perda e o seu contexto é que tem relevância. Se a criatura antevê ou percebe uma perspectiva mais feliz após a morte, e se conforma mais facilmente com o evento morte, não tem como ficar triste; se, ainda, a perspectiva doutrinária é mais ampla e lhe transmite o sentimento de que vai se encontrar com ele após a morte, então, tudo não passa de uma separação temporária e não ocorre a sensação de perda. Na doutrina espiritualista, onde a encarnação e reencarnação fazem parte das leis naturais e de que o espírito se vale para promover a sua evolução no mundo Terra, existe a convicção, não paira nenhuma dúvida de que a morte é apenas a morte física do corpo, ascendendo o espírito ao seu mundo próprio desde que esteja lúcido ou tão logo adquira a lucidez necessária.

        A tristeza é uma emoção primária como o são a alegria, a cólera ou raiva e o medo, embora de natureza menos elementar que estas. Em alguns animais domésticos mais chegados ao homem como o cão, o gato e o cavalo, algumas pessoas pensam perceber indícios de tristeza. Como a tristeza é um sentimento complexo que depende da avaliação da perda ou da noção de valor, noção de futuro e suas conseqüências, isto é, depende do raciocínio, para avaliar e reconhecer uma situação de perda, ela só aparece nas crianças após desenvolvidas estas capacidades mentais. Por isso, não acreditamos que, nem mesmo os animais citados possam ficar tristes, no sentido que entendemos.

        A tristeza é exteriorizada em função de um evento ou objeto concreto, pela perda de um valor sentimental ou de um valor real. Ela refere-se a objetos concretos, o que não ocorre com as demais emoções primárias como a alegria, a raiva e o medo. Sem a coisa concreta que é valorizada e perdida não existe a tristeza. Portanto, a motivação para que a tristeza ocorra não é intrínseca, não nasce de nosso íntimo. Por isso, não existe tristeza indeterminada. Podemos, por exemplo, ter medo de algo que desconhecemos, mas não podemos ficar tristes sem uma causa determinada. Tanto é assim que, quando nos dirigimos a uma pessoa, perguntamos por que ela está triste, esperando que a criatura aponte uma ou mais causas.

        Embora já nos tenhamos referido à tristeza devida à perda de um ente querido e a dor profunda que isto nos pode causar, o medo da própria morte não nos causa tristeza, mas outros sentimentos. Veja, nesta obra, o tema sob o título “O Medo da Morte”.

        A nostalgia é uma forma muito especial de tristeza combinada com o sentimento de saudade que sente a criatura que se afasta, por exemplo, de sua terra natal — como no caso de exílio —, ou do próprio local de nascimento, como nas migrações internas. Ela relembra com saudade e melancolia as situações que então viveu. Já a tristeza situa-se no presente e se projeta às apreensões do futuro. A melancolia, na sua forma mais aguda, é um estado mórbido, doentio de tristeza, uma forma de depressão e languidez cuja causa é difusa, aparentemente indefinida.

        Vamos encerrar este tema lembrando o ditado que diz: “Tristezas não pagam dívidas”, o que significa que esmorecer e entregar-se à tristeza não leva a coisa alguma, só agrava a situação. É necessário reagir com todas as forças a este sentimento que nos aniquila, que nos deixa pessimistas e sinistros, se quisermos superar as nossas fraquezas e apego às perdas materiais e sentimentais. E lembramos, ainda, o ditado que diz: “O que não tem remédio, remediado está”, nada adiantando lamentar sobre coisas ou eventos já acontecidos e que não podemos restaurar ou modificar.

 

A vaidade

        A vaidade é um sentimento mais difundido do que se pensa. É um sentimento negativo que aparece em indivíduos que julgam ser ou saber mais do que outros, e o pior é que geralmente sabem disso. É a consolidação do culto do próprio mérito e do amor-próprio.

        O verdadeiro homem coloca a sua honra no próprio mérito que o mantém com altivez e sem ostentação, posto que respeita a si mesmo; já o homem vaidoso ostenta seus méritos e os exibe no afã de parecer melhor que todos os outros, orgulhosamente acima dos demais, o que se transforma em soberba. Em ambos os casos, estamos diante de um processo de culto ao amor-próprio. É preciso, contudo, notar esta diferença: o orgulho é uma forma de arrogância originada a partir de motivos nobres, visando aferir o mérito; já a soberba é uma presunção desenfreada que procura exaltar o mérito.

        E o que é o amor-próprio?

        É o desejo de ser elogiado devido a uma exagerada sensibilidade à opinião alheia. Aquele que exagera no amor-próprio teme a censura alheia. Em outras palavras, na vida em grupo, na família ou em sociedade, os indivíduos buscam aquiescência ou opiniões favoráveis a seu modo de ser e atuar, ao seu saber, à sua cultura, enfim, a todos os seus predicados. Trata-se, no fundo, de um processo de comparação, favorecido pelo contraste. Veja, em outra parte dessa obra, o tema “O amor-prÓprio”.

        Mas, o importante é que nas pessoas dignas, o próprio juízo precede à aprovação alheia; já as pessoas medíocres jactam-se dos méritos que julgam ter e ficam desapontadas se não recebem aprovação alheia. Há aqui uma exaltação, uma exibição do amor-próprio, que se quer sustentar a qualquer custo. Contudo, trata-se de méritos ilusórios de virtudes que não existem de fato.

        Os vaidosos são atores da grande comédia humana, cujo palco é o grande cenário da vida onde atuam com a constante preocupação do juízo alheio, de se tornarem “visíveis” a todos. Consomem as suas vidas na ânsia de cativar a atenção dos outros por qualquer forma e qualquer meio, não importa de que maneira.

        A vaidade permeia a sociedade em todos os setores: está no estudante que após tirar as melhores notas, jacta-se disso; no político, que procura e sonha ser um dia aclamado senador, governador ou presidente; e até mesmo no assassino, que pretende ver a sua foto nos jornais ou “flashes” de seu depoimento divulgados nos noticiários de TV; ou, ainda, no atleta que exibe seus músculos exagerados a uma platéia boquiaberta. Isso, sem falar na vaidade feminina, onde ela chega a constituir uma verdadeira arte — a arte da sedução.

        Vale, ainda, comparar vaidade e orgulho. O vaidoso está sempre se comparando com seus semelhantes, com os sentimentos de inveja quando não pode igualar ou superar a excelência dos dotes e qualidades que vê nos outros; já o orgulhoso jamais se compara com as pessoas, não se rebaixa ou se nivela a elas, as quais ele julga inferiores a si próprio e pretende atingir tipos ideais de perfeição, que estão em patamares acima do seu, colocando neste desejo uma boa dose de entusiasmo para alcançá-lo.

        O orgulho é, pois, uma forma mais elevada que a vaidade e pode se tornar um degrau indispensável em direção à dignidade que é uma bela virtude, já que implica em ter alto valor moral.

        No dizer de José Ingenieros em sua admirável obra O homem medíocre: “Tudo é relativo. Se há méritos, o orgulho é um direito; se não os há, trata-se de vaidade. O homem que afirma o ideal e se aperfeiçoa até tem o direito de ser orgulhoso; já o pretensioso, que ostenta uma pseudo-sabedoria, alicerça-se em efetiva vaidade” [INGENIEROS, 1953, p. 156].

 

A vulgaridade

        Existe na Terra uma enorme diversidade biológica que se insere no nosso ambiente humano e que faz parte da evolução das espécies. Foi preciso decorrerem quase dois milhões de anos (os paleontólogos já classificaram fósseis de antepassados humanos com um milhão e oitocentos e cinqüenta mil anos) para que Charles Darwin pudesse presentear o mundo civilizado, em 1859, com a sua monumental obra sobre a evolução das espécies. Portanto, estamos há apenas um minuto desde este evento na evolução humana, em que o homem começou a enxergar além das brumas do véu espesso dos tempos.

        No Universo infinito, o nosso sistema solar é apenas um minúsculo grão de areia; o nosso planeta, por sua vez, é um simples pormenor desse sistema. Na superfície desse pormenor, a vida se desdobra incessantemente de acordo com leis químicas e físicas próprias, desde a simples célula de um protozoário como a ameba, até as formas mais complexas da estrutura biológica do homem. Este, conforme vimos acima, data de um período brevíssimo, considerando que a Terra tem quatro a cinco bilhões de anos! Na sua constante luta para se adaptar ao meio hostil, utilizando a inteligência, o pensamento, a vontade, o livre-arbítrio e muita inspiração ou intuição, o homem acumulou uma vasta experiência na forma de conhecimentos reutilizáveis, sempre que a situação se repetia. Esta experiência constitui a imensa bagagem cultural da humanidade nos tempos atuais. Esta, em rápidas pinceladas, a longa jornada (contada em tempo humano) já percorrida pelo homem na Terra.

        Do mesmo modo como se processou a evolução das espécies, ocorre a evolução do homem. Neste nível, porém, a evolução se processa através do pensamento e da experiência, o primeiro se renovando continuamente e a segunda acumulando-se permanentemente. Isto é muito diferente da evolução das espécies, que têm por ponto central o instinto. No homem, os conceitos de “melhor” e “perfeito” são naturais. O espírito humano, dotado de sentimento e razão, evolui para a perfeição em tudo que sente e faz, ideal a alcançar na longa estrada da vida em direção à Inteligência Universal, à qual finalmente irá se juntar. Neste contexto, existe também uma grande diversidade de caracteres e temperamentos humanos, já que cada criatura se acha no seu estado próprio de evolução. Desse caldeamento de pensamento e pessoas, raças e povos, da troca dessas experiências heterogêneas e do impulso criador que as faz avançar incessantemente ocorre, materialmente falando, o progresso humano e, espiritualmente, a lapidação da consciência. É fácil imaginar que este processo ocorrerá até o momento em que o espírito humano, não tendo mais nada a aprender ou ensinar, nem que burilar seus atributos próprios do sentimento e da razão aqui na Terra, prosseguirá sua evolução em outros mundos mais evoluídos, constituindo, também, cada um deles um pormenor desta ou de outras galáxias, entre os bilhões de galáxias que existem no Universo.

