DESEJO E VONTADE

01-12-2010 00:54


A vontade é o grande dínamo do pensamento. É através dela que colocamos em ação os nossos pensamentos quando queremos realizar algo. É preciso querer para transformar um simples desejo em vontade. Daí se infere que desejo e vontade são estímulos diferentes emanados do pensamento ou de outra fonte motivadora qualquer. Não só são diferentes como até mesmo a vontade pode, e freqüentemente o faz, contrapor-se ao desejo para evitar a consumação de muitas tragédias humanas. É isso que veremos no desenvolvimento desses dois temas, tratados lado a lado e comparativamente.

O querer tem muita força desde que lutemos pelo que queremos. Enquanto o desejo não passa de um simples almejar ou vir a ser e muitas vezes representa sonhos e fantasias inatingíveis, a vontade impulsiona soberana na concretização de idéias e ideais. Quase sempre realizar um desejo depende do consentimento de outras pessoas, enquanto que a vontade só depende de nós mesmos, de nosso querer.

O desejo está freqüentemente ligado aos nossos sentimentos e emoções, enquanto que a vontade realizadora caminha de mãos dadas com a lógica e a razão e, por isso mesmo, é respaldada, também, pelo poder do raciocínio. Assim, é fácil entender que o desejo se consome e, enquanto não se consome, continua a nos martelar a mente, até mesmo de forma quase avassaladora. Já a vontade é o pré-requisito das boas realizações e se firma na ponderação e , se também se estribar na moderação, leva a criatura ao equilíbrio no trabalho e em todos os atos de sua vida. Ela é, portanto, a pedra fundamental, o dínamo de nossos pensamentos, levando ao sucesso na vida, quando dirigida às boas ações. É forte, persuasiva, abre caminho e realiza. Já o desejo, é titubeante, incerto e quase sempre inconseqüente.

Há diferenças notáveis na expressão do desejo dos homens e das mulheres. Não estou me referindo ao desejo sexual, mas ao desejo de forma mais generalizada. Certas peculiaridades são observadas, também, nas crianças. É o que veremos, a seguir.

Nas mulheres o desejo é mais disfarçado, camuflado e, muitas vezes, indireto. É uma espécie de “savoire-faire” feminino, manifestado de forma tímida e acanhada. Parecem desejar menos, com menor intensidade, mas isso é ledo engano. Na verdade, as mulheres desejam fortemente, mas sabem quando devem amoldar os seus desejos aos de outras criaturas, tentando evitar conflitos, o que nem sempre conseguem. E, se não conseguem, o mundo parece ruir a seus pés, de forma inconsolável. Sentem-se, então, como se estivessem cometendo imperdoável deslize de comportamento, podendo até sobrevir-lhes o sentimento de vergonha. Se, ao contrário, conseguem consumar o seu desejo, têm o mundo em suas mãos, chegam a sentir o cheiro da felicidade a lhes envolver completamente da cabeça aos pés.

Já nos homens o desejo é mais direto, consome-se em linha reta, sendo premente e, muitas vezes, imediato. É como se estivesse possuído de uma imensa sede e tivesse que “matá-la” imediatamente. Não há espera, sente-se impaciente até consumá-lo e consumi-lo. Nele, o impulso do desejo é prioritário e mais facilmente se confunde com a vontade. Quanto mais depressa puder consumi-lo, mais depressa se desmancha a sua impaciência.

Nas crianças, o desejo pode e normalmente assume formas impulsivas incontroláveis. Seus desejos são “vontadinhas” ou caprichos de comportamento que têm que ser preenchidos na hora, sob pena do mundo vir abaixo! São verdadeiras tiranas e exercem esse poder com desusada astúcia e artimanha. Os pais e, principalmente as mães, poderão deixar-se vencer pela persistência nas suas súplicas e até nos choromingos, se não lhes impuserem disciplina e boa educação, com amor e firmeza. Se deixarem passar a oportunidade, acabarão fracassando na sua principal missão de ensinar e educar a criança nas regras da boa convivência, na formação da vontade e do caráter das novas gerações, tarefa que não deve ser deixada para mais tarde, a cargo dos professores, nas escolas. Estes, apenas poderão completá-la, mas jamais substituir o carinho e a dedicação dos pais nessa espinhosa tarefa. A disciplina tem que ser ensinada para ser facilmente aceita, jamais imposta de forma muito severa. Do contrário, surgirão as revoltas e os primeiros vícios da conduta e formação do caráter, difíceis de serem eliminados mais tarde, quando crescidos e adultos. É óbvio que as necessidades básicas da criança terão que ser supridas dentro de um esquema disciplinado para criar hábitos salutares de vida.

Muitos adultos, principalmente mulheres, que foram criadas ao sabor de seus desejos quando crianças, fazem uso de muitos artifícios trazidos da infância que tiveram, como por exemplo, o hábito de expressar muitos de seus desejos fazendo voz de criança, coisa que nenhum homem faz. É um recurso muito comum, até mesmo permitido e aceito por muitas criaturas tolerantes, em nossa sociedade. Outro hábito, muito comum nas mulheres grávidas, é o de utilizarem artifícios para satisfazer seus caprichos, convencendo os seus maridos a conseguirem, muitas vezes em horários impróprios, o objeto de seus desejos. Procuram, com esse procedimento, atrair a atenção para si para cobrirem suas carências de afeto e aconchego, dizendo que, se não atendidas, a criança poderá nascer com marcas ou manchas que caracterizam os desejos não satisfeitos. Isso não passa de pura crendice, mas muitos maridos atendem a esses apelos!

