CULPA

01-12-2010 00:52


A culpa é um sentimento bastante negativo que acomete o mais íntimo de nosso ser, onde se enraíza e se inculca de forma angustiante, causando-nos verdadeira autotortura. Este sentimento resulta do embate que ocorre quando se encara o ideal como meta de fácil realização que, se não realizado, repercute na forma de frustração em nossa consciência. Na verdade, é uma forma de tristeza íntima por ver alguém sofrer um sofrimento que o ofendido acredita ter sido causado por nós, transformando-se a tristeza que sentimos em sentimento de culpa. Daí, ficarmos a lamentar as inversões ou interpretações cruéis do que realmente aconteceu. Nesse processo, a nossa consciência age como um juiz implacável entre o “eu real” e o “eu ideal”, sendo, portanto, um desvio ou afastamento de exigências mentais difíceis de serem cumpridas, ou seja, de obter a perfeição, da qual a criatura humana se acha distante, com sua vontade sempre posta à prova. Como somos todos imperfeitos no caráter e na conduta, a culpa advém sempre que nos afastamos da perfeição do ser ideal e nos deixamos levar por nossas fraquezas e nossos vícios. No fundo, no fundo a culpa provém sempre do erro, que por sua vez, advém do mau uso do livre-arbítrio das criaturas.

Quase sempre o destaque que damos à nossa auto-imagem nos leva a ter uma visão distorcida da realidade, induzindo-nos a pensar que deveríamos ser mais importantes do que realmente somos ao tentarmos realizar nossos desejos e ambições. De fato, aqueles que têm suas vidas firmadas na auto-imagem do “eu real” são facilmente levados a um estado de autotortura ou autopunição que se traduz em sentimento de culpa sempre que os acontecimentos dão errados, não raro levando as criaturas a um estado neurótico de desespero.

Todos nós idealizamos um estado de perfeição do que pretendemos ser, ou seja, procuramos criar para nós um modelo de perfeição, ainda que inconsciente, em função de nossos desejos e metas a realizar. Na verdade, ao agirmos assim, estamos delineando os nossos limites de ação. Nisto, reside o perigo, pois só nos tornaremos infalíveis se ficarmos abaixo dos limites traçados. Qualquer esforço no sentido de ir além, de ultrapassá-los, pode nos levar além de nossa capacidade de lidar com o erro, frustrando-nos ou deixando à prova a nossa imperfeição. Muitos de nossos sentimentos de culpa têm origem neste dilema.

Vemos, assim, que a culpa é uma forma de lamentação interior, um pedido íntimo de socorro, levando-nos a um grande gasto de energia psíquica, pois quando procuramos esconder a nossa culpa por algo de que fomos causador, estamos, na verdade, nos escondendo por detrás da máscara do auto-aperfeiçoamento. Daí, compreendermos que a culpa é um processo conscientizador de nossos erros e, portanto, depurador também. O maior problema que envolve aqueles que se remoem no sentimento de culpa é gastarem suas energias com algo que já ocorreu, quando deveriam concentrá-las em novas ações, procurando tirar lições dos erros do passado, melhorando o seu comportamento e atitudes no presente. Também, de nada adianta confessar-se à pessoa a quem ofendemos, se esta não estiver disposta a aceitar um pedido de desculpa, isto é, não tiver grandeza de espírito para reconsiderar situações deprimentes e indesejáveis do passado. Por isso, é grande o número daqueles que preferem dar um tratamento íntimo aos seus sentimentos de culpa, num verdadeiro processo de catarse, angustiante, podendo até tornar-se aniqüilador para quem segue este caminho.

Reconhecendo, como de fato devemos reconhecer, que todos somos imperfeitos neste mundo de depuração, nada mais sábio do que reconhecer nos nossos semelhantes limites idênticos de fragilidade aos que possuímos, sabendo que nem todos têm forças para suportar certos deslizes, ofensas ou impropriedades de nossa conduta. Para isso, precisamos ser autênticos e sinceros na convivência com nossos semelhantes, de modo a fazê-los ver e sentir as verdadeiras perspectivas de relacionamento que poderão encontrar em nós, não os incitando ao erro de avaliação que, de outra forma, irão causar futuras frustrações e desilusões. E estas, por sua vez, voltariam contra nós em forma de culpa. Portanto, afastando de nossa mente esta pseudoverdade, verdadeira fantasia da nossa imperfeição, beneficiamos a nós mesmos em nossos relacionamentos, bem como, aos nossos semelhantes. Esta é a única forma – sermos francos – de afastarmos falsas convicções e vivermos felizes, tanto quanto possível, neste planeta, não criando ilusões sobre nós mesmos, as quais levam, também, ao auto-engano. Para concluir, a expectativa perfeccionista da vida é fruto da ignorância humana, mas note-se que esta conclusão não conflita com o conceito de evolução adotado pelo autor.