        Todo esse preâmbulo para mostrar que a evolução é o ponto fundamental, a verdadeira finalidade da vida. Nela, se insere o pequeno grupo dos idealistas, que faz a humanidade avançar a passos largos, e a grande massa de rotineiros e medíocres, que acompanha esse movimento para a perfeição, muitas vezes com muita resistência, criando empecilhos e obstáculos próprios da inércia mental, do conservadorismo, do obscurantismo, do fanatismo, da mediocridade e da vulgaridade. Leia, em outra parte deste livro, o tema “O Idealismo”.

        Sem os idealistas o homem seria apenas mais um ser vivente, um animal entre tantos outros a emoldurar o cenário da vida neste mundo, e a evolução humana teria caminhado a passos de tartaruga. Mesmo não havendo privilégios espirituais, sendo cada criatura dotada dos mesmos recursos espirituais essenciais que são o pensamento, o raciocínio, a força de vontade e o livre-arbítrio, umas se distanciam de outras no processo da evolução, o que se faz pensar serem mais dotadas. O que umas criaturas têm a mais que outras é o grau de espiritualidade mais elevado pelo mérito do próprio esforço e transformações que engendraram em sua trajetória evolutiva.

        Assim, é mais apropriado considerar a desigualdade humana como uma grande diversidade de estágios de evolução, de experiência intelectual, moral e ética diferenciadas que as criaturas acumularam em muitas passagens pela Terra.

        Diante desse pano de fundo, podemos compreender melhor os conceitos de mediocridade e vulgaridade. Não se trata propriamente de sentimentos humanos, mas efeitos decorrentes de uma série de fatores dinâmicos que norteiam a evolução de cada ser na Terra. São, porém, próprios para se examinar neste livro.

        A mediocridade é a falta, a ausência de características pessoais que permitem distinguir um indivíduo dos demais. É a falta de mérito no conjunto de suas faculdades e na forma de atuar entre os demais na família, no grupo, na sociedade, nas nações. Todos os medíocres carregam um pesado fardo de rotinas e preconceitos. Não se trata de esperar uma missão transcendental dos seres, mas que saiam da inércia, ponham-se a pensar e procurem fazer o melhor trabalho possível dentro da profissão ou atividade que escolheram. Não deixar que os outros pensem por si, que façam ouvir a sua voz, que saiam da penumbra e da sombra e venham para a luz; enfim, que enfrentem o trabalho com dignidade e não continuem a passar pela vida em brancas nuvens como disse o poeta. Saiam da servidão e tornem-se verdadeiros homens de bem. Se agirem assim, deixarão de ser medíocres e, em breve tempo, também engrossarão as fileiras daqueles que abrem novas fronteiras.

        A vulgaridade, que aqui é o nosso tema principal, resulta da obstinação, da teimosia do medíocre. O homem se vulgariza, quando não se esforça para mudar o seu caráter; sua força de vontade é fraca por indolência ou até mesmo por docilidade, talvez por estar vivendo em um meio muito acima do seu desenvolvimento espiritual. Geralmente, dar-se-iam bem se deslocados para um ambiente menos civilizado, mais primitivo, onde vale o ditado “na terra de cego, quem tem um olho é rei”.

        A vulgaridade é a acentuação dos caracteres primitivos do ser, talvez até mesmo de forma atávica. As pessoas vulgares são rotineiras e constituem o grande rebanho da humanidade, destituídas que são de qualquer forma de idealismo. Seus sentidos e sentimentos estão como que embotados, não se ligam em nada, têm o olhar vazio e sem brilho, calam-se diante de qualquer provocação, não percebem a beleza do pôr-do-sol ou do raiar da aurora, não ouvem os pássaros cantarem ao longe, não sentem o perfume das rosas, enfim, não admiram nada do que está ao seu redor. Seu discernimento da realidade é baixíssimo.

        Geralmente os vulgares estão ligados ao utilitarismo egoísta, mesquinho e imediato. Seguem os caminhos indicados pelos mais sabidos e mais espertos. Em sociedade agem como “maria-vai-com-as-outras”, do ditado popular. Por exemplo: não votam por convicção, mas por indução, por cabresto, como se diz na gíria política. No dizer de José Ingenieros: “A baixeza de seus propósitos rebaixa o mérito de todo esforço e aniquila as coisas elevadas” e “Ignoram que toda grandeza de espírito exige cumplicidade do coração”.

        Os homens sem ideal, vulgares ou medíocres, em qualquer atividade humana, da mais simples a mais elevada, estão sempre a contar com a sorte: acreditam em horóscopos, tarôs e toda essa parafernália que induz as criaturas a obterem alguma coisa sem esforço e sem trabalho honesto. Ficam a esperar para ver o que acontece: esperam sentados, querem sombra e água fresca como se diz na gíria. Depois, reclamam da sorte dizendo que o destino conspira contra eles! Não movem uma palha e querem tudo. Isto é totalmente contrário à lei de causa e efeito, que é inexorável. Os vulgares têm pouca capacidade para pensar e muitos até nem sabem pensar. São destituídos de amor sincero e verdadeiro. De regra, transformam o orgulho em vaidade, a prudência em covardia e o respeito em servilismo.

        Por falta de idéias, a vulgaridade leva os indivíduos à ostentação, avidez, cobiça, avareza, falsidade, escamoteação e simulação. Tudo, em seu íntimo, conspira para que assim seja, já que não têm a capacidade ou não querem compreender a verdadeira realidade da vida, faltando-lhes razão e sentimento.

        Bastaria pensar antes de agir, saber por que está pensando e agindo da forma que o raciocínio lhes ditar e usar o seu livre-arbítrio para o Bem para mudar esse quadro tão negro que tanto emperra o avanço material e espiritual das criaturas.


PARTE III

SENTIMENTOS AMBIVALENTES

A ambição

        A ambição é um sentimento ambivalente: tanto pode ser positivo, como negativo, dependendo do propósito a que é dirigido. A ambição provêm do desejo e para se tornar realidade tem que se transformar em projetos, com a intervenção da força de vontade. É, portanto, um estímulo propulsor que se consuma na realização, mas não dispensa a vontade e o entusiasmo.

        Cada um de nós temos ambições. Elas sobrecarregam nossas mentes, diariamente, com numerosos projetos que formam um conjunto confuso e complexo de idéias. Ativando o desejo e abrindo nossas mentes à intuição captamos idéias e sugestões as mais diversas. Algumas delas ficam a martelar nossa mente insistentemente e por muito tempo. Em certos casos, aparecem até em sonhos. O grande desafio é fazermos as nossas escolhas, tomarmos as decisões corretas no tempo certo e nos fixarmos em uma ou algumas delas. O que não devemos é ficar mudando de uma para outra sem realizar nenhuma, o que criará na nossa mente desânimo, frustração e pessimismo. Se pensarmos que o futuro material é aqui e agora e que a nossa vida terrena passa depressa, devemos executar nossos sonhos com prontidão e entusiasmo. Veja também, nesta obra, os temas “A Prontidão” e “O Entusiasmo”.

        Precisamos, para sermos eficazes, deixar de fazer castelos no ar e partir para a ação, isto é, não basta sonhar grandes projetos, arquitetando-os mentalmente e no papel sem passarmos à realidade, sem colocarmos mãos à obra. A melhor maneira de construir definitivamente e realizar qualquer coisa é dar um caráter ou cunho utilitário e prático aos nossos planos e projetos, verificando se eles convêm às nossas necessidades e de nossos semelhantes. Isto porque a vontade torna-se mais ativa e eficaz quando dirigida para coisas práticas e que podem trazer resultados a curto e médio prazos. Enfim, é preciso realizar um estudo de viabilidade técnica, econômica e financeira, antes de nos arriscarmos demasiadamente.

        Para transformar uma ambição em realidade são precisos, antes de mais nada, interesse, vontade firme, disposição para lutar e enfrentar problemas simples e complexos, ser persistente e perseverante. Em certos casos, até mesmo a teimosia exercida de forma racional e lógica torna-se necessária. Estes são os ingredientes que permitem à criatura executar a receita certa. Um pensamento firme, uma grande intuição, um “estalo” em nossa mente dirão a hora certa. Junte tudo isso e ponha mãos à obra. Dessa forma, levamos a efeito nossos propósitos. É óbvio que estamos falando de uma forma simplificada, mas determinante para obter sucesso e consumar-se a ambição. Enfim, coloque na execução todo o entusiasmo que tiver.

        Um dos pontos nevrálgicos para se consumar nossas ambições está na seleção de propósitos, isto é, saber escolher qual ou quais projetos, entre muitos, nos convém. Outro ponto essencial é conhecer o assunto, pelos menos ter aptidão relacionada com o mesmo. Feito isso, tome decisões, trace uma estratégia e as metas a cumprir e realize-as com forte ânimo e determinação de só concentrar-se no propósito escolhido.

        Aqueles que enchem a cabeça com muitas ambições e acumulam propósitos, perdem, não raro, o seu precioso tempo arquitetando sonhos e ilusões. Estas não passam além do desejo e nunca constróem sua ponte para a realidade, jamais mobilizam a vontade para alcançar a meta desejada.

        Compreende-se, portanto, que o maior obstáculo à concretização de nossas ambições reside na grande profusão de idéias, pensamentos e propósitos que preenchem nossas mentes a um só tempo. Para vencê-lo é preciso, pelo menos, observar os três pontos seguintes:

 

1) Adquira o hábito de querer, em primeiro lugar, o que for mais útil e prático, e que retorne resultados mais imediatos.

        2) Concentre-se e coloque suas forças no objetivo a alcançar.

        3) Atue somente no que estiver disposto a realizar, não desperdiçando tempo e dinheiro com coisas fúteis e inconsistentes.

 

        Se soubermos medir a real força de nossos desejos, ambições e propósitos, se pudermos identificar se são úteis e práticos antes de os realizarmos, estaremos eliminando sonhos, ilusões e miragens antes que eles nos venham criar muitos embaraços, trazendo-nos enormes aborrecimentos e enfraquecendo nossa força de vontade pelos insucessos que teremos que assumir e assimilar.

        A conclusão de tudo o que ficou dito é que ter apenas ambição não adianta nada, não basta, é preciso pô-la em prática com os ingredientes e cuidados expostos neste tema e no tempo certo. Reúna forças e ponha mãos à obra.

 

O amor-próprio

        O amor-próprio é um sentimento voltado para o próprio indivíduo e é representado por uma atitude de dignidade pessoal amalgamada de acordo com exigências morais e sociais. É um sentimento positivo de auto-afirmação.

