A EVOLUÇÃO DAS ESPÉCIES - DARWINISMO E NEODARWINISMO

30-11-2010 18:33

Embora Charles Darwin, na sua obra, A origem das espécies (The origins of species), não tenha abordado diretamente o problema da origem da vida, com sua longa viagem de mais de cinco anos no Beagle ao redor do mundo e após exaustivos estudos comparativos baseados na variação das espécies, ele inferiu várias leis dela decorrentes, estabelecendo a teoria da seleção natural. Na verdade, não foi fácil teorizar sobre um assunto ainda não desbravado pelos naturalistas, desde Aristóteles.

Apesar de muito ridicularizado no seu tempo, pouco a pouco a teoria foi ganhando terreno e se firmando. Quem leu a sua obra sabe das dificuldades que encontrou, como por exemplo, nas imperfeições dos registros geológicos e nas incoerências que se apresentavam e, talvez por isso mesmo, tenha levado tanto tempo em divulgá-la. Ainda assim, abordou assuntos como o instinto animal, as afinidades mútuas entre as espécies, o hibridismo, a embriologia dos órgãos rudimentares, etc. Ele mesmo admitiu muitas imperfeições em sua obra, mas nela ficou evidente a luta pela preservação das espécies, fundamentada na seleção natural.

Darwin morreu em 1882 e, após a celeuma de muitos anos, a seleção natural como mecanismo evolutivo foi aceita e tornou-se um fato, mesmo sem ele ter explicado como a variação surgia nos organismos e era passada de geração a geração. Só com o aparecimento da Genética, fundada por Gregor Mendel (1822-1884), a herança entre as espécies foi plenamente explicada em 1865 e retomada no começo do século passado. Mesmo assim, durante o primeiro quarto do século XX, a teoria da evolução foi perdendo terreno, para só readquirir força com os trabalhos do geneticista russo Theodosius Dobzhansky (1900-1975), a partir de 1936, que propôs a unificação da Genética com o Darwinismo. Muitas outras questões que ficaram em aberto na teoria foram, mais tarde, esclarecidas pelos zoólogos Ernst Mayr e Julian Huxley (neto de Thomas Huxley), pelos geneticistas de populações R.A. Fisher e J.B.S. Haldane e o paleontólogo George Gaylord Simpson. A definição de espécie de Ernest Mayr (37), como conjunto de organismos que se cruzam entre si, mas que estão sexualmente isolados de grupos semelhantes, é adotada até hoje. Foi ainda Ernest Mayr que criou a moderna Síntese Evolucionista, também conhecida como Neodarwinismo, teoria que reúne a seleção natural de Charles Darwin com a Genética e a Ecologia. Vemos assim, que a obra de Darwin não foi destronada, antes vem sendo completada e acabada pouco a pouco, o que demonstra que a idéia da evolução é bem aceita pela ciência e pela humanidade em geral. Ernest Mayr (1904-2005), professor emérito da Universidade de Harvard, foi o autor da obra clássica “Sistemática e a Origem das Espécies”, publicada em 1942. Ao todo, escreveu 25 livros, o último concluído pouco antes de sua morte, em 2005, versando sobre filosofia da Biologia.

Além da celeuma evolucionismo versus criacionismo, que veremos mais adiante, há também, na atualidade, críticas amargas dos físicos à Biologia como ciência. Mas, não há dúvida que a Biologia é realmente uma ciência independente como observamos nas afirmações de Ernest Mayr: (32)

Eu mostro que a Biologia é uma ciência séria, legítima e honesta, como as ciências físicas, e todas as idéias que costumavam ser misturadas com a filosofia da Biologia, como o vitalismo e a teleologia, que vieram para tentar desacreditar a Biologia, todas essas coisas esquisitas estão fora. A Biologia tem exatamente as mesmas bases das ciências físicas, compostas de leis naturais. As leis naturais se aplicam à Biologia da mesma forma que se aplicam às ciências físicas. Mas as pessoas que comparam ambas, e os filósofos que põem a Biologia junto com as ciências físicas, deixam de fora um monte de coisas. Você pode ver claramente que a Biologia não é a mesma coisa que as ciências físicas. Dou apenas dois exemplos - um são as biopopulações. Biopopulação é algo que simplesmente não existe nas ciências físicas, e, no entanto, é a base de quase todos os conceitos em Biologia. E a segunda coisa na qual a Biologia difere por princípio das ciências físicas é que, nas ciências físicas, todas as teorias, sem exceção, são baseadas em leis naturais. Em Biologia não há leis naturais que correspondam às das ciências físicas. Você pode perguntar como você pode ter teorias sem leis. Bem, em Biologia, as teorias não se baseiam em leis, mas em conceitos - como o de seleção natural, em Biologia evolutiva, ou conceitos como os de recursos ou de competição, em ecologia. Claro, em última instância, as leis físicas são a base de tudo, mas não diretamente da ecologia.