Cabe-nos, a essa altura, examinar com muito cuidado o que significa, de fato, as diferenças existentes entre a realidade da vida e nossas fantasias – quanto maiores forem essas diferenças mais problemas vamos ter. A perfeição deve ser colocada não como uma conquista consumada, mas como alvo ou meta de evolução ou progresso. Assim procedendo, afastaremos as desilusões da vida e todo esforço que fizermos redundará em nosso próprio benefício, sem criar frustrações que são dolorosas. Para isso, devemos observar os nossos limites, mas não sermos limitados em nada, pois com real esforço tudo pode ser alcançável, bastando haver bom senso. O que quero dizer é que os nossos limites são determinados por nós mesmos e resulta de uma avaliação a mais correta possível da realidade em confronto com nossas reais necessidades, sem fantasias, para não se estabelecer conflitos de difícil solução. Em outras palavras, podemos chegar até o limite de nossos limites, mas nunca devemos ultrapassá-los ou forçar demasiadamente a nossa realidade. Nisto, está o segredo de sermos nós mesmos. Dessa forma, estaremos servindo a nós próprios e não enganando o nosso semelhante.

Vamos examinar, ainda que de leve, os entraves que o sentimento de culpa causa ao relacionamento conjugal. Muitos erram quando pensam que a intimidade nos proporciona direitos extras de chegarmos a desrespeitar ou sermos injustos e mal-educados com o nosso cônjuge por causa de expectativas não atendidas. As expectativas precisam sempre ser avaliadas para afastar as frustrações, ilusões e desilusões. O grande segredo é compreender que amar não é ser perfeito, é saber que a perfeição não existe e que errar é da natureza humana. Todos nós somos vulneráveis e a vulnerabilidade aparece ampliada quando na intimidade, mas esta não nos dá o direito de ofender quem mais amamos. Por isso, é preciso que as criaturas nos aceitem como realmente somos, mas isto só acontece quando existe um alto espírito de tolerância e compaixão. Assim, não nos cabe punir quem quer que seja, muito menos ao nosso cônjuge, a quem, ainda que não espontaneamente, devemos, pelo menos, amar por dever. Precisamos sim, é abrir mão de nosso perfeccionismo em prol do amor e do congraçamento, não torturando, por uma visão distorcida da realidade, o nosso parceiro ou parceira.

Outra questão, que vale a pena examinar, é se existe uma relação de causa e efeito entre erro e culpa. No nosso entender, tudo depende da atitude que a criatura assume com relação aos erros que pratica e que os reconheça como tais. Será que podem ocorrer erros que não nos induz ao sentimento de culpa ou será que todos os erros nos levam ao estado de culpa?

Sem entrar aqui no exame dos diversos tipos de erros – voluntários uns, involuntários outros e, até inconscientes – devemos entender que erros são erros e culpas são culpas. Não resta dúvida que quando praticamos alguma espécie de erro que ofende o nosso semelhante e o atinge no mais íntimo de seu ser fazendo-o sofrer, então, podemos ser vítimas de algum sentimento de culpa, que até nos faz sentir raiva por termos errado. Mas, há, também, erros que são inconseqüentes, não causam mal a ninguém, a não ser a nós próprios e, ainda, existem outros cujos efeitos são apenas de ordem material.

Outras vezes, devemos associar o problema da culpa ao maior ou menor afastamento que venhamos ter da moral e da ética. A experiência ética nos diz que o que é errado hoje pode não sê-lo amanhã, ou ainda, o que é certo para um país é considerado errado em outro. Aqui, os usos e costumes, próprios de cada povo, a sua tradição, condiciona o que é certo e o que é errado e, em conseqüência, os atos que nos conduzem ao sentimento de culpa têm diferentes graus de valoração. Mais importante que a ética é a moral, porque ela está inserida em nossa consciência, que por sua vez é função do grau de espiritualidade de cada um. Portanto, devemos lembrar que não há uma definição absoluta para o sentimento de culpa, devendo esta ser avaliada conforme a consciência de cada um e as suas circunstâncias. É forçoso, então, concluir que a culpa vem do fato de que sentimos como sendo errado ou vergonhoso errar, não do próprio erro ou do erro como tal, o qual devemos sempre reparar, de nada adiantando puni-lo por nós mesmos (autopunição) ou mediante revide (raiva, revolta, ressentimento, etc.) da pessoa ofendida. Para pessoas educadas e evoluídas, um pedido sincero de desculpa e mútua compreensão das circunstâncias pode bastar.