        Durante nossa vida, a mente é invadida por toda sorte de sentimentos positivos e negativos, dentre os que são tratados nesta obra, tais como, de um lado os positivos: de amor, alegria, otimismo, felicidade, dignidade, honestidade, somente para citar alguns; de outro, entre os negativos: de ódio, inveja, ciúme, maledicência, ansiedade, impaciência e muitos outros.

        Devemos nos habituar a captar e exercitar os sentimentos positivos, pois acolhendo somente estes estaremos pondo em marcha a nossa evolução espiritual de uma maneira mais rápida e acertada. Para isso, precisamos desenvolver a nossa personalidade, levando-se em conta o nosso equilíbrio mental e emocional, agarrando-nos aos sentimentos positivos, lapidando-os no nosso viver cotidiano. O brio de nossas ações refletirá a dignidade que deve acompanhá-las, fazendo tudo com sinceridade e procedendo com isenção de ânimo no trato com nossos semelhantes, sem idéias preconcebidas, procurando entender o ponto de vista dos outros. Devemos agir com desprendimento, sem arrogância, com humildade, mas também sem ferir o nosso amor-próprio, nem deixar que outros o façam. É óbvio que nem sempre encontraremos condições ideais, sendo mais comum encontrarmos oposição às nossas idéias e à nossa ótica de encarar o mundo e seus problemas. Cada criatura humana é um ser único, isto é, não há dois indivíduos iguais, já que cada um tem uma vivência diferente e é com fundamento nela que cada um reage e atua.

        Nesse sentido, o amor-próprio constitui uma espécie de escudo ou couraça que envolve o indivíduo para protegê-lo de investidas de diversas formas de agressões tempestivas, para que nada venha sofrer de outras pessoas.

        Na convivência diária, todos nós gostaríamos de ser estimados. No entanto, para podermos obter a estima alheia, devemos antes saber estimar a nós mesmos. E, como estimar a nós mesmos? Desenvolvendo o nosso caráter, nossa personalidade, de forma a manter o equilíbrio, a ponderação e o respeito ao nosso semelhante, sabendo mandar e obedecer, conforme as boas regras da conduta. Enfim, não querendo para os outros o que não queremos para nós mesmos. Mas, não basta pensar assim: é preciso colocar estas idéias e princípios em ação em cada momento de nossas vidas, principalmente nas situações de relacionamento difíceis, valorizando os atributos superiores que possuímos. É pela exteriorização desses atributos que nossas qualidades são respeitadas pelos outros. Precisamos atuar e proceder na certeza de que já possuímos estas qualidades e devemos nos esforçar para lapidá-las sempre. Precisamos fazer com que nossas ações sejam agradáveis, justas e boas, ou seja, devemos colocar o nosso livre-arbítrio para o bem, respaldando, com essa atitude, toda palavra empenhada e todo ato executado.

        Em segundo lugar, para granjear a estima de nossos semelhantes, precisamos também, saber respeitar a opinião e a liberdade alheias. Não devemos tolher ninguém. Quando em conversa, não devemos interromper nosso interlocutor até que ele termine de expor suas idéias e pontos de vista ou venha colocar uma pergunta para nossa consideração. Não devemos atropelar os argumentos alheios, colocando muitas perguntas seguidas, a não ser que sejam pertinentes e bem encadeadas sobre o mesmo assunto. Devemos, sim, respeitar o bom diálogo, cada um falando à sua vez, de forma natural e sem exaltação, com respeito mútuo, dentro da melhor harmonia possível, sem levantar a voz para não transformar a conversa em discussão. Esta é a forma ideal e civilizada de infundirmos respeito e polir nosso amor-próprio e, reciprocamente, estimularmos o amor-próprio de nossos semelhantes. Saber ouvir é a regra de ouro, lembrando o ditado que diz: “A palavra é de prata, o silêncio é de ouro”.

        Em terceiro lugar, devemos ter convicção daquilo que falamos ou fazemos. Se não nos convencermos como é que poderemos convencer nossos ouvintes? É na convicção, no tom de voz e na forma e estilo de expor que transmitimos o nosso magnetismo pessoal. Todo bom orador ou palestrante conhece e pratica estes preceitos. Um bom conselho neste sentido é nunca pronunciar palavras negativas, deprimentes ou depressoras, principalmente evitar o uso do “não” como nas frases: “não sou forte o suficiente”, “não me importo com o que vai acontecer”, “não sou importante”, “sou uma criatura insignificante”, “coitadinho de mim”, “ninguém me ouve”, e por aí afora.

        Toda criatura deve afirmar sua vontade, fazer valer seus direitos, mas também, cumprir seus deveres sem esmorecimento. Deve mostrar-se desejosa na vida e procurar evoluir; deve crer em si e na sua força de vontade, se quiser que os outros também creiam. Portanto, para fortalecer a auto-estima é preciso crer em si mesmo, no poder da sua voz, da razão, da resolução e da convicção. É preciso não dar muita importância à opinião alheia, ser indiferente e infenso aos louvores, bem como às censuras descabidas, em desacordo com sua consciência. Confie sempre na sua opinião pessoal e proceda sempre com muita reflexão. Para isso, é preciso tornar-se um ser superior, esclarecido, que controle a si mesmo, que saiba se vestir e se apresentar, que não beba ou coma em excesso, que não ande em desalinho e que se apresente comedido nas palavras e nas ações. Não proferir palavras de baixo calão, não injuriar quem quer que seja e, sobretudo, não se exasperar nunca.

        Aquele que deseja ser tido como criatura sensata e, portanto, granjear o respeito de seus semelhantes, tenha uma vida serena, cultive o bom humor e proceda com calma em todos os atos de sua vida. Tem que ter largueza de espírito e nobreza de caráter. Tem que colocar suas faculdades superiores a serviço do Bem. Tem que ser perseverante e confiante nos resultados de suas ações. Tem que viver com moderação. Lembre-se que só tem poder sobre outrem quem tiver, primeiro, poder sobre si mesmo. Enfim, tem que ter caráter forte e limpo e ser uma criatura de valor.

        Estas qualidades ou predicados são inconfundíveis. Nada têm a ver com a vaidade, presunção e o orgulho que muitos acham necessário para poder mandar e liderar. Puro engano! Estes sentimentos não enriquecem a criatura, antes a desgastam permanentemente e, freqüentemente, as destroem como ser civilizado que deveria ser.

 

O desejo

        O desejo está associado a muitos conflitos exteriores e interiores, estes abrigados no recôndito mais profundo de nosso ser. Antes de compreendermos como nasce, se desenvolve e se dissipa o desejo, é preciso conhecer o que é conflito, sua natureza e localização.

        Os conflitos têm natureza variada e se localizam nos dois níveis da mente: no consciente ou superfície e no inconsciente, isto é, nas camadas mais profundas da mente. Mantendo-a ocupada com o trabalho intelectual ou manual, os conflitos quase que desaparecem, o que confirma que a mente ativa diminui os conflitos. A vontade é o instrumento da realização do desejo. Quando esta é posta em ação para realizá-lo, surgem os problemas, isto é, os conflitos.

        Existe uma vasta gama de desejos, muitos benfazejos, outros maléficos, todos impulsionados pela vontade de fazer ou não fazer, de agir ou não agir. Por exemplo, a ambição de galgar o topo de uma carreira ou cargo para cumprir uma de suas metas na vida, a vontade firme na realização do desejo de um político de se tornar presidente ou a de um compositor musical ou músico de um dia ser maestro. Os exemplos encheriam dezenas de páginas.

        É o desejo que causa o conflito. O desejo é estimulado pela associação de idéias e pela lembrança de fatos e ocorrências passadas; daí, a memória desempenhar papel fundamental na geração e compreensão da natureza do desejo. As lembranças podem ser agradáveis ou desagradáveis, as primeiras causando prazer e estas, dor ou sofrimento. Estes desejos opostos nutrem o conflito.

        Por causa da alternativa do prazer e da dor, a nossa mente divide ou fraciona o desejo em diferentes categorias de valores e atividades.

        Apesar de se chocarem e se oporem, todos os desejos são um só. É fundamental compreender esse ponto para evitar que o conflito dos desejos opostos se torne interminável. Do equilíbrio dos desejos opostos temos a inação; portanto, temos sempre que passar os desejos opostos por um filtro e depurá-los, para poder eliminar os conflitos e bem agir. Vemos, assim, que este dualismo é aparente, é uma ilusão. Não há dualismo no desejo, mas apenas diferentes tipos de desejo. Aliás, o dualismo é quase sempre uma ilusão em todas as atividades humanas. Não se deve confundir dualismo com alternativas de problemas para os quais existem soluções. Só há dualismo perfeito entre o tempo e a eternidade, porquanto a existência de um elimina a existência do outro.

        E por que é ilusório o dualismo no desejo?

        Vejamos: o desejo se divide entre querer e não querer algo. Tanto procurar querer como evitar querer é desejo. Não se pode fugir deste conflito porque é o próprio desejo que cria oposição a si mesmo. Daí, concluir-se que todos os desejos são um só e não podemos alterar esse fato. Se compreendermos isto como verdadeiro, então o desejo tem força para libertar nossa mente da criação de ilusões!

        Estabelecido que o desejo se fraciona em partes distintas e opostas e que “querer” e “não querer” são desejos que geram conflitos, nós vivenciamos estes desejos opostos em conflito, já que o seu fluxo nos puxa em direções opostas. Vemos, assim, que o desejo só faz multiplicar, ou melhor, repicar o desejo, numa armadilha cíclica. Por isso, precisamos ter primeiro uma noção bem nítida do desejo como uma entidade simples e única.

        As nossas necessidades orgânicas são moldadas pelos desejos psicológicos, que se agrupam em dois tipos: potentes ou conscientes, porque evidentes, e ocultos ou latentes, estes mais importantes porque escondidos no subconsciente. A nossa mente consciente ou superficial está sempre em estado de agitação. Acalmando-se os desejos superficiais, torna-se possível sentir os desejos ocultos, “motivos” e intenções subirem à superfície, isto é, é preciso fazer estes desejos (os latentes) aflorarem ao consciente para podermos estudá-los, eliminá-los ou dar-lhes livre curso real.

        Ao analisarmos a natureza do desejo, voltamos ao problema do experimentador e da coisa experimentada, isto é, nós verificamos que não somos separados de nossos desejos. Então, como experimentá-los sem nos envolvermos diretamente? Como reprimir um desejo e seguir outro? O que “freia” um e “libera” outro? É a força de vontade.