É interessante notar que a teoria darwinista e o neodarwinismo têm resistido como teorias aos maiores avanços da ciência na área de Biologia Molecular, Embriologia e Genômica, realizados a partir dos anos cinqüenta aos dias de hoje, como ainda nos relata Ernest Mayr na entrevista já citada:(37)

Quando a Biologia se originou? Bem, até o século 18, você tinha vários campos de atividade biológica, como anatomia e taxonomia, mas não tinha o campo da Biologia. A palavra “Biologia”, curiosamente, foi proposta três vezes, independentemente, por volta de 1800, por três autores – dois alemães e um francês. Minha proposição, que fiz em livros anteriores, foi que a Biologia como um campo que você pode reconhecer como algo diferente das ciências físicas, que você pode designar por uma única palavra, se desenvolveu e se tornou o que é hoje em um período relativamente curto. Foram cerca de 40 anos, [a partir] de 1828, quando Karl Ernst von Baer organizou a embriologia, e logo depois vieram os fundadores da citologia, [Theodor] Schwann e [Matthias Jakob] Schleiden, que causaram um grande furor quando publicaram seu trabalho na década de 1830, ao mostrar que animais e plantas são compostos dos mesmos elementos, as células. Então veio o grande período da fisiologia, com Claude Bernard, na França, e pessoas como Johannes [Peter] Müller e outros, na Alemanha. Esse foi um terceiro campo. Após algum tempo vieram [Charles] Darwin e [Alfred Russel] Wallace e a Biologia evolutiva, e depois, em 1865-66, aGenética. Então, essa série de ciências que começam com a embriologia e terminam com a Genética são os alicerces da Biologia. Você pergunta sobre a Biologia Molecular. Bem, deixe-me dar mais um passo ou dois atrás. Houve um período no começo do século passado durante o qual a síntese evolucionista teve lugar. Até aquela época, ou seja, o período entre 1859 e a síntese, nos anos 1940, houve uma grande reviravolta na Biologia evolutiva, na qual foram propostas pelo menos quatro ou cinco grandes teorias básicas da evolução, como a das células germinativas. A síntese evolucionista, iniciada por [Theodosius] Dobzhansky e à qual se juntaram depois pessoas como eu, Julian Huxley e [George] Simpson, pôs um fim às elaborações teóricas no campo da evolução. Você tem [Oswald Theodore] Avery mostrando que os ácidos nucléicos, não as proteínas, são o material da evolução, e aí vieram James Watson e Francis Crick e todos os desenvolvimentos em Biologia Molecular, depois a genômica. Cada vez que uma dessas grandes revoluções acontecia, alguém esperava, por exemplo, que a síntese evolucionista fosse precisar ser reescrita. Mas o fato é que nenhuma dessas revoluções na estrutura da nova Biologia, de Avery à genômica, nada disso realmente afetou o paradigma darwinista. Dito isso, desde Watson e Crick novos livros aparecem tentando provar que o darwinismo é inválido. Nenhum deles foi um sucesso. Agora, finalmente respondendo à sua pergunta, o gozado é que a Biologia Molecular tem um impacto notavelmente pequeno na teoria estrutural da Biologia. Pelo menos é o que me parece hoje em dia. Claro, os biólogos moleculares podem apontar para o código genético e dizer que o código mostrou que a vida como a conhecemos só pode ter se originado uma vez, senão não teríamos o mesmo código para todos os organismos. E há outras contribuições da Biologia Molecular, mas nenhuma delas realmente tocou a teoria estrutural do paradigma darwinista, na minha opinião.

Mas, por outro lado, se você fosse um citologista, você poderia dizer que a demonstração de Schwann e Schleiden de que todos os organismos consistem em células é uma fundação tão importante da Biologia como, digamos, a de que todos os ácidos nucléicos consistem em pares de bases. Eu diria que, do ponto de vista filosófico, os achados descritivos da Biologia Molecular não são mais importantes do que as conquistas na origem da Biologia no período de 1828 a 1866. Essas descobertas são tão importantes quanto qualquer coisa em Biologia Molecular.