Um aspecto importante a considerar nesta comparação entre desejo e vontade é que a vontade sempre tem a força do espírito como fator dinâmico a acioná-la; daí, se usar freqüentemente, o termo “força de vontade”, que dispensa mais explicações. Esta não encontra obstáculos que não os possa vencer, obviamente respeitadas as limitações humanas, que variam de indivíduo para indivíduo. Por isso mesmo, cada um deve procurar conhecer os seus limites, no sentido de suas limitações realizadoras e da consciência que tem de si mesmo. É a vontade, ou melhor, a força de vontade que tem o poder de controlar, de intervir e subjugar todos os atos de fraqueza e as próprias paixões que venham acometer a criatura, freando os seus ímpetos e desejos inferiores e intemperados que, muitas vezes, a atingem de forma inconsciente ou intuídos pelos espíritos inferiores que atuam na atmosfera da Terra. A atuação firme da vontade, nesses casos, é imprescindível para se contrapor e vencer dominadoramente e de forma consciente tais desejos malsãos.

A consciência de si mesmo que as criaturas livres e esclarecidas possuem garante, com certeza, o pleno conhecimento de suas possibilidades e de suas limitações, permitindo, através de uma avaliação constante e rigorosa, de uma auto-apreciação, proceder de forma simples, adequada e objetiva em todas as circunstâncias, transformando, assim, seus desejos em realizações efetivas, construtivas e progressistas.

Para melhor entender as principais diferenças entre desejo e vontade, devemos nos recorrer a alguns conceitos básicos relacionados com as principais forças motivadoras subjacentes a um e outra. Toda e qualquer criatura vive em um ambiente compartilhado por outros seres – os seus semelhantes. Todos possuem percepções desse ambiente e do próprio “eu”, entendido como tal o conjunto espírito-corpo. Ora, cada uma dessas criaturas, que constitui um “ser único”, tem suficiências e deficiências ou insuficiências a preencher, dependendo do seu grau de evolução ou de espiritualidade. Às deficiências e suficiências, que são percepções próprias de cada ser, devemos agregar as perturbações resultantes do próprio “eu” (espírito e matéria), do ambiente (forças da natureza), da relação da criatura com o ambiente e da relação das criaturas entre si.

Assim, as deficiências e perturbações são necessidades do “eu”. As necessidades, que representam condições de insuficiência, são fundamentais no processo de atuação da vontade. A criatura precisa, inicialmente, sentir uma necessidade de afastar, diminuir ou corrigir uma determinada situação e, até mesmo, adquirir determinadas “coisas” que possam preencher suas necessidades ou satisfazer determinados desejos. Estes são sentimentos de ambição, impulsos ou ânsia de querer que são dirigidos para certos objetos, condições ou outras pessoas.

Neste complexo contexto, as necessidades podem ser agradáveis ou desagradáveis, Nele, os desejos surgem com relação às necessidades agradáveis e não se baseiam nas deficiências. Portanto, os desejos buscam, sempre, realizar uma satisfação, algo que nos dá prazer ou proporciona alegria, de preferência já no ato de sua realização. De outro lado, a vontade procura sempre evitar a dor e o sofrimento, e se realiza no preenchimento de nossas necessidades, porém, sempre apoiada na razão, na lógica e no raciocínio.

Em alguns casos, a distinção entre desejo e vontade, na forma acima delineada, pode tornar-se bastante sutil e até confusa, porque nem todas as criaturas têm a mesma concepção de “prazer” e “dor”. O grau dessa percepção é determinante na percepção entre desejo e vontade. Por exemplo, se sentimos fome, podemos aplacá-la ingerindo uma refeição apetitosa, o que nos proporciona prazer, pela satisfação desse desejo. Contudo, se tivermos a garganta inflamada, a ingestão desse alimento nos causa dor, afastando-nos do desejo de comer e, nesse caso, podemos nos contrapor com a vontade, rejeitando o alimento ou satisfazendo-nos com um simples prato de sopa.

Pelo que foi exposto, apresentamos, a seguir, as principais características do desejo e da vontade, apresentadas lado a lado.

D E S E J O : V O N T A D E :

* Provêm de estímulos dos sentidos e * Provêm do pensamento e da razão.

das emoções.

* Precisa se consumir. * Precisa se realizar.

* Satisfaz caprichos e fantasias. * Satisfaz necessidades na luta pela vida.

* Prevalecem as forças do instinto. * Prevalecem as forças da razão e da lógica.

* É tênue e indireto. * É firme e direta.

* De regra, depende do consentimento * Só depende da própria criatura e do seu

de outras criaturas. querer.

* Utiliza artifícios e artimanhas. * Vai direta ao alvo.

* Leva aos vícios da conduta. * Não contamina nem leva aos vícios.

* É impulsivo e de difícil controle. * É racional, controlada pelo pensamento.

* Não fortifica o caráter. * Realça e fortalece o caráter.

* Coloca pouca força na consumação. * Exige força e luta para vencer.

* Pode ser reprimido pela vontade. * Pode sobrepor-se ao desejo, freando-o.

* No excesso, leva ao egoísmo. * Leva à ponderação e à moderação.

* Usa a ameaça para tentar quebrar a * Impõe-se pela autoridade moral da

vontade de outrem. criatura.

* No sexo, convence através da * Exige parceria e reciprocidade para

sedução ou da força. realizar-se.

* Quando exagerado ou muito forte * É sempre aferida pela razão, pelo bom

leva a desejos insuperáveis e senso e pela consciência de si

ambições desmedidas. mesmo.

* É aleatório, inconstante, variável. * Ajusta-se às circunstâncias e objetivos.

* É quase sempre imediatista. * É persistente e exige paciência.

Poderíamos citar numerosos exemplos, aplicáveis a cada diferenciação, mas deixamos de fazê-lo, para que o leitor exercite a sua mente e trabalhe a sua memória, usando a sua própria experiência de vida.