        Se existir esta percepção, sempre que surgir um desejo devemos nos livrar do experimentador como “entidade separada” e, então, poderemos (o nosso “eu”) conferir o desejo sem censura, isto é, precisamos fazer cessar o censor que existe em nós, momento por momento, passo a passo e, assim, veremos os conflitos cessarem. Não é fácil seguir este processo, mas adotando-o, sempre que necessário, veremos que nos aquietamos e nos tornamos cônscios e seguros de nossas ações.

        O desejo se realiza e se consome depressa enquanto o amor é duradouro e sempre trará alegria; ao contrário, o desejo realizado quase sempre deixa uma sensação de vazio. O desejo não pode ser detido; tentar cessá-lo pela vontade leva à decadência e ao sofrimento (processo do sufoco). Só o amor pode dominar o desejo e o amor não é coisa ou produto mental. O desejo é tão flexível e veloz que a mente é capaz de ajustá-lo a qualquer coisa, adaptar-se a qualquer circunstância.

        Finalmente, desejar e perseverar faz um homem forte e preparado para lutar com tenacidade e vencer todos os obstáculos.

 

O orgulho

        O orgulho é um sentimento ambivalente, podendo ora ser negativo, ora positivo, dependendo da situação específica em que se insere. No primeiro caso, temos o amor-próprio ou auto-estima exacerbada, assumindo aspectos variados como os encontrados na presunção, na arrogância, na soberba e na empáfia. No segundo caso, esse complexo sentimento pode assumir as formas de dignidade pessoal, brio e altivez que são também conceitos exagerados de si mesmo. No desdobramento desse tema procuraremos abordar todas essas facetas do orgulho.

        Em seus aspectos negativos o orgulho consiste na criatura se julgar acima de todas as outras, isto é, de considerar os seus semelhantes inferiores. Sua superioridade aparente é por ela usada como desprezo aos seus semelhantes, de quem zomba, olha de soslaio ou trata com indiferença e desdém. Nas pessoas mais cultas, que não conseguem se tornar infensas ao orgulho, este se transforma em arrogância e, consequentemente, elas acabam ofendendo os mais humildes, desprezando os seus valores. Trata-se aqui de uma séria deformação do caráter, já que possuindo conhecimentos, sendo cultas e inteligentes, poderiam, muito bem, dispensar de usar este sentimento tão desprezível no trato, no convívio com seus semelhantes. Assim, desprezando os outros e seus valores torna-se difícil aproximar-se deles e merecer a sua confiança. Seus méritos não conseguem sobrepor-se ao orgulho que termina por sobressair-se. Trata-se de um orgulho injustificado, que é grosseria e estupidez.

        Os orgulhosos, ainda no seu sentido negativo, não conseguem cativar nem ser solidários com ninguém, porque é da sua própria natureza procurar se manter sempre intocáveis. Por isso mesmo, não se preocupam com ninguém. Sua maior preocupação, quando conseguem, é impor suas idéias e opiniões ao seu próximo. Procuram colocar a marca de seu orgulho nos gestos, na forma de vestir e, principalmente, na entonação da voz, quase sempre acompanhada com um acento de ironia e desdém. Normalmente, esta modalidade de orgulho está associada ao egoísmo. Veja o tema “O EgoÍsmo” em outra parte desta obra.

        O orgulhoso não sabe respeitar a opinião e a liberdade alheia. Se puder constranger as pessoas, ele o faz de maneira acintosa e com muita empáfia. Usa a empáfia para “arrotar” grandeza. A convivência é difícil porque ele sempre se coloca acima dos outros. O orgulhoso exaspera-se com facilidade, é insensato, não tem largueza de espírito e é desprovido de qualquer resquício de humildade. No orgulhoso, a ingratidão é marcante. Veja o tema “A Gratidão” em outra parte desta obra.

        Com relação ao relacionamento e ao convívio com o próximo, o orgulho se interpõe como uma barreira quase intransponível. Sabemos que o que mais afasta as criaturas entre si são os preconceitos, as suspeitas e as rixas. Lembre-se que com palavras duras e ásperas não se consegue nada e que a atitude soberba é a maior causa dos conflitos e das desavenças entre as pessoas. Portanto, é necessário sempre esforçar-se para não exagerar ou sobrevalorizar o seu amor-próprio ou auto-estima a ponto de se transformar em orgulho.

        É importante não confundir orgulho com vaidade. O vaidoso procura sempre se comparar com outra pessoa; já o orgulhoso jamais se compara porque ele se coloca sempre acima dos outros, que julga serem inferiores e têm o dever de lhe servir. O orgulhoso tem méritos, o vaidoso não. Veja, nesta obra, o tema “A Vaidade”. Esta diferença é apresentada ali com uma argumentação mais ampla. É do Marquês de Maricá esta frase: “O orgulho é próprio dos homens, a vaidade das mulheres” [PÂNDU, 1962, p. 176].

        Com relação ao aspecto positivo do orgulho, menos freqüente que o negativo, teceremos algumas considerações. Jovens e adultos que, através de seu esforço próprio, lutam e vencem concursos e competições, coroando centenas e até milhares de horas de estudo ou de esforço físico dedicado aos esportes com empenho e garra, sentem um tipo de orgulho gratificante, do mesmo modo que seus pais e familiares. É costume ouvir um pai dizer “meu filho é o orgulho da família”, para demonstrar o prazer que sente por ter, quem sabe, pelo menos um filho que se destacou. Nos esportes, os fãs e torcidas organizadas têm orgulho das vitórias de seu time e de seus ídolos. Há mulheres que sentem orgulho de seus maridos e vice-versa.

        A altivez parece, também, ser uma forma positiva do orgulho, porque mais ciosa de si a criatura não utiliza a arrogância para se impor, mas faz uso de seus méritos de forma mais natural, sem agredir aqueles a quem deve causar admiração.

        A proeminência encontrada nos homens muito cultos e sábios de todo o mundo é admirada por todos, desde que não venha envolvida pela soberba. É do Padre Antonio Vieira esta frase: “Lograr proeminência e não ser soberbo é comedimento tão raro, que nem o primeiro anjo o teve no céu, nem o primeiro homem no paraíso” [PÂNDU, 1962, p. 176]. Aqui fica claro que a virtude está no meio, no equilíbrio, sem pender para nenhum extremo, mantendo o amor-próprio sob um desejado e útil controle.

 

O sofrimento

        O sofrimento se manifesta em todas as criaturas sob as mais diferentes formas físicas e morais e faz parte, como efeito ou conseqüência, da luta pela vida, sendo o sustentáculo da própria evolução espiritual. É através do sofrimento que as criaturas acordam, despertam para as realidades da vida e para a necessidade de evitá-lo através do bom uso de seu livre-arbítrio. Não é uma qualidade ou atributo do espírito, mas um meio ou necessidade que serve para corrigir o rumo certo da evolução espiritual. Usaremos neste tema a palavra sofrimento para abranger a dor física e moral e o vocábulo dor para a dor física. Assim, o sofrimento é mais amplo e inclui, além da dor física, as dores morais, tais como a angústia, a mágoa, a amargura, o infortúnio, a aflição, o padecimento, o tormento, o sufoco e outras mais dessa ordem que atingem diretamente o espírito e não o corpo.

        É impossível a criatura eximir-se totalmente do sofrimento neste mundo. Mas, constitui obrigação do indivíduo procurar suavizá-lo, amenizá-lo, atenuá-lo tanto quanto possível através do bom uso que fizer dos atributos essenciais do espírito: o pensamento, a vontade, o raciocínio e o livre-arbítrio. No mundo de relações em que vivemos é difícil, senão impossível, fugir às atribulações, às inquietações, aos fatores adversos, às influências negativas e às imagens duras e cruéis que acontecem ao nosso redor, todas elas trazendo sofrimento e amarguras as mais diversas.

        Apesar de a criatura normal procurar evitar o sofrimento de todas as maneiras possíveis, existem pessoas que procuram, propositadamente, fazer os seus semelhantes sofrerem. São indivíduos excêntricos e obsedados que, por anomalias mórbidas da personalidade e da conduta, adotam procedimentos condenáveis pela sociedade de qualquer país civilizado. São práticas paradoxais mesmo, a fim de extraírem da sua dor ou da de outrem prazer e gozo, na volúpia de fazer sofrer ou sofrer eles mesmos, o doce-amargo do prazer e da dor fundidos num único sentimento. Estes são os amantes da dor, verdadeiros casos de psicologia e psiquiatria clínicas que formam um grande contingente de degenerados psíquicos que atuam sob as mais diversas formas que nomearemos a seguir, pedindo a compreensão do leitor para o palavreado técnico. Existem os algofílicos ou paramasoquistas, que são os amantes passivos da dor, que procuram submeter-se ou escravizar-se aos caprichos de alguém, humilharem-se; os algomaníacos ou para-sadistas, que são os amantes ativos da dor, pessoas com tendência de sentir prazer com o sofrimento alheio e até de animais; os masoquistas, também agentes passivos da dor, porém em estado mais avançado que os algofílicos; os sadistas, agentes ativos da dor em estado mais exaltado que os algomaníacos e, finalmente, os sadomasoquistas que sendo ambivalentes adoram supliciar ou torturar e serem supliciados ou torturados, isto é, adotam ora uma, ora outra postura mórbida. Todos esses tipos citados são enfermiços do espírito e dirigem sua morbidez principalmente para os prazeres do sexo e para a criminalidade, já que possuem uma morbidez acentuada ou uma tara excêntrica e exaltada. Os pervertidos erógenos ou sadomasoquistas são casos, na medicina oficial, para a psicologia e psiquiatria. Todos vivem para sofrer e desfrutam a vida fazendo outros sofrerem.

        A dor física deve ser encarada como um mecanismo de defesa de nosso organismo, como sentinela para detectar que alguma coisa está errada, não vai bem, em alguma parte do nosso corpo. Nem sempre o local da dor é seu ponto gerador, local de sua origem. Por exemplos, uma dor de cabeça ou uma enxaqueca normalmente têm a sua causa em outra parte do organismo, ou, até mesmo, é de origem psíquica, somatizada no local da dor. Não vamos nos alongar nesta área, que faz parte da Medicina oficial e de todas as suas especialidades e, cujo objetivo principal é diagnosticar e tratar de todas as disfunções do corpo humano, conhecidas genericamente como doenças.