Com relação à determinação de espécies distintas com base no DNA, a diferença molecular tão somente pode não ser indicativa de que as espécies são diferentes, não havendo um conjunto de regras que determine isso. Ainda, segundo Ernest Mayr,(2) em entrevista dada em 2004:

Pode ser um único gene. Você tem duas escolas de evolucionistas, aqueles centrados nos genes e aqueles centrados nos organismos. Na década de 20 do século passado, quando J.B.S. Haldane e R.A. Fisher tiveram grande sucesso na Genética Molecular, havia uma grande crença em genes isolados, e você tinha a definição de evolução como a mudança nas freqüências de genes através das gerações, uma definição que nenhum geneticista que se preze daria hoje. Naquela época, havia uma polarização entre os chamados geneticistas de populações, que são centrados nos genes, e os naturalistas, que diziam que o indivíduo é que é selecionado e que o gene é apenas a forma por meio da qual o indivíduo é selecionado. Isso foi até os anos 1930. Então começou a se demonstrar, caso a caso, que tudo também dependia do contexto de outros genes. Portanto, um gene único não podia ser imediatamente selecionado. Um gene sempre ocorre no contexto de um genótipo, e no do fenótipo produzido por esse genótipo. Isso foi indicado por Dobzhansky em 1937, mas não realmente enfatizado. Aí vieram vários autores, alguns amigos de Dobzhansky, ressaltando que era a combinação de genes, portanto o indivíduo, o alvo da seleção natural. Depois, em 1970, saiu um artigo de Dick [Richard] Lewontin mostrando como não podia ser um só gene, e, em 1984, outro artigo de Lewontin com o filósofo Eliott Sober. Levou 60 anos, de 1924 a 1984, para essa visão centrada no gene ir embora. Mas ainda hoje autores como [Richard] Dawkins insistem nela. Eu tenho uma citação maravilhosa do Dawkins, na qual em uma única frase ele admite que o gene não é o alvo de seleção e depois ignora isso, dali em diante. Mas ela estará no meu novo livro [risos].

Parece fora de dúvida que, nada acontece na evolução sem ter passado pelos caminhos da seleção natural. Mayr interpreta que o que muitas vezes pode acontecer na seleção natural, é a eliminação dos genes inferiores e nem sempre a seleção dos melhores e disso as pessoas não se dão conta, afirmando que “essa seleção é bem menos egoísta que a seleção dos melhores”. Enfim, na evolução, podem acontecer as duas coisas: seleção dos melhores genes e também, eliminação dos genes inferiores, entendendo-se que muitos genes não são suficientemente bons para serem selecionados, embora, da mesma forma, não sejam suficientemente ruins para serem eliminados.

Um outro geneticista de renome internacional, Theodosius Dobzhansky (1900-1975), refletindo sobre o mundo biológico, que contém entre 1,5-2 milhões de espécies estudadas e talvez outro tanto ainda desconhecidas, variando em tamanho da ordem de 10 micra (dez milionésimos do metro) nos vírus, até 30 metros de comprimento e 135 toneladas na baleia azul, nos chama atenção para esta prodigiosa diversidade e conclui: “tudo isso é compreensível à luz da teoria da evolução, mas o que nos parece uma operação sem sentido é ter Deus criado uma multidão de espécies para nada”. E ainda, em favor da seleção das espécies, afirma: “o ambiente apresenta desafios às espécies, as quais podem responder mediante variações genéticas adaptativas”. (13)

Recentemente foi publicado um livro com o título, O gene egoísta, (14) de autoria de Richard Dawkins, zoólogo com amplos conhecimentos de Biologia e Genética, respeitado nos meios científicos dos Estados Unidos, mas também muito combatido por suas idéias diferenciadas sobre a seleção natural de Darwin, de quem é ardoroso adepto. O principal aspecto de diferenciação é que, ao contrário de Darwin, que considerou em sua teoria a sobrevivência do mais apto, ele prefere adotar como regulador da evolução, a sobrevivência do estável. Insatisfeito por muitas explicações oferecidas por outros respeitáveis estudiosos, como Sir Karl Popper, pelo geneticista L. L. Cavalli-Sforza, pelo antropólogo F. T.Cloak e o etólogo J. M. Cullen, pergunta: “O que, afinal de contas, é tão especial a respeito dos genes (14)?” E ele mesmo responde: “A resposta é que eles são replicadores”. Seu principal argumento é que os genes adquirem certas e especiais qualidades, porém limitadas, em função do meio ambiente em que se desenvolvem e replicam essas qualidades aos seus genes descendentes. Mas, ao contrário do que muitos são levados a pensar, não se deve supor que as características herdadas sejam fixas e inalteráveis. Outro aspecto interessante de seu livro é a utilização do termo “máquina de sobrevivência” para qualificar não somente os humanos, mas todos os seres vivos.

3. Criacionismo versus Evolucionismo

Parece incrível que, com todo o progresso tecnológico de nosso tempo, ainda exista uma grande corrente contra o evolucionismo, criada pelos religiosos que se fundamentam no Velho e no Novo Testamento (Bíblia). Pior ainda, a esses religiosos fundamentalistas aliaram-se cientistas que ainda não se desvencilharam das crenças religiosas, dando-lhes suporte que não resistem aos argumentos bem fundados do evolucionismo.