Vulnerabilidades do ser humano

18-04-2013 20:18

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Caruso Samel

Viver é ser vulnerável. Considerada sob o ponto de vista etimológico, a palavra vulnerabilidade herdou sua raiz do verbo latino vulnerare, que significa ferir, e também da palavra latina vulnerabilis, que significa aquilo que causa lesão, que está fragilizado. Assim, vulnerável é tudo que pode ser ferido, ser atacado, derrotado, prejudicado ou ofendido. Nós, seres humanos, somos todos, sem exceção, vulneráveis, e precisamos de autoproteção e proteção coletiva em sociedade. Essa é uma compreensão comum existente em todas as culturas. Convém lembrar que as culturas e as estruturas sociais e políticas foram desenvolvidas precisamente para procurar combater e anular as vulnerabilidades do homem face a si mesmo, entre eles e perante a natureza.

É claro que existem diferenças que se estabelecem em função das tradições culturais e sociais. Essas diferenças são reflexo das prioridades adotadas em termos dos riscos percebidos e da proteção desejada e preferida contra a vulnerabilidade. Contudo, sejam quais forem essas diferenças, observa-se, a priori, uma aceitação unânime de natureza universal de que as ameaças mais essenciais à condição humana são a fome, as doenças, o sofrimento, a exploração do homem pelo homem, o crime generalizado e a tortura. Por isso mesmo, verifica-se que a base para os direitos humanos e civis independe de prioridades sociais e culturais específicas nas diferentes culturas.

Muitos questionamentos angustiam o ser humano, entre eles o sentido da vida, a busca da verdade e a busca da felicidade. Cabe-nos enfrentar com galhardia esses questionamentos, pensá-los e repensá-los criticamente e postular alternativas; isso requer o entrelaçamento de áreas de conhecimento e exige um diálogo entre o social, o político e o econômico.

A imperfeição é própria do ser humano, do espírito encarnado. Por isso, estamos neste mundo Terra, planeta-escola por excelência, onde, como espíritos, estamos encarnados exclusivamente para promover a nossa evolução. E a nossa evolução se processa através do aprimoramento dos atributos espirituais, neles incluídos os de ordem racional e os englobados pela moralidade, pelos sentimentos e pelas emoções. Além do conhecimento de que somos Força e Matéria, é isso que nos ensina o Racionalismo Cristão, mas a humanidade ainda está muito distante desse conhecimento global da vida.

Nós gostaríamos de estender o significado de vulnerabilidade um pouco além, considerando-a como verdadeira limitação às atividades humanas. Neste sentido, podemos admitir a existência de vulnerabilidades absolutas, temporárias e evitáveis ou transponíveis. As absolutas, representadas pelas imposições das leis naturais e imutáveis, alcançam principalmente a natureza, que também tem suas limitações dentro de sua esfera de ação ou zona de influência. A gravidade é um bom exemplo, cuja limitação está num ponto além da atmosfera da Terra onde a gravidade deixa de atuar. Todos os corpos vagando além desse ponto estarão livres da atração terrena e flutuarão livremente no espaço até que alcancem a zona de influência de outro corpo celeste. Os seres vivos estão equipados com os recursos biológicos próprios de sua espécie para algumas, mas não todas, as condições adversas da natureza. Por exemplo, os peixes, ao contrário do homem, vivem na água, seu meio natural, mas não vivem fora dela. São limitações intransponíveis. Daí porque precisamos conhecer nossos limites e limitações para melhor compreender e tirar partido da vida. Só então, aprenderemos a expandir nossos horizontes, reconheceremos e afastaremos as verdades dogmáticas e aprenderemos a eliminar os mistérios conhecidos como "segredos" impenetráveis. Como? Usando o raciocínio, que, quando livre do medo, é um poderoso instrumento de investigação, capaz de desmascarar as chamadas "verdades estabelecidas".

Dessa forma, os seres humanos se esclarecem, expandem o seu conhecimento das coisas e dos fenômenos, compreendendo-os sem superstições, misticismos e impedimentos dogmáticos. De que precisamos para isso acontecer? Apenas sermos livres pensadores e dispormos de audácia e coragem para fazer isso, mas, também, termos humildade para vislumbrar nossa pequenez diante da grandeza do Universo. A vontade de observar, de pesquisar e de conhecer não está limitada: é livre como o pensamento.

Individualmente falando, poucos de nós se preocupam em sentir nossos próprios sentimentos porque a autocrítica nos incomoda demasiadamente. Assim, nossas observações recaem sobre as atividades e os sentimentos de nossos semelhantes. Somos rígidos com os outros e complacentes demais conosco, mas as pessoas que se julgam perfeccionistas nos atacam com uma verdadeira enxurrada de frases acusatórias de como deveríamos ser e como deveríamos fazer e agir. Isso nos incomoda e nos torna infelizes. Em vez de uma interação normal, recebemos uma interferência exagerada de pessoas que, por se julgarem perfeitas, adoram incutir seus hábitos na vida dos outros.

Reconhecer nossos limites não significa autolimitarmo-nos. Precisamos é encontrar formas e fórmulas de anularmos as limitações, desde que essa providência nos beneficie, nos cause bem-estar. Uma das providências é eliminar o medo de realizar as mudanças necessárias para afastar os nossos pontos fracos. Nisso, a força de vontade exerce papel preponderante. Muitas vezes, precisamos avaliar o risco de promover certas mudanças dentro de um ambiente adequado à nossa zona de conforto.

Na presunção de que podemos fazer tudo sozinhos, decorre um longo tempo antes de percebermos que não podemos dispensar a ajuda de outros. Não podemos deixar isso acontecer, porque haveria risco de perdermos tempo ou de sairmos prejudicados da situação que estivermos enfrentando. É necessário sempre avaliar e rever a situação. Muitas vezes, é necessário aguardar mais um pouco, recuar para avançar com segurança. Para recebermos ajuda, temos que reconhecer nossas limitações e confiar nos amigos.

O princípio fundamental para reconhecermos nossos limites é saber que não podemos dar mais do que somos capazes em todas as áreas, financeira, afetiva ou profissional. Por que, então, evitamos encarar nossas limitações quando presentes? Obviamente, para não sentirmos o risco da exclusão. É quando deixamos o autoengano se apossar de nós, que corremos o risco de ser excluídos, de revelar nossa incapacidade. Devemos evitar que o medo de sermos excluídos (olhados como incapazes) possa nos atingir, o que nos exporia a uma certa vergonha e deixaria nossas fragilidades e vulnerabilidades à mostra. Então, temos que perceber quando as expectativas são maiores que nossas forças, e decidir por recusar ou pedir ajuda. 

(O autor é escritor, militante da Filial Butantã-São Paulo)