        Outro aspecto da dor, cuidada também pela Medicina ou mais precisamente por uma de suas especialidades, a geriatria, são as doenças ditas degenerativas. Estas ocorrem nas pessoas que já atingiram uma certa idade, cujos limites variam de indivíduo para indivíduo, mas que é comum situarem-se na terceira idade, ou seja, acima dos sessenta anos. Estas doenças decorrem do desgaste natural do organismo, seja devido à idade avançada, seja devido aos maus tratos infringidos ao corpo ao longo dos anos. Nesses casos, o melhor remédio é aprender a conviver com a dor da melhor maneira possível, ou mais modernamente, através da terapia ocupacional. Nessa categoria, citamos o reumatismo em suas variadas modalidades e a osteoporose, esta última mais comum nas mulheres e resulta da descalcificação da massa óssea do esqueleto, devido à insuficiência hormonal.

        Destacamos duas ocorrências muito comuns de comportamento em relação ao sofrimento que fogem da normalidade. A primeira está em exagerar, ampliar introvertidamente os efeitos da dor como acontece nos algofílicos ou paramasoquistas supracitados. Estas criaturas colocam nessa prática um expediente de chamar a atenção para seus estados de carência emocional e recalques. Fazem jejuns e ruminam pessimismo o tempo todo. Alguns fazem penitências ou se entregam a lamentações obsessivas e usam a dor como uma forma, uma tentativa de compensar os seus recalques. Neste grupo, encontramos os desencantados da vida, os melancólicos e os inquietos. Fazem de tudo isso um derrotismo bastante negativo para si e para os com quem convivem. Até mesmo o amor — o mais nobre dos sentimentos humanos —, não fica de fora, fazendo dele motivo de dramas, tragédias e amarguras, sentimentos esses cantados por prosadores e poetas de todos os tempos.

        A segunda ocorrência anômala do comportamento em relação à dor é a que tende a minimizá-la. Este tipo de comportamento pode ser encontrado entre os faquires e exibicionistas de feira e circo. Eles procuram tornar-se insensíveis à dor física, dela fazendo exibição e comércio em países de tradição religiosa muito antiga, como a Índia, China, Tibete e outros países da Ásia. Em alguns casos, chegam a ter completo domínio do pensamento sobre a dor, o que deixa os passantes e visitantes estupefatos. Estes são sadomasoquistas, que inflingem a dor em si mesmos.

        O aspecto mais polêmico sobre a dor e o sofrimento recai sobre a sua necessidade. Para os materialistas a dor e o sofrimento são sempre de natureza física, têm origem no corpo e no corpo atuam. Mas, não conseguem explicar as dores e sofrimentos morais que não têm por causa nenhum agente etiológico, bactéria ou vírus, nem são conseqüências de ferimento ou contusões no corpo. O sofrimento moral, nas suas numerosas modalidades, é de natureza puramente espiritual e até muitas dores físicas têm por causa ou são influenciadas pelo mau uso do pensamento e do livre-arbítrio, somatizando as influências negativas em diversos pontos do organismo.

        Somente a doutrina espiritualista científica explana e explica que o espírito é a única força capaz de mover e pôr em ação não só o corpo, como também, os seus atributos, como o pensamento, a vontade, o raciocínio, o livre-arbítrio e todos os demais que desses atributos essenciais se desdobram. Da ação desses atributos, especialmente do uso do livre-arbítrio, praticamos o Bem ou o Mal. Assim, a grande maioria dos males e sofrimentos que atormentam as criaturas são decorrentes do mau uso que fazem de seu livre-arbítrio, adquirindo-se pelas faltas e erros que praticarem, numerosos elementos negativos materiais e energéticos ou astrais, que marcam indelevelmente a alma e a consciência. O resgate dessas falhas e erros só pode ser feito através do trabalho penoso e do sofrimento. A crença, ou melhor dizendo, a convicção nesta verdade coloca a mente em condições de dominar cada vez mais o corpo até se libertar de todos os sofrimentos e dores.

        O ditado ou aforisma latino “Mens sana in corpore sano” — mente sã em corpo são —, que leva a crer que toda a saúde mental depende do corpo, conforme adotada pela medicina oficial, é interpretada pelos espiritualistas no seu sentido oposto, ou seja, o corpo será são na medida em que a mente for sã, sadia. Nem o corpo, nem o cérebro, órgão sensível que dele faz parte, pode gerar os sentimentos, as emoções e as paixões humanas. Estes têm origem na ação dos atributos do espírito acima mencionados.

        Assim, é o espírito que busca a maneira de pôr o corpo em perfeita concordância e harmonia com suas vibrações, e luta para expelir do corpo todos os elementos nocivos, causadores da dor e do sofrimento. Esta é a luta da evolução espiritual do homem, através da qual o espírito procura tornar-se puro e perfeito.


PARTE IV

ATRIBUTOS ESPIRITUAIS

 

A concentração

        A concentração consiste no poder que a criatura tem de direcionar a totalidade de seus pensamentos para um único ponto, objeto ou assunto sem se deixar distrair por nenhum fato ou qualquer circunstância que se produza ou venha ocorrer ao seu redor.

        A concentração faz convergir todas as idéias para um centro focal, assim como, usando uma lente, convergimos os raios solares, que são ondas vibratórias, para o foco luminoso da lente. A energia aí concentrada é tanta que pode acender uma vela. Isso é fácil de entender porque o pensamento é vibração do espírito e, como vibração, ele pode convergir ou dispersar-se em muitas direções. A dispersão ocorre pela distração quando o pensamento vagueia de um assunto para outro com muita facilidade, não se fixando em nenhum deles.

        A concentração emprega simultaneamente pelo menos cinco qualidades ou predicados do espírito, a saber: interesse, atenção, domínio sobre si mesmo ou autocontrole, continuidade e persistência.

        O interesse é o primeiro requisito. É preciso gostar e se fixar no assunto que se vai estudar, naquilo que se vai fazer ou em que atuar. O interesse nos leva à predisposição para extrair os maiores e melhores resultados da concentração. Ele nos desperta os sentimentos apropriados e nos coloca em sintonia com o objeto ou assunto da concentração.

        Ao interesse segue-se a atenção, que constitui propriamente a base da concentração. A atenção nos permite fazer a sintonia fina e nos colocar em harmonia com o objeto ou assunto da concentração. Ela constrói uma ponte invisível entre o observador (a pessoa que busca se concentrar) e o objeto da concentração (o assunto a que se dirige a nossa atenção). Através da atenção, procuramos convergir os nossos pensamentos ao objeto da concentração.

        É pelo autocontrole que firmamos os nossos pensamentos no ponto focal do objeto da concentração. É através dele que imprimimos maior ou menor intensidade aos nossos pensamentos e os separamos, de modo a selecionarmos, dentre tantos, aquele que nos interessa no momento da concentração. Ele governa os pensamentos e é necessário para afastar as idéias estranhas ao assunto, as quais tendem a nos levar à distração.

        A continuidade reforça a atenção e evita interrupção no pensamento, ao mesmo tempo que estimula a emissão repetitiva do mesmo pensamento. É como um filtro que canalizasse sempre ondas vibratórias do mesmo tipo e intensidade para melhor captar o assunto objeto da concentração.

        Finalmente, contamos com a persistência, que tem por função obrigar a atenção a ficar presa ou ligada ao assunto ou objeto escolhido até terminarmos ou completarmos o processo da concentração que se tinha em vista.

        Por isso, quem desejar adquirir e praticar esta preciosa faculdade da concentração precisa exercitar seus cinco elementos básicos supradescritos em todos os atos do seu dia-a-dia. Muitos livros foram escritos para ensinar técnicas de concentração, assim como técnicas de auto-sugestão, visando dotar as criaturas de melhores ferramentas para vencer na vida. Está fora de dúvida que todos os grandes vencedores nos esportes de todos os tipos, na indústria, no comércio, nas ciências, nas artes e praticamente em todas as atividades humanas têm na concentração a mola mestra de seus sucessos.

        Se observarmos na descrição acima, veremos que o autocontrole ou domínio de nós mesmos é, entre todos os demais pré-requisitos citados, o de maior importância porque é através dele que impomos vigilância e orientação aos nossos pensamentos e sentimentos. O meio mais direto de desenvolvermos o autocontrole é através da introspecção, ou seja, um mergulho em nosso psiquismo para ativar as nossas forças interiores. A introspecção é uma profunda reflexão para nos conhecermos como Força e Matéria e dar a cada um desses elementos o seu devido valor.

        Não vamos nos deter ou aprofundarmos aqui nas técnicas para desenvolver a concentração, mas este tema estaria incompleto se não déssemos, pelo menos, algumas pinceladas no assunto. Pesquisas feitas por instituições sérias, em vários setores da atividade humana, revelam que cerca de 90% das criaturas levam uma existência medíocre por não saberem tirar proveito da concentração, 5% a usam mal e somente 5% a utilizam verdadeiramente e triunfam. Daí, a importância de realçarmos alguns pontos fundamentais que constituem os pré-requisitos das técnicas de concentração. São eles, não necessariamente dispostos nesta mesma ordem de importância:

 

        01) Organize, planeje e discipline o dia-a-dia de sua vida.

        02) Cumpra o que planejou e procure corrigir todos os erros.

        03) Mantenha sob controle seus compromissos e interesses.

        04) Exerça toda a atenção aos detalhes para aperfeiçoar-se.

        05) Dê intensidade e prontidão aos seus pensamentos e atos.

        06) Procure novas maneiras de falar ou fazer as coisas certas.

        07) Pense antes de agir e use bem o pensamento e o raciocínio.

        08) Utilize sua força de vontade e saiba dirigi-la para o bem.

        09) Utilize cada momento do seu dia para se tornar cada vez melhor.

        10) Seja exigente consigo mesmo e tolerante com o seu semelhante.

        11) Procure a companhia de pessoas calmas e evite emoções fortes.

        12) Evite grandes concentrações de pessoas e fuja dos tumultos.

        13) Ao deitar, faça uma auto-análise sincera dos atos que praticou.

        14) Abstenha-se de uma vez de todos os vícios (drogas, álcool e fumo).

        15) Procure manter a saúde do corpo, curando-se de todas as doenças.

        16) Faça exercícios físicos e ginástica respiratória para oxigenar o sangue.