E, como afastar o sentimento de culpa? Só há um caminho: afastar o erro, assumindo-o e tomando-o como lição, não repetindo o mesmo erro jamais. Aceitar que quando erramos devemos ser mais cuidadosos e responsáveis pelos nossos atos, num processo de conscientização que nos leva a mudar a nossa conduta, para não fazermos errado o que antes fizemos, isto é, precisamos deixar de causar problemas ao nosso semelhante. No momento em que deixarmos de imputar a outrem a responsabilidade por nossos erros, nós estaremos aceitando-os. É bem verdade que esta atitude não elimina a culpa em si como fato, mas acaba com o sentimento de culpa trazido por um erro específico.

Um grande passo na eliminação do binômio erro-culpa é aprendermos a romper com o passado, sabermos viver o presente com os olhos voltados para o futuro, já que não podemos mudar o passado. E se não o podemos mudar, devemos, portanto, dele tirarmos lições preciosas e aplicá-las no presente para construirmos um futuro de paz e tranqüilidade em que os sentimentos de culpa não nos venham inquietar. Isto é uma decorrência natural de querer entender o verdadeiro sentido da vida, que se respalda na evolução espiritual e não nas vantagens efêmeras da vida terrena.

As principais fontes de remorso ou ressentimento das criaturas, oriundas de seus erros e pelos quais se culpam, são elencadas, a seguir:

· Falta de tempo para dedicar-se à família: o homem se culpa por se dedicar pouco à esposa e aos filhos e a mulher que trabalha se ressente por trocar sua presença junto aos filhos pelo trabalho. Solução: coloque a ambição em um segundo plano e redesenhe a sua vida.

· Não impor limites aos filhos: muitos pais se culpam por não saber dizer não e por estabelecer regras rígidas para os filhos, não lhes impondo disciplina. Cura: imponha-lhes disciplina com amor e compreensão.

· Infidelidade: homens e mulheres se condenam por infringir as regras morais do casamento e pela traição ao parceiro. Solução: seja forte e digno(a).

· Condições financeiras: muitos se sentem atormentados por não poderem dar à família os bens materiais que gostariam de dar; mas também, o oposto, isto é, ter mais que os outros, gera remorso. Solução: procure ter uma vida mais amena e mais simples, bem como, ser menos possessivo(a) por bens materiais.

· Sexo: preocupar-se em demasia com a sexualidade ou não satisfazer o seu (sua) parceiro(a). Solução: adotar postura natural, moderada, sem exageros.

· Competição no trabalho: muitos se preocupam com as promoções disputadas com seus companheiros de trabalho. Solução: procure ser um profissional à altura de seu cargo, que deve ser obtido por mérito próprio e não por favoritismo.

· Culpa de sobrevivente: muitas pessoas sentem-se culpadas por perderem amigos e parentes em acidentes. Solução: faça um exame de consciência e seja seu próprio juiz. Veja que não se pode desfazer uma tragédia causada por acidente. Passe a limpo a sua consciência.

· Princípios religiosos: infringir as regras recomendadas pela sua religião ou doutrina. Solução: Novamente, consulte a sua consciência e tenha uma vida pautada em bons princípios, sem lesar o próximo.

· Culpa pelo que não fez: muitos filhos sentem remorsos por não cuidar dos pais, quando um ou ambos estão gravemente doentes ou mesmo idosos e venham falecer. Solução: Lembre-se: tudo passa na vida e há que encarar a morte como algo natural, assim como, o nascimento.

Finalmente, vale lembrar que há muitas maneiras de se sair do erro, e cada um de nós pode elencar condições salutares que nos levam a acertar mais e errar menos. Eis algumas:

· Procurar fazer uma auto-análise diária de seus atos, demorando-se na análise de seus erros, buscando formas e maneiras de repará-los.

· Reconhecer que não há perdão, mas pode-se admitir a desculpa sincera, que não repara o erro, mas nela subentende-se que a pessoa que pede desculpa o reconhece como sendo seu.

· Não existe, também, o autoperdão; existe pura e simplesmente o erro, o qual pode ter como resultado a ofensa, e esta precisa ser reparada, nem sempre com a mesma moeda.

· Sendo a responsabilidade pelo erro própria de cada um, cabe a este, avaliá-lo e corrigi-lo. É uma tarefa intransferível.

· Reconhecer que a vida tem altos e baixos que fazem parte da sabedoria humana.

· Tomar sempre a opção pelo melhor e sacudir a poeira pode levar a criatura evitar muitos erros e, consequentemente, minimizar os sentimentos de culpa, que de outra forma sobrevirão.