        17) Dê-se ao hábito da boa leitura , diariamente, pelo menos por 15 minutos.

        18) Procure tornar-se bem calmo, feche os olhos sem forçar, fique em silêncio.

        19) Ao concentrar-se, evite movimentar-se e respire bem lenta e pausadamente.

        20) Ao deitar-se, procure relaxar-se e esquecer todos os assuntos do seu dia-a-dia.

 

A consciência

        A consciência é a faculdade que integra três faculdades essenciais do espírito: pensamento, força de vontade e livre-arbítrio. É ela que estabelece os princípios, normas e procedimentos de conduta a seguir, para que a criatura possa discernir o certo do errado, o bem do mal e fazer a sua evolução espiritual da forma correta, mais direta, com menos erros e falhas, em direção à Inteligência Universal, de que é partícula, e para onde voltará após atingir a perfeição e pureza.

        A consciência é a nossa bússola norteadora, o nosso instrumento de navegação, que nos conduz de acordo com os princípios morais e as leis universais. É ela que alumia os nossos caminhos, que nos põe em consonância com os princípios do bem, afastando todo o mal. É através dela que alcançaremos a Perfeição Absoluta na longa estrada da evolução. Ela, a Consciência, aqui grafada com letra maiúscula, é o atributo absoluto, que no Universo, confraterniza todos os espíritos num só pensamento de Amor e Paz.

        A consciência é o nosso juízo, a nossa razão e é a ela que nos devemos submeter em todos os atos de nossa vida. Ela é a Lei Magna de nossa evolução. Não confundir a consciência com memória. Esta é o nosso repositório de conhecimentos, experiência e saber de tudo que fizemos, fazemos ou viermos fazer. O resultado de nossos esforços, pensamentos e ações são gravados nela de forma indelével, impossível de serem apagados. Podemos compará-la a um moderno disco ótico de CD-ROM usado em multimídia nos computadores, no qual são colocadas em código de computação milhões e milhões de informações como textos que se pode ler, imagens que se pode ver, sons que se podem ouvir, isolada ou combinadamente. Para isto, basta achar o local onde se acham armazenadas as informações, em arquivos, e reproduzir no computador o que desejamos. Cada CD-ROM é único, tem sua identidade. Assim é a nossa memória. Já a consciência baliza, modela e julga os nossos atos.

        A inter-relação ou integração do espírito com o corpo forma o “eu pessoal”, “eu consciente” ou simplesmente o “eu” ou personalidade, na terminologia dos psicólogos modernos. O “eu consciente” tem a consciência como atributo essencial, que dita a conduta ou modela a personalidade da criatura. Ele exterioriza idéias como “eu penso, eu sinto, eu quero”. Já “o que eu penso, o que eu sinto, o que eu quero”, isto é, o objeto das idéias tem que passar pelo crivo da vontade e do livre-arbítrio; todos, por sua vez, devem ser submetidos ao crivo, ao rigor vigilante da consciência que norteia, que baliza a conduta. Segundo os psicólogos, a consciência exerce o papel de censor, de “superego”.

        A integração dos três atributos essenciais do espírito, pensamento, vontade e livre-arbítrio pela consciência cria uma unidade harmônica induzida pela vibração da energia espiritual que atua diretamente no seu instrumento material — o cérebro humano —, produzindo os efeitos que conhecemos como sendo a vida humana. O cérebro, por sua vez, conduz as ações e exprime os sentimentos que queremos transmitir em nossa vida de relação com os nossos semelhantes.

        Para ficar bem claro o que acima dissemos, é preciso entender que tudo o que pensamos nos vem de fora; captamos nossas idéias por intuição — elas não são elaboradas fisiologicamente pelo nosso cérebro. Grifamos propositadamente o possessivo nosso. Nós utilizamos o cérebro, nessas circunstâncias, como instrumento de captação. Mas, nós quem, nosso “eu”? Agora, temos três palavras grifadas e ainda não definimos quem somos nós, não é verdade? Nós somos constituídos de Força e Matéria. A Força é a energia espiritual, partícula da Inteligência Universal, o “sopro da vida” e a Matéria é o instrumento do espírito, o nosso corpo, organizado pelo espírito para a sua evolução na Terra com os elementos químicos próprios da Terra.

        Não há nenhuma dualidade no que dissemos; o que existe é uma integração entre Força e Matéria. A consciência promove esta união entre as duas realidades. As idéias nos vêm de fora e o pensamento que é vibração do espírito as elabora para organizá-las e pô-las em ação através da vontade, que é o dínamo do espírito. Se o pensamento fosse uma elaboração fisiológica do cérebro, não conteria uma variação quase infinita de idéias e imagens, já que o produto fisiológico de um órgão tem uma composição aproximadamente constante, como é, por exemplo o caso da insulina produzida pelo pâncreas ou a bílis, produzida pelo fígado. Sua composição química é praticamente constante, conforme detectado por análises clínicas. No processo de integração referido, o livre-arbítrio intervém para que a plena liberdade de ação seja observada, nada sendo feito por imposição, mas por deliberação própria. Veja nesta obra os temas “O Pensamento”, “A Vontade” e “O Livre-arbÍtrio”.

        Para cumprir os desígnios da consciência, basta colocar o nosso livre-arbítrio atuando em perfeita harmonia com os princípios da moral, bom senso e justiça. Moral e justiça são conceitos natos na criatura desde a mais tenra idade. A influência do meio e a orientação que vier receber dos pais poderá realçar ou deturpar estes conceitos. Daí, a importância dessa ação orientadora, a qual deve ser desempenhada com muita compreensão, ternura e amor.

        A obediência que devemos à nossa consciência será sempre cobrada por esta, em qualquer circunstância e em qualquer tempo ou ocasião. Não se trata de uma obediência cega, para fazer ou deixar de fazer o que a vontade ditar (isto é função do livre-arbítrio), mas de uma exigência ao cumprimento do dever, segundo os princípios da moral e da justiça, o que vale dizer, em consonância com o Bem. O não cumprimento ou afastamento das diretrizes planejadas pelo espírito antes de encarnar, em seu mundo de origem, traz conseqüências nefastas, retardando a evolução espiritual da criatura.

        A criatura que se afastar das diretrizes traçadas, praticando o mal consciente ou inconscientemente, será acometida de arrependimento ou, quando causar mal maior ou injustiças danosas para os seus semelhantes, pelo remorso. Estes sentimentos não deixarão a sua consciência em paz, e não serão apagados, senão pelos sofrimentos pelos quais terá a criatura de passar, segundo a lei de causa e efeito, inapelavelmente. Se não puder resgatar estas falhas durante sua presente encarnação, terá que fazê-lo em outras, inexoravelmente.

        É muito útil e recomendável fazer diariamente, antes de dormir, em exame de consciência dos atos praticados durante o dia. Assim procedendo a criatura poderá detectar deslizes perniciosos e ir fazendo a correção de rumo, sem deixar acumular pesadas falhas, cujo resgate, mais tarde, será sempre mais doloroso. Seja, portanto, seu próprio juiz pela ação do pensamento e da vontade corretora de suas falhas. Somos todos imperfeitos, e esta luta entre as boas e más ações ressoa em nossa consciência. Teremos que travá-la com nossas forças interiores, com discernimento e lucidez de raciocínio para separar o joio do trigo.

        Para ascender a outros planos espirituais mais elevados, em nossa longa caminhada para a perfeição, temos que passar por todas as provações, limpar todas as máculas, afastar todos os erros e males, depurar nosso espírito, adquirir todos os méritos necessários e desapegar-nos dos bens materiais, isto é, tornarmo-nos livres do sentimento de posse das coisas terrenas.

        É óbvio que acabamos de descrever condições ideais. Mas, a realidade da vida terrena nos oferece toda sorte de situações que se afastam delas. Encontramos, nas relações com nossos semelhantes, uma diversidade muito grande de graus de evolução, de sensibilidade e espiritualidade diferentes da nossa, de necessidades materiais e espirituais diversas, de afetividades conflitantes sob a forma dos mais variados sentimentos, emoções e paixões, umas nobres e dignas, outras desprezíveis e vergonhosas.

        Nesse torvelinho de sentimentos e vibrações de toda espécie e gênero, invocamos a razão, a lógica e o raciocínio para impor a ordem e a disciplina e finalmente triunfar. Cada um terá que fazer isso por si mesmo, usando seus recursos espirituais já mencionados, sem contar com a ajuda de quem quer que seja. Nesse longo processo, que consumirá muitas vidas, muitas encarnações, a consciência tem um papel relevante, que é o de aferir, sopesar, comparar os ganhos e as perdas, fazer o balanço de nossas ações passadas e traçar a rota de nossas ações futuras. Ao julgar nossas ações, age a consciência como juiz de si própria, um censor; ao traçar novas ações, age como um planejador, balizando a nossa evolução, impondo-nos desígnios e metas para melhor cumprimento de nosso dever. O esforço de uns poderá encurtar sua caminhada; a inércia de outros, poderá estendê-la. Não há outras alternativas.

 

O livre-arbítrio

        Na definição vernácula, o livre-arbítrio é apresentado como um poder abstrato, isto é, “um grande poder sem outro motivo que não a existência mesma desse poder”. Mais adiante, ainda sobre o livre-arbítrio diz o dicionário: “o homem é dotado de poder de, em determinadas circunstâncias, agir sem motivos ou finalidades diferentes da própria ação”. Dessa forma, nada se esclareceu, não se definiu coisa alguma e sua descrição é vaga e sem sentido. Isto demonstra que essa maravilhosa e tão essencial faculdade espiritual é pouco conhecida, por causa de falsas concepções sobre o que é a vida.

        Para entender o livre-arbítrio e o seu importante papel em tudo o que acontece na vida da criatura e, até mesmo do próprio processo de evolução espiritual do homem, é preciso invocar os conhecimentos difundidos pelo alto espiritualismo, por escolas de alto psiquismo, que ensinam não ser a vida lapidada em uma única passagem pela Terra. Pelos seus fundamentos, a vida é um composto de Força e Matéria, a primeira tendo evoluído como Força Inteligente até alcançar a condição de Espírito. Nesta condição, então, encarna em corpo humano para continuar o processo de evolução, neste estágio não mais das espécies, como muito bem ensinou Darwin no seu famoso trabalho apresentado no livro A evolução das espécies, mas como evolução do espírito na espécie humana, último elo material nesta milenar cadeia evolutiva. Esta evolução se processa no homem como ser encarnado, passando por numerosas vidas terrenas até atingir o Espírito níveis de alto valor espiritual e moral, essencialmente puro, lúcido e omnisciente das verdades fundamentais e das leis universais, quando não mais volta a encarnar.

        Neste contexto, o livre-arbítrio é uma faculdade do espírito, isto é, um dom do espírito. É o poder de agir com liberdade plena, impulsionado pela vontade e controlado pelo raciocínio. O processo que precede cada ação da criatura, se passa de forma resumida, na seqüência que se descreve a seguir. As idéias e estímulos que nos chegam do meio ambiente, isto é, de fora (em relação ao indivíduo) são processadas e elaboradas em forma de pensamentos; estes, por sua vez, são trabalhados pelo raciocínio que os depura até ficarem de acordo com o que se deseja transmitir ou fazer. Ainda nesta fase, a criatura utiliza a experiência previamente adquirida e que está disponível em sua memória. Em seguida, entra em ação a vontade, que também é um atributo do espírito. Esta, com sua maior ou menor força, dependendo do grau de evolução espiritual de que se acha dotada a criatura, tem a função de colocar os pensamentos em ação, usando a faculdade do livre-arbítrio como filtro secundário, isto é, como sentinela do juízo, orientando a ação desejada para o bem ou para o mal. Neste processo, o raciocínio age como filtro primário, já que, quando a criatura não raciocina, os pensamentos são levados à ação sem uma depuração adequada quanto aos efeitos que pode produzir, induzindo a pessoa a empregar o seu livre-arbítrio de forma irracional e insensata, na maior parte das vezes causando danos irreparáveis a terceiros e a si mesma.

        A consciência do Bem e do Mal já a possuem as crianças, mesmo em tenra idade, quando começam a aprender os primeiros ensinamentos dos pais e preceptores, num processo de aquisição de conhecimentos morais que as famílias bem formadas procuram, com amor, carinho, dedicação, abnegação e espírito de renúncia transmitir aos seus descendentes. Aqui, os valores morais falam mais alto e são os deveres de casa dos pais.

        Conhecendo, portanto, o Bem e o Mal e a maneira de distinguir um do outro, o livre-arbítrio oferece às criaturas duas opções e somente duas: ou empregá-lo para o Bem ou dirigi-lo para o Mal. Quando o livre-arbítrio é dirigido para o Bem, os benefícios recaem sobre quem os praticou e sobre aquele ou aqueles a quem a ação foi dirigida. Caso contrário, quando orientado para o Mal, ele reverte o mau resultado de sua ação para quem o praticou, além de prejudicar o seu semelhante. O curso normal da evolução espiritual só se processa no primeiro caso e é dele que devemos cuidar sempre em nossas ações. Isto é obvio e intuitivo e vem em favor do preceito cristão que diz: “quem bem faz para si o faz”.

        Pensar elevado e com profundidade, de forma concisa, dedutiva, lógica e de modo a abranger a essência do assunto, problema ou questão em análise, raciocinando sobre a validade do pensamento e aplicando-o com a força de vontade voltada para o Bem, é praticar o livre-arbítrio de forma inequivocamente correta. Com atos assim, racionalmente pensados, gerados e aplicados caminharemos mais rápidos e seguros para completar nossa trajetória evolutiva.

        Se, ao contrário, titubearmos e fecharmos os nossos olhos para os nossos problemas, não procurando resolvê-los de forma racional, tornar-nos-emos propensos a mal usar nossa força de vontade quando formos transformar nossos pensamentos em ações, disso resultando um mau uso do nosso livre-arbítrio, com todas as suas funestas conseqüências. A baixa capacidade de raciocínio encontrada em muitas pessoas, muitas vezes até com boa índole e dóceis no trato e no relacionamento, pode resultar em miséria, desgraça e muito sofrimento, tudo em decorrência do mau uso que vierem a fazer do livre-arbítrio.

        Basta ter um pouco de percepção para compreender que a somatória das forças de todas as ações do pensamento e do livre-arbítrio que ocorre em dado momento, no mundo, tem intensos efeitos opostos de incalculável grandeza e magnitude. De um lado, os efeitos gerados pelo mau uso do livre-arbítrio direcionado para o Mal, trazem consigo enorme confusão de opiniões, desentendimentos entre pessoas, no seio das famílias, entre povos e nações, levando à incompreensão, ao ódio racial e à intolerância religiosa, à ira, à violência, à insegurança, à perversidade, enfim, a dezenas de sentimentos negativos, normalmente divulgados com realce pela mídia moderna. De outro lado, os efeitos do bom uso do livre-arbítrio para o Bem, são de natureza construtiva e altruística. Estes conduzem ao bem-estar das pessoas, à confraternização entre povos e nações, aos sentimentos de amizade, amor, paz, concórdia e harmonia, além de centenas de outros sentimentos nobres que levam ao progresso material e espiritual da humanidade.

        Do equilíbrio dessas forças ou do seu desequilíbrio resulta progresso ou estagnação espiritual, avanço na evolução espiritual das criaturas ou retardo no processo de ascensão do espírito. Por isso, é de transcendental importância trabalhar e influir cada vez mais para que haja um desequilíbrio nestas forças, mas em direção ao Bem e não para o Mal. Para conseguir este efeito é necessário, portanto, que prevaleçam os pensamentos e as ações otimistas e progressistas voltadas para o bem-estar geral da humanidade, nisso desempenhando papel preponderante o livre-arbítrio.

        Assim como a bondade é um dos mais nobres sentimentos da criatura, levando ao bem-estar geral e demonstrando espiritualidade elevada, a perversidade é um sentimento nocivo que leva à inferioridade espiritual, demonstrando que o espírito ainda precisa vencer muitas etapas, trilhar muitos caminhos em numerosas encarnações, para completar sua evolução na Terra. E, como esta não se processa sem sofrimento, precisa a criatura desenvolver mecanismos próprios de defesa, para que o esforço de progresso que precisa empreender encontre o mínimo de obstáculos possíveis.

        Assim procedendo, pode a criatura desvencilhar-se de suas fraquezas, de seus maus hábitos e vícios e sempre dar um passo a mais em direção à Luz, à Inteligência Universal e, assim alcançar sua evolução em prazo mais curto. Não retardando a sua evolução, pode a criatura, no dia-a-dia de seu viver, em todas as situações que tiver que passar, não contrair débitos morais e resgatar os que trouxer do passado de uma forma mais proveitosa, lapidando e limpando a sua consciência e enriquecendo os atributos morais que lhe são próprios.

        Resumindo, o livre-arbítrio, junto com o pensamento, é o melhor instrumento de que dispõe a criatura para aprender e ensinar as lições da vida com grandeza de espírito, com humildade e muito amor, abreviando assim, o tempo necessário para a plena e total evolução espiritual.

 

O pensamento

        O pensamento é a mais importante faculdade espiritual do homem, sendo por conseguinte uma atividade psíquica que abrange os fenômenos cognitivos, distinguindo-se dos sentimentos e da vontade.

        Embora este livro esteja dirigido ao estudo dos sentimentos, vamos abrir aqui uma exceção para tratar do pensamento de forma resumida, dada a sua importância no conjunto dos atributos essenciais: pensamento, raciocínio, vontade e livre-arbítrio.

        Pensar é criar e elaborar idéias, refletir e meditar sobre elas, sendo pois um processo mental que se concentra nas idéias. O homem precisa pensar para decidir sobre vários problemas que o afligem no seu dia-a-dia. É fato conhecido que, quando deixamos de tomar certas decisões, os problemas se enredam cada vez mais, o que também pode ocorrer quando tomamos decisões mal pensadas. Portanto, as decisões podem resolver, agravar ou criar mais problemas. Por isso, por indolência ou por medo, muitas pessoas deixam de tomar certas decisões, adiando seus deveres, o que pode redundar em mais problemas logo à frente. Assim, essa aparente comodidade pode complicar a vida da criatura.

        A análise para tomada de decisões pode ser feita com base na própria experiência, na experiência de outros ou na intuição que normalmente captamos quando pensamos. Agir através de conselhos disparatados ou por imitação é cômodo, mas quase sempre leva a criatura ao fracasso. Também, as dúvidas, perplexidades e receios que ocorrem, quando a criatura se acha dominada por ambições desmedidas, egoísmo, vaidades e tendências puramente instintivas podem levar, e normalmente levam, a maus resultados. Daí, a necessidade de pensar bem.

        Nossa vida é feita de escolhas, as quais requerem prévio pensamento e raciocínio. Se os pensamentos são incompletos, deficientes, sem base em um raciocínio lógico, resultam problemas sobre problemas, os quais levam a criatura a sentir-se angustiada ou estressada a ter receios e outras fraquezas. É, pois, preciso bem pensar para orientar a maioria de nossos atos e conduzir nossa vida adequada e proveitosamente.

        Podemos admitir que o pensamento pode ser gerado emotivamente ou de forma lógica. Vamos tratar de cada uma dessas formas de modo didático, embora a combinação dessas formas seja mais comum no nosso cotidiano.

 

1. O Pensamento Emotivo

 

        O pensamento emotivo é de natureza instintiva, isto é, ele obedece aos impulsos dos desejos. Já que somos todos sensíveis, temos emotividade, que é uma espécie de sentinela dos sentidos, ela influi nos nossos processos de comunicação utilizando idéias, ensinamentos e hábitos adquiridos. Influenciam, também, os nossos pensamentos, nossos gostos, preconceitos, superstições, receios, vaidade, egoísmo, tradição, companheiros e conselheiros de última hora. A simpatia pode e normalmente desempenha papel importante neste tipo de pensamento, e, freqüentemente ele nos leva a conclusões erradas, que quando aplicadas, podem nos trazer grandes problemas, dificuldades e aborrecimentos.

        Será sempre conveniente filtrar os impulsos do desejo, já que ele precede ao pensamento. O nosso sistema nervoso recolhe as mensagens do mundo exterior, dada a nossa natural emotividade. Por isso, uma pessoa nervosa, mais sensitiva, mais egoísta e mais preconceituosa duvida e teme, porque sofre mais as influências do meio e do pensamento de terceiros, apresentando, de regra, um pensamento confuso e sujeito a toda sorte de problemas nas escolhas e no embate das idéias com seus semelhantes. As emoções dominam toda a sua intenção e prejudicam o raciocínio e os resultados finais. A criatura que só enxerga e pratica pensamentos emotivos, imagina que tudo e todos estão contra ela, julgando-se perseguida, vítima, princípio e fim de tudo. Enfim, imagina-se isolada de todos os afetos.

        As principais emoções que dirigem o pensamento emotivo são a autocompaixão e o amor-próprio. Estas forças são devastadoras, deixando a criatura sempre pronta a reagir com ira e vingança, quando atingida em seu amor-próprio, podendo cometer danos irreparáveis.

        É preciso, ainda, a criatura esforçar-se para não se deixar aprisionar dentro do círculo de suas paixões, notadamente pelo egoísmo, o que poderá levá-la a pensar negativa e deprimentemente, convertendo seus pensamentos e as ações que dele derivam em erros irreparáveis. Isto porque o pensamento emotivo predispõe a enganos e falsa apreensão da realidade, sendo normalmente falso e perverso. O uso freqüente do pensamento emotivo é sinal de baixo grau de espiritualidade, já que não entram em ação a imparcialidade, a lógica e a razão.

        As emoções devem ser consideradas como auxiliares da razão, competindo a esta considerar e analisar os méritos das idéias e pôr em prática escolhas inteligentes.

 

2. O Pensamento Intelectual

 

        Para ver com maior clareza, de modo a penetrar o âmago das coisas e pessoas, é necessário pensar no sentido de elaborar idéias inteligentes, lógicas, justas e adequadas. É preciso colocar a inteligência e a razão em ação, a fim de poder medir, pesar, julgar, comparar e penetrar no significado e nas conseqüências que a ação do pensamento ensejará. Só assim, pode-se chegar à verdade ou próximo dela, e agir com justiça.

        O pensamento intelectual permite ver as coisas através da realidade e de forma mais equilibrada e eqüitativa, levando a conclusões sábias. É ele que permite evoluir e alçar vôos mais altos, além da rotina, da inconsciência, da tradição e dos hábitos arraigados. Seu fundamento é a razão, o que leva a criatura a viver de forma mais digna e elevada.

        Não é difícil intuir que a lógica da razão se processa pela análise, enquanto que a lógica dos sentimentos, pela síntese. Pode-se afirmar que a lógica dos sentimentos é mais intuitiva e menos racional, derivando diretamente do grau de espiritualidade da criatura. Assim, a afetividade opera quase sempre inconscientemente, sendo puramente afetiva e, portanto, pobre em elementos intelectuais. Vemos assim que, enquanto o pensamento emotivo vibra com o calor da emoção, o pensamento intelectual é uma vibração fundada na lógica e na razão. E, contra uma boa lógica não há argumentos válidos.

        Quem pensa intelectualmente usa todas as suas forças mentais e espirituais e coloca o seu livre-arbítrio em favor da verdade, é verdadeiramente livre no pensar e agir, sabe arcar com as conseqüências que, dessa forma, só podem proporcionar bem-estar no relacionamento com seus semelhantes. Será sempre uma pessoa admirada e respeitada pelas suas boas maneiras e competência.

        Este é o pensamento cultivado pelas pessoas que, ainda que simples, são dotadas de maior espiritualidade, e também, pelos que possuem grande sensibilidade como os grandes cientistas, escultores, artistas clássicos, os grandes reformadores da sociedade, enfim, por aqueles que impulsionam o progresso em todos os campos da atividade humana. Seu trabalho é consciente, reservado e prudente; consideram as coisas conforme a verdade e seus méritos; dão preferência a tudo o que for superior, qualquer que seja a sua origem; levam em conta o valor das idéias, independentemente das instituições a que pertencem. Esta é a lógica da razão pura a que tanto se dedicou, no século passado, o filósofo alemão Immanuel Kant.

        Podemos afirmar que há três meios de afastar a ignorância e alcançar maior evolução: pelo estudo, pelo raciocínio e pelo sofrimento, sendo que as criaturas inteligentes e espiritualizadas devem optar pelos dois primeiros. Só as que iluminam o seu caminho com a luz de seu pensamento bem fundamentado é que podem alcançar o conhecimento da verdade; usar os pensamentos alheios é cercear os seus próprios. É preciso colocar o poder da vontade, aliado às idéias, para gerar pensamentos próprios, que tenham o seu conteúdo de lógica, razão e verdade para serem verdadeiramente luminosos.

        Para que possamos sempre usar os nossos pensamentos com real proveito, devemos fazer uso de nossa força mental em primeiro plano, complementada por emoções positivas e nobres. Precisamos fazer bom uso do livre-arbítrio, ter suficiente força de vontade para evitar o erro e, sobretudo, que as ações dele decorrentes tenham real valor moral e ético. Assim procedendo, os nossos pensamentos serão nossos melhores guias para o bom viver.

 

A vontade

        A vontade é uma das principais faculdades do espírito, que tem a finalidade de pôr em ação tudo aquilo que pensamos ou que sentimos, conforme ditado pela razão ou refletido por um impulso. Se estiver baseada no impulso de um sentimento, ela incita alguém a fazer acontecer um desejo, uma aspiração ou anseio. Ao contrário, se firmar-se na razão, ela nos leva a deliberar, fazer escolhas, decidir e por em prática aquilo que foi idealizado mentalmente. Segundo um renomado filósofo alemão, a vontade é o desejo unificado, conceito um tanto incompleto por abstrair-se da razão. De qualquer forma, uma vontade precisa sempre ser levada a agir para produzir efeitos; do contrário, o que temos não passa de um desejo quimérico. Seus objetivos têm que ser bem definidos pelo raciocínio, para que a ação seja executada com proveito. A vontade pode ser orientada para o Bem ou para o Mal; aqui, estamos interessados apenas no primeiro caso.

        É preciso não confundir a vontade com o desejo: enquanto este se acha sempre associado aos estímulos dos sentimentos, às emoções e às paixões, a vontade trabalha as idéias nascidas do pensamento criador da criatura, da razão e da lógica. A vontade age como se fosse um poderoso dínamo que impulsiona nossos atos para a sua realização. O desejo pede pela sua consumação, a vontade realiza as idéias e até se opõe aos desejos quando estes se tornam inconvenientes, perversos e maldosos, comandando o nosso livre-arbítrio.

        A vontade será sempre vencedora e fácil de ser realizada quando as idéias e pensamentos que a geraram estão amparados nos bons ideais ou em decisões lógicas, voltadas para o Bem.

        Planos e projetos são realizados sem vacilação e com êxito, alcançando os resultados esperados quando amparados nos pensamentos otimistas, na dignidade e demais valores do caráter humano. Nesses casos, a força de vontade não encontra obstáculos de qualquer espécie. Não importa o grau de instrução, o que importa é o ânimo, a força criadora de que a criatura é dotada, desde que o que se tem a realizar alcance objetivos elevados e nobres. O trabalho, seja ele manual ou mental quando dirigido para o bem, feito com prazer, é uma poderosa alavanca que transforma o pensamento e a vontade em praticamente tudo aquilo que o homem criou através dos tempos, objetivando seu bem-estar material e espiritual.

        De qualquer forma, o segredo de uma vontade otimista e eficiente está em descobrir o que há a fazer, encontrar o verdadeiro impulso que a move. Para isso, é preciso considerar como melhorar o nosso modo de proceder, verificar as condições especiais a alcançar, quais as modificações pessoais necessárias, em que e onde colocar a ênfase da ação, que atividades mais nos interessam e quais os efeitos de nossas ações. Os que possuem uma vontade mais poderosa sabem o que querem e o que fazer, não ficam a espera da sorte, põem mãos à obra e realizam o que têm que realizar.

        Uma vez fixado o que há a fazer, determine um programa de ação; coordene suas atividades com perseverança em seu trabalho e esforço. Não use a lei do menor esforço e, tampouco, não desperdice as suas energias. Não tente enganar a si mesmo, pensando que fazendo o menos conseguirá o mais, pois não poderemos burlar as leis do progresso, da evolução e da harmonia, em que o mais atrai o mais e o menos atrai o menos. Portanto, a quantidade do esforço reforça o resultado.

        Qualquer trabalho é penoso e as realizações se tornam difíceis quando só vemos o seu aspecto material. Procure ver o transcendental, as compensações de prazer que vêm das grandes realizações, além do seu valor material. Não trabalhe somente por obrigação, mas olhe o trabalho como instrumento propulsor do seu progresso material e espiritual. A vontade posta assim em ação será sempre vitoriosa. Habitue-se a não deixar para depois os seus compromissos e obrigações, já que assim fazendo estará mostrando ter força de vontade e que sabe controlá-la.

        Procure descobrir em si mesmo e no ambiente que o cerca motivos de renovada alegria e entusiasmo. Olhe de frente para o futuro. Não esmoreça nunca e, se houver fracassos e falhas tire sempre delas uma proveitosa lição. Dessa forma, a criatura ganha cada vez mais confiança em si mesma e se conscientiza da força que dirige sua vontade e seus atos e assim poderá levar de vencida todas as suas aspirações.

        A inspiração ou intuição, a persistência e a confiança são poderosos suportes para obter-se da vontade em ação os resultados sempre positivos. Não adianta acumular vontade se não a põe em prática; ela deve ser estimulada quando for a ocasião de aplicá-la, senão ela se dissipa, perde-se a oportunidade. Quanto mais você a puser em prática, maior será o seu poder. Tenha consciência desse poder e saiba como aplicá-lo, sempre para o bem. A vontade não é como o dinheiro que se presta à acumulação. Para fortalecer a vontade, é necessário apenas aplicá-la, mas não retê-la ou tentar acumulá-la. Lembre-se sempre: perseverança, persistência e confiança em si mesmo reforçam o poder da vontade.

        Finalmente, uma consideração que se faz necessária. A maioria das pessoas deixa para depois ou para outro dia o que deveria ser feito hoje ou agora mesmo. Nada enfraquece mais a vontade do que adiar seus planos e programas. Complementando este ponto fraco, está, também, a tarefa que é deixada incompleta, por terminar. Portanto, termine aquilo que começou com satisfação e prazer e sua vontade será revigorada. Obviamente, se no decorrer de uma empreitada puder avaliar, com alto grau de certeza, que não vai haver bom resultado em terminá-la, então e só então, aborte-a. Aí sim, estará justificada a sua suspensão, aborto ou cancelamento.

 

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